Durante os 84 anos de História dos mundiais de futebol, houve jogadores que, por uma razão ou outra, nunca pisaram o maior palco do desporto-rei. O futebol será provavelmente o único desporto onde o título mundial tem mais valor que o ouro olímpico, e enquanto os competidores das restantes modalidades se preparam com as Olimpíadas em mente, é de quatro em quatro anos desde 1930 até 1938, e de 1950 até hoje, sem interrupção, que os melhores entre os melhores cuidam o aspecto físico e a forma para chegar ao mundial e dar o seu máximo. Esta é uma homenagem aos "ases" que, ora por não terem quem partilhasse o seu génio, ficaram afastados por lesão ou por critérios extra-futebol, ou simplesmente nasceram no país errado, nunca participaram de um campeonato do mundo da FIFA.
Parece mentira mas é verdade:
Alfredo Di Stéfano, uma das grandes referências do Real Madrid, penta-campeão europeu e um dos mais prolíficos goleadores de sempre do futebol mundial nunca esteve num campeonato do mundo. O "seta dourada", como era conhecido, era eligível para representar a Argentina, o seu país natal, no mundial de 1950, mas a selecção das pampas não se qualificou. Em 1954 deixou de ser elegível, pois já tinha jogado também pela Colômbia. Quando finalmente adquiriu a nacionalidade espanhola em 1956, a "roja" falhou a qualificação para o mundial de 58, na Suécia. Quando se retirou do futebol internacional em 1961, aos 35 anos, tinha apontado 23 golos em 31 internacionalizações pela Espanha.
A Irlanda do Norte qualificou-se para o mundial de futebol da FIFA por três vezes, a última delas em 1986. A estreia foi no campeonato do mundo da Suécia, em 58, e os irlandeses só regressariam novamente à grande festa do desporto-rei em 1982. Pelo meio deu-se a carreira de
George Best, que como o nome indica, foi um dos maiores "craques" da história, ostentando a mítica camisola 7 do Manchester United entre 1963 e 1974. Pelos "red devils" conquistou dois campeonatos e a Taça dos Campeões em 1968, na final contra o Benfica, e nesse mesmo ano foi o melhor marcador do campeonato inglês e ganhou a Bola de Ouro da FIFA. Pela Irlanda do Norte foi 37 vezes internacional, apontando 9 golos, e é ainda considerado o melhor jogador a envergar a camisola "verde" do Ulster em toda a história. A parte final da sua vida foi marcada por problemas com o alcoolismo; Best sempre bebeu, mas os problemas começaram a intensificar-se no início dos anos 80, onde chegou a ser detido por condução em estado de embriaguez. Em 2002 submeteu-se a um transplante de fígado, e faleceria em 2005, aos 59 anos, enquanto cumpria mais uma suspensão de dois anos sem conduzir, depois de ter sido apanhado em 2004 ao volante embriagado.
O facto de
Eric Cantona nunca ter participado num mundial tem a ver com um misto de má sorte e mau carácter. Chamado pela primeira vez por Henri Michel em 1987, quando alinhava no Auxerre, ficou irado por ter sido deixado de fora no primeiro jogo da campanha para o mundial de 1990, na Itália, e chamou ao selecionador de "monte de merda" - obviamente não mais seria chamado. Depois do fracasso da qualificação para Itália, Michel Platini assumiu o comando dos "bleus", e garantiu a Cantona que o convocaria "desde que estivesse a jogar a titular ao mais alto nível"; e assim foi, pois a posição pivotal, quer no Nimes, no Marselha e depois no Leeds garantiram-lhe a presença no Euro 92. Já no Manchester United, participou da campanha completa para o mundial de 1994, sob as ordens de Gerard Houllier, mas a França voltaria a não se qualificar. Aimé Jacquet passaria a liderar o projecto que levaria ao título mundial em 98, com passagem pelo Euro 96, e fez Cantona capitão. Contudo o incidente de Sellhurst Park em 1995, quando o nº 7 do Manchester United deu um golpe de "karate" num adepto do Crystal Palace, deixou-o suspenso de todas as competições, e Jacquet construíu uma nova equipa sem ele. Cantona retirava-se do futebol em 1997, aniquilando quaisquer possibilidades de fazer parte da equipa da França campeã mundial em 1998. Este "génio" excêntrico vestiu por 45 vezes a camisoila da França, marcando 20 golos.
