Por falar em "pequeno T1", muitos se devem recordar certamente daquele êxito do cantor Ricardo Salgado, do ano de 2007, "Pequeno T2", que teve bastante sucesso. A canção falava de um casal apaixonado que aspirava a ter o seu "ninho", onde pudesse ter a sua privacidade, nem que fosse apenas "um pequeno T2/onde podemos viver os dois". De facto e atendendo ao exemplo de Portugal, onde a malta gosta de ter uma casa onde possa esticar as pernas e não caia da varanda quando se desvia de um móvel no meio da sala, um T2 é até uma proposta modesta, mesmo tratando-se de um casal - assumindo que vão dormir juntos, ainda ficam com um quarto para guardar os "tarecos". Fosse o Ricardo Salgado não um português a escrever este tema em 2007, mas um residente Macau a escrevê-lo agora, ficava qualquer coisa como "Um pequeno vão escada/só eu, tu, os ratos, mais nada". É que um "pequeno T2" aqui na RAEM é uma pretensão que pode sair bastante cara, na ordem dos quatro ou cinco milhões de patacas, e é se não se fizerem muitas exigências, do tipo luz natural, cozinha e casa-de-banho onde caibam duas pessoas ao mesmo tempo e esses luxos a que os portugueses gostam de se dar.
É que lá em Portugal, esse imenso batatal, e como disse um colega meu chinês aqui há tempos, "o metro quadrado não vale nada", os portugueses "são tão pobres que quando se lhes pergunta onde fica um sítio, eles pedem uma gorjeta", palavras do mesmo autor. Além disso os tesos dos tugas andam a comprar casas por 500 mil patacas, ou outras assim mais jeitosas, do tipo vivenda com dois andares, garagem, arrecadação exterior e horta por menos de um milhão. Aqui em Macau o imobiliário é uma coisa com pinta, uma paixão, e quem não estiver disposto a desbaratar pelo menos 70% do vencimento durante 30 anos da sua vida adulta por um dos apartamentos de um bloco de outros 1500 iguais, não está a levar isto a sério - isto não é para meninos. E ainda por cima são uns tipos mesmo parvos, que ficam ali meses e meses a construir moradias que depois duram 40, 50 ou mais anos, e chegam até a passar para os filhos e para os netos. Assim como é que se especula? Como é que um tipo compra uma casa por "x" e depois vende na semana seguinte pelo dobro ou pelo triplo, sem nunca chegar a vê-la, e em alguns casos ainda não está construída e já teve quatro ou cinco proprietários (exemplo dos "lao-fa")? Deviam era fazer como a malta do "Sin Fong", esses sim, uns gajos com visão: "O prédio vai cair? Não faz mal, a gente constrói outro. Se precisam de pagar? Claro, mas alguém trabalha de graça e ainda mais no fim ficam com este lindo serviço? Não podem pagar? O Governo assume as despesas. Sim, claro que eventualmente são vocês que acabam por pagar, de um ou outro jeito. É a vida!". Pelo que pagam por dois ou três desses tais "pequenos T2" lá em Portugal, aqui não compram nem um parque de estacionamento numa daquelas garagens subterrâneas fétidas, mas "bem localizadas", e há que levar isto em conta.
Imagino como será quando um desses patifes, perdão, "agentes imobiliários" levam potenciais compradores a ver uma dessas fracções. Usemos como exemplo um casal mais ou menos jovem que contraíu núpcias mais ou menos recentemente - há doze anos, para ser preciso, mas aos 30 e muitos ainda estão com saudinha para ficar a pagar as prestações até aos...sei lá, 88 anos? Se um morrer, o outro paga, ou os filhos, caso os primeiros ainda tenham disposição para dar uma queca depois de fazer as contas à amortização da hipoteca. O apartamento é recém-construído, fica localizado num local espectacular, a Ilha Verde (reparem na sonoridade, que lembra assim Costa do Sol ou Colinas Douradas), e rodeado de vizinhança, literalmente, pois é uma das 8 fracções dos 20 e não sei quantos andares da meia dúzia de blocos de um total de 2684 unidades - um exclusivo, quase. Do lado de fora já é possível descortinar as infiltrações na parte lateral do edifício, e ainda mal foram completamente instaladas as canalizações - já cheira a Lisboa.
A segurança foi uma das prioridades na construção deste espectacular empreendimento, pois além de grades na porta da entrada (cuide que não abre a porta ao mesmo tempo que o seu vizinho do lado, senão não conseguem sair os dois) há ainda gradeamentos nos quartos, na varanda, na casa-de-banho e na cozinha. E quanto a estas duas últimas, reparem no luxo: na cozinha cabem à vontade um fogão, um esquentador, um lava-loiça e ainda pode optar ou pelo frigorífico, ou pela máquina de lavar; na casa-de-banho podem os dois tomar banho juntos, contando que estejam abraçados, e como são apaixonadíssimos um pelo outro, isso não deve ser problema. Agora ao sair da banheira, tenham a certeza que sai um de cada vez, pois o espaço entre a retrete e o lavatório mal da para a Kate Moss na sua fase mais anoréxica passar. Para atestar a qualidade dos acabamentos, basta dar um pequeno pontapé numa das quinas da parede, e verão que cai logo uma lasca e salta uma respeitável quantidade de pó, prova de existência de vestígios de betão armado. Caso não gostem do soalho em madeira, os tacos saem praticamente à unha, e até se torna numa actividade divertida que podem fazer em conjunto ao serão. Com alguma sorte livram-se daquela porcaria...quer dizer, "rentabilizam o investimento" vendendo a fracção a outros tansos...perdão, "casal apaixonado", e apesar de assim andarem com a casa às costas, ficam com uma conta bancária bem recheada. Não tão recheada ao ponto que dê para comprar uma casa decente onde dê vontade de morar, mas e depois? O Pai Natal, a Fada Madrinha e os esquimós não existem, não me digam que não sabiam?
Consumada mais uma fraude...oops, "feita a apresentação do seu novo lar", os dois abraçam-se e deixam escapar um comovido desabafo:
- "Querida...valeu a pena todo o sofrimento para juntar os quatro milhões de patacas para que o banco nos emprestasse aquele milhão que faltava para comprar a nossa casinha".
- "Sim amor, e ainda bem que os teus pais hipotecaram a casa deles também para nos emprestar aqueles dois milhões. Já não vamos precisar de dormir no sofá da casa deles, e eu já não aguentava ter que dormir com as ceroulas que a tua mãe pendurava no meio da sala a fazer-me comichão no nariz".
- "Agora vai ficar tudo bem, coração. Pode ser que a partir de hoje possamos fazer duas vezes por semana uma refeição que não consista apenas de arroz com dentes. Quem sabe se este ano no nosso aniversário de casamento possamos sair para comer um "chau-min" na tasca da esquina!".
- "E...e posso pedir um Sprite para acompanhar???"
- "Tudo o que tu quiseres, querida, dois Sprites até! Ou três! Espera lá...é melhor ficares pelos dois".
- "Ou é melhor ficar apenas pela água da torneira. É que estou a economizar para daqui a dez anos pagar o tratamento destas cáries, que venho adiando desde que decidimos comprar o nosso ninho de amor. Amo-te, seu grande parvalhão".
- "E eu a ti, sua estúpida".
E viveram felizes para sempre. E em contenção de despesas.
1 comentário:
Excelente Post, uma das tristes realidades de uma pequena porção de terra cuja a pobre riqueza passa tão somente por manter shares de jogo acima de Las Vegas, sem plano B e principalmente sem standards minimos de qualidade de vida social e familiar, pelo menos para quem sabe o que isso significa!
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