sexta-feira, 29 de agosto de 2014

It's a dirty job (but somebody's got to do it)



Esta imagem não é minha e não foi tirada nem editada por mim. O símbolo da Polícia Judiciária de Macau (PJ) não é meu, nunca foi, e por muito respeito que a corporação que combate o crime na RAEM me mereça, não o quero. E esta introdução meio "estranha" tem uma justificação, e como tudo o que de estranho tem acontecido pelo território nesta última semana, a causa é o referendo civil organizado por três associações do campo da pró-democracia. Esta tarde foram detidos dois membros da redacção da revista "Macau Concealers", uma publicação satírica cujo nome é uma paródia do jornal Ou Mun: o seu vice-director Roy Chio Chi Choi, e um estagiário (?) do jornal, Leong Ka Man. Razão?



Depois das interpretações duvidosas dadas a várias leis desde o período antes do arranque do referendo oficial, que teve início no último Domingo, eis que entra em cena o Código Penal, e o texto que é dado ao artº 296º: "abuso de designação, sinal ou uniforme". No ponto nº 1 lemos que "Quem, ilegitimamente e com intenção de fazer crer que lhe pertencem, utilizar ou usar designação, sinal, uniforme ou traje próprio de função de serviço público é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias".

E foi preciso destacar esta parte do artigo que me parece a finalidade máxima e única da lei: punir quem use um distintivo, sigla ou símbolo com o intuíto de se fazer passar por um elemento pertencente a essa associação, grupo, ou neste caso corporação. Na imagem, que estava na página do Facebook da Macau Concealers e foi entretanto apagada, vemos o "website" do referendo, e aquilo que parece ser uma notificação da PJ com o símbolo da corporação bem visível no topo. Agora a pergunta sacramental: onde está o "quem" a que se refere a lei? "Quem" aparece naquela imagem que possa ser acusado de fazer crer que aquele símbolo lhe pertence, ou que tem o direito de o ostentar? E já agora, "quem" é que se lembrou de dar esta interpretação tão "livre" desta lei do Código Penal?



Quem não se inibiu de aproveitar esta mirabolante interpretação da lei para facturar, mesmo que em evidente posição de "fora de jogo", foi a própria PJ, que foi esta tarde buscar Roy Choi e
Leong Ka Man, que se encontravam no restaurante da cadeia McDonald's junto ao Lake View Gardens, na Praia Grande, na zona dos lagos Sai Van. Juntamente com os dois detidos estavam o presidente da Associação Novo Macau, Sulu Sou, e o vice-presidente, Scott Chiang, e todos pareciam preparados para qualquer eventualidade: enquanto os agentes tentavam levar outros dois, Scott ia provocando, e Sulu filmava. Já quanto aos agentes, tive pena, tive mesmo pena. Mal preparados, pouco à vontade, e visivelmente intimidados pela reacção de quem parecia quererem intimidar. Scott Chiang foi desta vez a estrela da companhia, e parece ter voltado de Taiwan com mais do que (evidente) peso.




Esta "Macau Concealers" é uma revista periódica em língua chinesa, distribuída gratuitamente e com conteúdos satíricos, com o Governo da RAEM como alvo principal. O próprio nome da publicação é uma sátira ao jornal "Ou Mun", o diário em língua chinesa mais lido do território, e cujo nome chinês é 澳門日報, literalmente "jornal diário de Macau" (a originalidade desta gente nunca cessa de me surpreender), e por seu lado o "Macau Concealers" é 愛瞞危急, literalmente "adoramos ocultar". A revista coincidiu com o aparecimento de Jason Chao, o seu director, nas fileiras da Associação Novo Macau. Inicialmente inspirada na revista do Novo Macau, igualmente satírica mas menos radical, foi crescendo,e ganhou o seu próprio espaço.



Roy Chio é o vice-director, editor e "cérebro" desta publicação cuja página no Facebook conta com mais de 40 mil "likes", muitos deles de elementos da comunidade portuguesa em Macau. Segundo a sua conta pessoal na mesma rede social, onde é conhecido por "Roy Liberty", tem 27 anos, fez o ensino secundário na Escola da Tong Sin Tong, em Macau, e licenciou-se no continente, na "China University of Political Science and Law", em Chanping. Mas onde é que já tinhamos visto antes este Roy "Liberty" Chio?




Exacto, o nosso Roy foi um dos protagonistas dos incidentes durante a cerimónia de graduação do ano lectivo 2013/2014 da Universidade de Macau, realizado já no novo campus da Ilha da Montanha. Na condição de jornalista acreditado para o evento, foi interpelado pela segurança enquanto recolhia imagens de To Weng Kei, a jovem estudante, também ela elemento do Novo Macau, que foi o centro das atenções ao ostentar um cartaz onde se pedia que a UMAC "parasse de perseguir os académicos". Em causa estava a suspensão de Bill Chou, professor de Ciência Política, também ele ligado aos democratas. Pode-se dizer que o Novo Macau montou aqui uma armadilha, e a UMAC pôs-se a jeito.