Um exemplo de lealdade a um só clube é o de
Ryan Giggs, que jogou os 24 anos (!) da sua carreira como profissional no Manchester United, depois de se transferir das escolas dos rivais Manchester City quando tinha 14 anos. Em Old Trafford ganhou 13 campeonatos de Inglaterra, quatro taças, 9 Supertaças (Charity Shield), três Taças da Liga, duas ligas dos campeões, uma Supertaça Europeia, dois títulos mundiais de clubes, e vários prémios individuais, tendo feito parte do onze ideal da Associação dos Futebolistas Profissionais (PFA, na sigla inglesa) seis vezes. Um jogador deste calibre seria atracção em qualquer campeonato do mundo, mas Giggs teve o "azar" de nascer em Cardiff, no País de Gales, e ser elegível para alinhar apenas na selecção do seu país natal. Os galeses qualificaram-se para o mundial apenas em 1958, e por mais que Giggs tenha contibuído com 12 golos das suas 64 internacionalizações, não mais se qualificariam.
Bernhard Schuster, ou simplesmente
Bernd Schuster, passou a maior parte da sua carreira como futebolista em Espanha, tendo jogado pelos três grandes: Barcelona, Real Madrid e Atletico Madrid, por esta ordem. Nascido em Augsburg, ainda adolescente deu nas vistas no Colónia, e foi selecionado para o Euro 1980, sagrando-se campeão, fazendo parte do onze ideal do torneio. Assinou pelos "blaugrana" em 1980, com apenas 20 anos, e durante a época de 1981-82 foi, tal como Maradona, vítima do defesa Andoni Goikotxea, conhecido também por "o carniceiro de Bilbao". A lesão afastou-o do mundial de 82, em Espanha, e durante a campanha para o Euro 84 desentedeu-se com a federação alemã, nomeadamente com a data de um particular com a Albânia, que o obrigava a perder o nascimento do seu primeiro filho. Além do mais eram conhecidos os seus desaguisados com Karl-Heinz Rummenigge, uma das estrelas da "mannschaft", e assim Schuster decidiu renunciar à selecção em 1984, aos 24 anos. Em treze épocas no futebol espanhol, onde conquistou três campeonatos e seis taças, regressou à Alemanha em 1993, aos 33 anos, e jogou três épocas no Bayer Leverkusen, antes de acabar a carreira nos Pumas, do México, em 1997. Seguiu depois a carreira de treinador, e nesta época que agora terminou orientou os espanhóis do Málaga.
Um dos exemplos mais acabados de alguém que nasceu no país errado é
Jari Litmanen, que em 1971 nasceu em Lahti, na Finlândia, país que nunca participou na fase final de um campeonato do mundo. Litmanen iniciou-se nas escolas do Reipa, do seu país de origem, passando ainda jovem pelas equipas principais do HJK e do MyPa, e a sua apetência pelos golos chamaram a atenção dos olheiros do Ajax de Amesterdão, e aos 20 anos Litmanen rumava à Holanda. Rapidamente se impôs na equipa principal do Ajax, e ali conquistaria quatro campeonatos holandeses, três taças, três supertaças e uma Liga dos Campeões em 1995, acompanhada da respectiva Supertaça Europeia e Taça Intercontinental, sendo ainda finalista vencido na edição seguinte da principal prova da UEFA. Depois de sete gloriosos anos no Ajax, passou pelo Barcelona durante duas épocas, onde sofreu uma lesão grave que o impediu de se afirmar, e em 2001/2002 pelo Liverpool, onde apesar de não ser muito utilizado, ainda juntou uma Taça UEFA ao seu currículo. Regressou depois ao Ajax, mas sem o mesmo sucesso da primeira experiência, e depois por vários clubes, quer da Suécia, Alemanha e um contrato com o Fulham de Inglaterra, por quem nunca chegaria a jogar. Terminou a carreira na Finlândia, primeiro no Lahti, clube da sua cidade, e finalmente no HJK, onde penduraria as chuteiras aos 40 anos. Pela selecção da Finlândia detém o recorde de internacionalizações, com 137, entre 1989 e 2010, tendo apontado 32 golos.
