sábado, 2 de agosto de 2014

Pescadinha - o prato do dia, todos os dias


A edição de ontem do Hoje Macau dedicou a rubrica "Perfil" a um jovem filipino que dá pelo nome de Channel Deluna, e que ganha a vida a como cabeleireiro no salão "Blossom", que é onde normalmente vou cortar o cabelo - ou ia, ou pelo menos não vão tantas vezes como antes. No Verão prefiro raspar a cabeça a pente zero, e para o efeito basta qualquer baeta, mesmo de rua, que tenha uma "tosquiadora" à mão de semear. Além disso detesto perder tempo em barbeiros, salões de beleza e afins; raramente se encontra lá alguém interessante que tenha uma conversa de jeito. Sim, já sei que não se vai ali para "conversar", mas se a ideia é demorar muito, existe uma forte possibilidade disso acontecer, e como já muitos devem ter reparado, as pessoas que frequentam estes locais por gosto (há sempre um ou dois que estão sempre lá e não "consomem") são algo..."problemáticas", digamos. Sofrem daquela terrível mania de fazer muitas perguntas e às vezes é necessário levar as boas maneiras ao limite para não os mandar a certa parte.

Mas como era aqui perto e eu tenho uma ideia feita de que os filipinos são bons cabeleireiros, e podendo comunicar em inglês sempre dá para explicar melhor o que queremos, fiz-me cliente do "Blossom" desde que abriu portas, e se não em 2009 terá sido um ano antes ou depois, não me recordo ao certo. No início a proprietária era a sra. Tess - conhecia-a apenas por esse nome - que entretanto trespassou o negócio para se juntar ao seu marido de há mais de 20 anos, que é britânico, e actualmente vivem no Vietname, onde ele trabalha. Foi a sra. Tess (que era muito conversadora, diga-se de passagem) que trouxe para Macau este talento do "coiffeur" de nome de guerra "Channel", que conquista a simpatia de todos com a sua extravagância, e com o ar natural com que se relaciona com as pessoas, tratando quem conhece à apenas cinco minutos como um amigo de infância. Isto nem sempre é bom, mas neste caso dá gosto baixarmos as defesas, já que se trata de um tipo divertido e bem disposto.

Das primeiras vezes que lá ia, de dois em dois meses, ou de três em três, depende, nem sempre encontrava lá o Channel, e a sra. Tess explicava-me que a cada 55 dias ele era obrigado a regressar às Filipinas devido ao limite de permanência, e era obrigada a arranjar um substituto temporário - quando não era ela própria a fazer o trabalho. Queixava-se de não lhe atribuirem uma cota para contratar trabalhadores não-residentes, e esse era na altura um dos problemas de que se queixavam alguns proprietários de pequenas e médias empresas. Hoje em dia junta-se a este problema o outro das rendas, e fica quase impossível trabalhar por conta própria. Entretanto o Channel ia regressando e partindo, e uma das vezes a notícia da sua partida foi mais agradável que o habitual, quando foi para Paris tirar um curso de aperfeiçoamento. A este ponto gostaria de vos contar que da primeira vez que o conheci, apresentou-se como "Coco Channel", o que achei cómico, mas passado algum tempo "deixou cair" o Coco e ficou apenas Channel. Diz que gostou muito da passagem pela capital francesa, mas suspeitei da falta de entusiasmo. Num dos seus dias normais, ia-me contar tudo em minucioso detalhe, mas preferiu guardar para si as experiências na cidade das luzes. Como faz algum tempo que não corto o cabelo no "Blossom" (adoro quando elogiam a minha juba, que classificam como "espessa"; fiquem lá com esta, ó carecas) adorei a reportagem do Hoje, especialmente na parte em que dá a entender que resolveu finalmente o problema da permanência, ou do "sponsor", e claro que fico feliz que continue a patentear o seu entusiasmo característico, e que vá conhecer Portugal este ano. É bom saber.

Já na semana passada o jornal tinha falado coma proprietárias actual do "Blossom", Marissa Javillonar. Esta filipina que é residente permanente no território, onde reside há mais de 20 anos, é uma pessoa muito mais discreta que a anterior proprietária, a sra. Tess, mas queixa-se do mesmo problema: a falta de cotas para contratar trabalhadores de fora da RAEM. Uma das coisas que disse e que melhor resumem a actual situação foi: "como vou empregar locais para limpar, se eles me dizem que 'isso é trabalho dos filipinos'?". E de facto é mesmo assim, e torna-se uma pescadinha de rabo-na-boca indigesta para os pequenos e médios empresários: querem contratar alguém, não lhe dão cotas e sugerem os locais, e os locais dizem que não gostam desse trabalho ou não lhes agrada o salário proposto.

- O que fazer, então?
- E que tal ir buscar alguém às Filipinas?
- Não, isso não, que já chega de trabalhadores não-residentes; e os locais depois como ficam?
- Tudo bem, venha daí esse local.
- Para fazer o quê, limpar? Está maluco? Isso é trabalho dos filipinos.
- Ok, então podem-me dar uma cota para eu contratar esse filipino?
- Mas é que nem pense nisso, então e os locais?

Pois é, e os locais, que querem um emprego sentado a ganhar pelo menos 20 mil rufas sem mexer uma palha, e que na maior parte dos casos nem acabaram o ensino secundário porque se habituaram à subsídio-dependência e a parasitar os pais? E que tal se fossem à merda?

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