E mesmo antes destes incidentes, Roy Choi já se tinha dado a conhecer nas últimas eleições legislativas, quando foi nº 4 da lista 2, os Liberais do Novo Macau. Liderada por Jason Chao, coadjuvado por Scott Chiang, à sua esquerda na imagem, a lista era composta por personagens agora bem mais identificáveis do que em Setembro de 2013, quando não elegeu qualquer deputado. Assim à direita de Jason Chao está o seu nº 3, Ieong Man Teng, que assumiu o seu próprio protagonismo como líder da "Forefront of The Macau Gaming", o que se pode considerar uma espécie de "braço casineiro" dos democratas, e que tem sido igualmente notícia pelas ameaças de greve da parte dos "croupiers", e o nº 5 é Envy Sio Chon Fong, um personagem de que se sabe pouco, faltando-lhe ainda um "baptismo de fogo", mas que tem estado do lado da "luta" que teve início em finais de Maio com a manifestação contra o Regime de Garantias dos Detentores dos Altos Cargos da RAEM. A apresentar o grupo considerado a facção mais radical dos democratas está Kam Sut Leng, que fico agora a saber que tem o nome inglês de "Icy", provavelmente inspirado no seu nome "Sut" (雪), ou "neve". A ex-professora ganhou protagonismo na manifestação do 1 de Maio de 2013, e passou e membro do Novo Macau a tempo inteiro após ser despedida da escola Lou Hao, e tal como Bill Chou na UMAC, as razões prendem-se alegadamente com a sua filiação política - começa a ser comum, este "mau hábito".



O último personagem desta história é Leong Ka Wai (梁家偉), ou Ray Leong, o tal estagiário da revista Macau Concealers. Este é um interessante caso de conversão; com apenas 19 anos de idade, Ray Leong fez o ensino secundário na Escola Hou Kong, conhecida pela sua forte ligação ao Partido Comunista Chinês. Em Taiwan conheceu Scott Chiang, e juntou-se à associação que luta pelo fim das restrições no regresso de alunos de Macau em Taiwan. Aqui vêmo-lo ao lado de Sulu Sou a entregar uma petição a Lu Chang Shu, director da Delegação Económica e Cultural de Macau na cidade de Taipé, a 30 de Agosto de 2013. Um ano depois, é membro do Novo Macau, enquanto ainda estuda Ciência Política na Universidade de Soochow, na ilha nacionalista. Mais um a sair em breve da "cantera" dos democratas de Macau para a equipa principal.



Na secção de opinião do jornal Hoje Macau, Carlos Morais José pronuncia-se finalmente sobre a questão do referendo, e confesso que aguardava com alguma expectativa este editorial. A análise é um tanto ou quanto inclinada para a tese de que Pequim ordenou que se lidasse com o problema, além de que o Executivo de Macau "tentou resolver a questão num tom menor, mas não conseguiu", e termina com a ideia de que o Governo Central considera a questão de Macau "menor", uma vez que a situação em Hong Kong já o deixou numa posição difícil perante a imprensa internacional. Neste último ponto concordo plenamente: a "cara" da China ganhou tanta fuligem com o problema aqui ao lado, que este nem se nota. Se estes atropelos constantes aos direitos consagrados na Lei Básica e a manipulação do sistema jurídico de Macau "têm a benção" de Pequim, talvez, mas creio de cima a ordem tenha sido apenas "resolvam lá isso". Se "não pôde" é sinómino de "foi incapaz", então concordo. Quanto ao "misterioso jurista" que "deu um jeito" no artigo 5º da Lei da Protecção dos Dados Pessoais, e que pode ou não ser português, não o considero "brilhante" de todo. Longe disso.



Isabel Castro concorda que o Executivo não sabe lidar com esta crise. Não soube desde o início, hoje ficou evidente que nada aprendeu, e dificilmente sairá dali qualquer coisa de jeito. Quanto à parte de que o referendo "é um exercício de auscultação pública", que suponho que para a Isabel será legítimo, assino por baixo. Provocação? O que é isso? É daquela sexual, ou somos todos criancinhas de colo?



Também na edição de sexta-feira do Hoje Macau, vem uma entrevista com Isaac Tong, da Tri-Decade Union, uma daquelas associações de jovens que não sabe muito bem de onde vem e para onde vai. A entrevista com este indivíduo, que tal como o Executivo anda a sofrer da "febre do referendo", deu-me vontade de vomitar. Isaac Tong diz que a a sua associação de coitadinhos não tem dinheiro, coitadinha, diz que "é cedo para a reforma política", e para Macau adoptar o sufrágio universal à boleia de Hong Kong, "devido à iminente reeleição de Chui Sai On para Chefe do Executivo. Sobre o referendo defende que "é ilegal por causa do nome", os resultados falaciosos, pois "a maioria dos participantes são jovens, e não representam a sociedade de Macau, que a sua associação "nunca faria algo semelhante", e que a polícia "não tinha outra escolha" senão prender Jason Chao e Scott Chiang no Domingo passado.. Pelo meio perguntam-lhe se participou no referendo, o que é mesmo que perguntar se comeu merda, e diz que essa é "uma questão privada". O quê? Primeiro diz cobras e lagartos do referendo, e pelo meio deixa no ar a possibilidade de ter participado? Epá ó Isaac, que não é filho de Abraão mas é um bocadinho cabrãozinho, porque é que não penduras uma placa ao pescoço onde se leia "vende-se pela melhor oferta"? Não esperes é grande coisa.



E finalmente os números  do referendo civil referentes a 29 de Agosto, confirmando-se a tese de que se esgota esta fase, e realisticamente o total de participantes ficará pouco acima dos 8 mil - a não ser que os retardatários sejam muitos. Foram 257 os eleitores que deram a opinião esta sexta-feira, e entramos no fim-de-semana decisivo, com os resultados a serem anunciados no Domingo e na terça-feira.

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