Outro caso de muito talento para pouco país foi o de
George Weah,considerado o melhor jogador africano de todos os tempos, "ameaçado" actualmente por Samuel Eto'o ou Didier Drogba, estes ainda em actividade. Só que ao contrário do camaronês e do marfinense, Weah nasceu na pequena nação da Libéria, um diminuto país na costa atlântica africana, com apenas 4 milhões de habitantes. Aos 20 anos tornava-se o melhor marcador da liga liberiana, com 24 golos em 23 jogos pelo Invecible Eleven, um clube com um nome muito sugestivo, e depois de uma curta passagem pelo Africa Sports da Costa do Marfim, daria nas vistas ao serviço do Tonnerre Yaoundé, dos Camarões, antes de assinar pelos franceses do Monaco em 1988. Com os monegascos, trabalharia com Arsene Wenger, actual treinador do Arsenal, e vencia a Taça de França em 1991, e seria finalista da Taça das Taças no ano seguinte, perdendo para os alemães do Werder Bremen por 2-0 no Estádio da Luz. Isto valeu-lhe a transferência para o Paris SG de Artur Jorge, onde venceria uma segunda taça e se sagraria finalmente campeão. Em 1995, quase aos 30 anos, transferia-se para Itália, para o AC Milão, ao mesmo tempo que vencia a Bola de Ouro. Pelos "rossineri" vencia por duas vezes a Serie A, passando em 2000 pelo Chelsea, e depois disso ainda pelo Manchester City e Marselha, antes de acabar a carreira em 2003 aos 36 anos no Al-Jazeera, dos Emirados Árabes Unidos. Pela Libéria somou 60 internacionalizações em vinte anos, entre 1987 e 2007, marcando 22 golos, e o melhor que conseguiu foi participar na Taça das Nações Africanas em 1996 e 2002.
Neste mundial, no Brasil, Portugal vai defrontar o Gana, e quando isto acontecer estarão provavelmente em campo os irmãos Andre e Ibrahim Ayew, filhos do antigo internacional Abedi Ayew, mais conhecido durante os anos em que foi jogador por
Abedi Pele, um avançado que não desonrou a alcunha que escolheu, sagrando-se jogador africano do ano três vezes consecutivas, entre 1991 e 1993. Pele ficou célebre por fazer parte da equipa do Marselha que se sagrou campeã europeia em 1993, sendo pelos franceses que conheceu o sucesso, representadno depois ainda na Fraça o Lille e o Lyon, os italianos do Torino, os alemães do TSV 1860 Munique, antes de acabar a carreira nos Emirados, no Al-Ain, em 2000, aos 35 anos. O Gana, apesar do sucesso no futebol jovem, onde foram finalistas do mundial de juniores em 1993, só transportaria as suas qualidades para o futebol sénior em 2006, quando participaram do primeiro mundial - seis anos depois de Abedi Pele se ter retirado. No entanto o ganês de 49 anos (e com dois filhos que vão participar pela segunda vez num mundial, fantástico) fez o melhor que pôde pelo seu país, marcando 33 golos em 67 internacionalizações, participando da Taça das Nações Africanas em quatro ocasiões, entre 1992 e 1998.
Finalmente a minha adição pessoal: Rui Manuel Trindade Jordão, ou simplesmente
Jordão, para mim o maior jogador português a nunca ter participado num mundial de futebol; tudo bem, respeito quem prefere Néné neste particular, mas Jordão, nascido em Benguela, Angola, a 9 de Agosto de 1952. Veio para Portugal depois de completar 18 anos, para representar o Benfica, e sagrar-se-ia melhor marcador do campeonato português em 1976, o que lhe valeu uma transferência para os espanhóis do Zaragoza. Sem se conseguir adaptar ao campeonato espanhol, apesar de ter marcado 14 golos na única na primeira liga, regressaria a Portugal, mas para o Sporting, onde seria novamente "artilheiro" do campeonato em 1980. Continuaria na senda dos golos até 1984, onde foi uma das figuras do Euro 84, marcando os dois golos da selecção das quinas frente à França mas meias-finais, que Portugal perderia por 3-2, com uma reviravolta dos gauleses nos últimos cinco minutos do prolongamento. Seria na fase descendente da sua carreira que Portugal participava no mundial do México, mas Jordão ainda faria duas épocas ao mais alto nível no V. Setúbal, antes de se retirar em 1989, aos 37 anos. Pela selecção das quinas jogou 43 vezes, e marcou 15 golos.
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