Quem não morreu mas pede-nos que pensemos assim é Rui Veloso, o apregoado "pai do rock português" que anunciou há dias um tanto surpreendentemente que vai "pendurar a guitarra", e deixar a música. Nãããoooo...é por isso que tenho andado assim com uma sensação de vazio, como se tivesse morrido uma das ovelhas do presépio. Com 57 anos completos no último dia 30, e depois de mais de 20 anos a viver "à pala" do reportório mais ou menos decente que o celebrizou nos anos 80, Rui Veloso oficializa o fim da carreira - apenas oficializa, sim, uma vez que desde 1995 gravou apenas dois discos de originais. Deve ser um bocado aborrecido testar o público com qualquer coisa de novo durante os concertos e ao fim de dois minutos ouvir dos trintões e quarentões: "canta o anel de rubi!" ("A Paixão"), ou dos mais velhos ainda: canta o "Chico Fininho!". É frustrante, realmente.
Não tenho nada contra a pessoa nem sou fã do músico, longe disso. Não tenho por hábito gostar por gostar, porque "fica bem", ou "está na moda", mas para mim o canto do cisne do Rui Veloso foi "Mingos & Samurais", de 1990, e mesmo assim fiquei sem entender muito bom o que foi aquele "vendaval" no final do Verão desse ano. Sim, tinha "A Paixão", o "Não há estrelas no céu", que até as velhinhas e os bebés sabiam cantar, e vá lá, "A gente vai na digressão" tem um certo toque de génio, mas o resto? Subitamente andava toda a gente a cantarolar coisas como "Fui ao Baile da Paróquia/Lá prós lados de Valbom". Quando se perguntava a alguém onde era Valbom, respondiam "sei lá!" - a não ser que fosse lá para as bandas do Porto, onde diriam "Balbone? Sei munto beim, estibe lá inda àtrasado". Era um disco assim-assim, penso eu, que não o ouvi todo, nem comprei, nem gravei de ninguém, mas ouvia-se praticamente em toda à parte. Mesmo que fosse "muito bom", não justificava certamente que chegasse a disco de platina
antes de ser posto à venda, só à conta das encomendas.
Talvez isto se explique pelos quatro anos que demoraram até chegar o sucessor do álbum homónimo "Rui Veloso", de 1986, esse sim, o "magnum opus" da parceria Veloso/Carlos Tê, e um dos melhores registos da música portuguesa moderna. Ali estavam os elementos do "rock", do "pop", do "blues", e até da música de raíz tradicional portuguesa, letras vivaças e populistas, arranjos perfeitos e um alinhamento impecável. Todos se lembram certamente de "Porto Côvo", que colocou aquela pequena localidade alentejana da costa vicentina no mapa, ou "Porto Sentido", que se tornou numa espécie de hino oficial da invicta, mas havia ainda "O Negro do Rádio de Pilhas", um tema todo gingão, o bucólico "Beirã", os temas "É Triste Ser-se Crescido" e "Valsinha das Medalhas", numa nota mais rústica e populista, e ainda "África", que como o nome indica bebia da inspiração do continente que é a segunda casa no coração dos portugueses. Esse sim, um disco brilhante.
Do restante reportório é claro que o álbum de estreia "Ar de Rock" é uma referência, especialmente por ter marcado o início do "boom" do "rock" português, mas isso é visto como uma feliz coincidência, pois é errado pensar-se que não existia "rock" antes do disco que continha os clássicos "Chico Fininho", "Rapariguinha do Shopping" o ainda o encantador "Bairro do Orientre" (garanto que não estava a pensar neste tema quando dei o nome ao blogue, mas se hoje escreverem "Bairro do Oriente" em qualquer motor de busca, vem a minha "tasca" primeiro e só depois a canção do "Beloso", eh, eh). Depois teve um ou outro temas engraçados enquanto ainda era considerado um gosto "selectivo", e assim de repente lembro-me de "A Gente não lê" ou "Máquina Zero", mas nem sei se posso considerar o Rui Veloso um músico de "rock"; é um bocado "limpinho" demais para o espírito da coisa, e nem sequer tem uma voz por aí além. Anda mais pelos "blues" e isso, toca muito bem guitarra, e até chegou a acompanhar B.B. King num concerto deste em Portugal aqui há uns anos.
As razões que o levaram a desfazer a banda que o acampanhou nos últimos e com a qual esteve inclusivamente em Macau há dois meses e retirar-se dos palcos são curiosas (e ainda não se anunciou luto nacional nem bandeira a meia-haste). Rui Veloso diz que "tem havido um grande desrespeito pelos portugueses nos últimos trinta anos", e que pondera regressar um dia "quando houver mais compostura". Depois abriu o jogo e atacou os concursos televisivos de talentos, onde aqueles rapazotes e rapazotas que não querem ir trabalhar e juntar-se ao resto do rebanho sonham em ser como...bem, como o Rui Veloso. O cantor distancia-se destes seus candidatos a colegas, deixando no ar a frase "A música é para todos, mas nem todos são para a música". Ora aí está, e agora aqui o Dr. Freud em versão económica vai dar o diagnóstico: é birrinha do rapaz. Pois é, o Rui, o mundo vai mudando, evoluíndo, e a malta vai aprendendo uma coisas, e a isso chama-se "progresso". Se antes em terra de cegos quem tinha um olho era rei, agora que todos têm acesso a óculos e lentes de contacto, que tem um olho é simplesmente...zarolho.
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