sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Na morte de Madiba


Nelson Rolihlahla Mandela, da tribo dos Xhosa, da África do Sul, deixou-nos na noite de ontem em Joanesburgo, aos 95 anos. Uma vida cheia, uma morte com honra, um homem que suportou 27 anos de prisão no regime do apartheid que vigorava no seu país, e contra o qual lutou, e eventualmente venceu, terminando com o último bastião da descriminação racial no mundo civilizado. Senti que ficou muita gente triste com o desaparecimento físico do líder histórico do ANC, "but why the long face?". Um dia tinha que acontecer, e Mandela resolveu apanhar-nos de surpresa, quando muitos já vaticinavam o seu fim em Julho, pouco antes de cumprir mais um aniversário.

Desaparece o homem mas fica a obra, e a sua única tristeza terá sido não ter alcançado o sonho de deixar o seu país transformado no país que sempre sonhou. A África do Sul é hoje um estado onde a riqueza convive lado a lado com a miséria, a criminalidade é galopante e 17% da população está infectada com o vírus HIV, sendo o país onde mais se morre de SIDA em todo o mundo. Mandela mostrou o caminho, mas os que lhe seguiram viraram na curva errada e seguiram pelo pior caminho. O seu estado de saúde débil era há muito conhecido, e mesmo em 2010, por altura do primeiro mundial de futebol realizado no continente africano, já se sabia que Madiba não ficaria entre nós por muito mais tempo.

Para mim Nélson Mandela é um dos mitos do século XX, e será na clausura desse tempo que atinge a imortalidade. Nascido em 1918, presidiu ao ANC desde 1955, foi preso em 1962 e libertado em 1990, e presidiu a África do Sul de 1994 a 1999. Foi ao lado de Gandhi, Madre Teresa de Calcutá ou o Dalai Lama o símbolo da luta e da resistência pacífica contra os males da opressão, da pobreza ou do ódio, em nome da liberdade, mas ao contrário desses três que referi, é menos "suspeito". Mandela não aproveitou o seu estatuto para tirar proveitos económicos, politicos ou quaisquer outros, nem ajustou contas com ninguém, e quantos de nós não teríamos vontade de o fazer depois de nos remeterem ao cárcere durante tantos anos? O Mandiba foi fiel aos seus princípios até à última hora. "No bullshit".

Neste primeiro dia sem Mandela, o homem, observo algumas reacções interessantes nas redes sociais. Somos recordados de que os Estados Unidos apenas o retiraram da lista negra de potenciais terroristas em 2008, e que em 1987 apenas três líderes mundiais votaram contra a sua libertação: o presidente norte-americano Ronald Reagan, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, e o primeiro-ministro português Cavaco Silva. Os dois primeiros partiram antes de Mandiba, e se têm contas a ajustar, fá-lo-ão no outro mundo, se o houver. O último é actualmente nosso Chefe de Estado, como foi Mandela, e nunca precisou de sacrificar a sua liberdade na luta pelos princípios que defendia. Aliás, que princípios tem o sr. Silva. Hoje mandou condolências, e a vox populi chama-o de "hipócrita". Mandela agradece na mesma, e perdoa-o. Porque era mesmo assim. É essa a sua natureza, e é por isso que entra para a História.

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