sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Não faz mal, querida. E obrigado!


Ontem publiquei uma entrada no Facebook e outra semelhante no blogue sobre a minha (primeira) experiência com a tão badalada "Portuguese Bakery", aberta na terça-feira e vastamente divulgada na imprensa em português do território. Para mim isto foi uma notícia bestial: pão português, feito por portugueses, com ingredientes vindos de Portugal, e proprietários montijenses - é como as minhas preces (n.e.: eu não rezo) tivessem sido escutadas. O problema é que cheguei lá pouco depois das oito e a padaria estava fechada, e andei uns bons cinco minutos ali às voltas a coçar o melão e a pensar "como é possível que ao terceiro dia já não abre". Vimos em Macau episódios semelhantes com outras lojas, mas nunca a esta velocidade, e logo depois de tanto alarido.

Mas não, o que aconteceu, aparentemente, foi um "imprevisto", coisa normal de quando se começa um negócio. O azar foi apenas meu, paciência. E o mais espectacular é que tive a honra de obter uma satisfação da simpática proprietária, que reproduzo ali em cima o mais rapidamente que pude desde o momento em que dei nota (foi um dia cansativo de uma semana ainda mais cansativa). A Raquel, que assim demonstra a fibra de que são feitos os aldeanos, não só pede desculpa como ainda se oferece para me atender pessoalmente. Claro que adoraria trocar dois dedos de conversa com ela e o seu simpático noivo, igualmente meu conterrâneo, mas já fico feliz se provar finalmente o famoso pão. O que me irritou (e de manhã ando sempre irritado, e agora sou eu que peço desculpa por esse facto) não foi ter encontrado o local fechado, pois fica a cinco minutos de casa. O que me chateia é ter voltado, e ler de imediato na página do Facebook alguém a comentar que "chegaram agora e estão quentinhos", e no "status" dizer que estavam abertos. Pensei então tratar-se apenas de um atraso ligeiro, voltei à padaria, e...nada. Continuava fechada. Desta vez até bati à porta e tudo. Pensei então tratar-se de mais um daqueles casos de luso-porreirismo que tantas vezes acontece em Macau, em que as pessoas manifestam o seu apoio por um compatriota mais ousado que arrisque investir num negócio deste tipo sem saberem sequer que gostam.

Talvez a Raquel não tenha chegado à tempo suficiente para se aperceber deste fenómeno de "bemdicência" sem conhecimento de causa, mas era muito comum nos últimos tempos da administração portuguesa, quando era mais fácil para os portugueses investir em Macau. Eram restaurantes, cafés, pastelarias, e outras empresas não necessariamente dedicadas aos comes-e-bebes que abriam prometendo mundos e fundos, e fechavam pouco depois, muitos sem sequer terem feito história, ou ficado na memória. Isto porque mal fulano abria uma tasca, vinham os amigos dizer que ele era o maior, que lá se fazia o melhor não-sei-quê de Macau, e ai de quem falasse mal ou se atrevesse a dizer sequer "já comi melhor". Era um invejoso, um sacana, e levava com os habituais "então não vás, pensas que fazes lá falta?", ou "se calhar fazias tu melhor, queres ver?". Muitos destes iam lá uma vez ou duas fazer um "frete", depois nunca mais punham lá os pés, e passados alguns meses quando fechava a tasca lá vinha o espírito crítico de ocasião, como aqueles comentários que se ouvem nos funerais, só que aqui ao contrário. Dou o exemplo de um verídico: "eles não limpavam os pêlos dos chispes". Acho que se referiam aqui a chispes de porco, mas nunca se sabe.

Aconteceu também o mesmo com artistas, escritores e muitos outros aventureiros que pensaram que "hoje Macau, amanhã o mundo". Incentivados por amigos, associados e bem-querentes, inaugurava uma exposição, escrevia um livro ou gravava um disco, e eram só palmadinhas nas costas, loas e "alohas", e ai de quem se atrevesse a criticar. O problema é que identificando um mal - se ele existe - o artista procura corrigi-lo, e assim melhorar, e fica a ganhar. Dizer à sua frente que "é o maior" e nas costas dizer "coitado, mas é bom moço, deixa lá" vai fazê-lo sentir com um ego tão inflado que um dia já não aceita sequer que lhe digam que é "um dos melhores" - isto até dar com os cornos de frente no muro do real, alegoricamente falando. Se eu vou a um restaurante comer e tenho uma crítica ou um reparo a fazer, não aceito que me digam "faz tu melhor", eu respondo-lhe "vai à bardamerda, que nem lavagem para porcos sabes fazer" - se eu quisesse fazer melhor, tinha antes ficado em casa. E não estejam aí com "pois, pois, a gente acredita", pois se alguém me disser que o meu blogue "é uma merda", eu posso recomendar que não o leiam (e isso requer mais empenho pessoal do que ir comer a um restaurante), mas nunca "que façam melhor". Mesmo que façam, não leio.

A Raquel não tinha sequer que me dar qualquer justificação - estava fechado paciência, volte noutro dia se quiser. Fico comovido com a sua honestidade e humildade, e o facto de me ter explicado o sucedido deixa-me com a impressão que é uma pessoa séria, e que leva o que faz a sério. E bem precisa, que isto dos negócios, especialmente ligados à restauração e hotelaria, requerem trabalho duro até chegarem os primeiros ares de sucesso. Não chega montar a barraca, dizer "pronto, isto é meu e não preciso de fazer nada", e depois encostar-se à sombra de uma babaneira que foi apenas acabada de plantar. Mas não é bananas que espero da padaria da Raquel e do Sérgio, mas pão daquele que a malta morfava no Pintos da Estrada Nova. Vamos a isso? Então força, e até amanhã, com toda a certeza. Um grande abraço aldeano.

Sem comentários: