Chui Sai On foi reeleito Chefe do Executivo da RAEM, numa eleição realizada no Macau Dome onde era único candidato e recebeu 380 votos do total de 400 membros do Colégio Eleitoral. A eleição ficou marcada polémica realização do "referendo civil", nome dado a uma consulta popular realizada por algumas associações do campo da pró-democracia, e que visava recolher opiniões exactamente sobre o método de eleição do Chefe do Executivo. Isso fica para depois, e olhemos portanto para quem vai dirigir os destinos do território nos próximos cinco anos, até 2019. A expectativa era enorme há cinco anos, e volta a ser enorme agora, mas com carácter de urgência. Mais importante do que olhar para os cinco anos que temos pela frente, o que seria um exercício de futurologia, convém analisar antes o que ficou para trás.
O primeiro mandato de Chui Sai On fica marcado por uma espécie de hiato governativo, que não tendo sido exactamente intencional, acabou por surtir efeitos negativos. O III Chefe do Executivo teve o mérito de não ter cometido erros graves, mas isso foi ao mesmo tempo o seu maior defeito: parece ter havido primeiro hesitação, depois demora, e no fim adiamento - mais cinco anos para se fazer o que não feito nos cinco anteriores e o que vai ser preciso fazer até 2019. O Chefe agora eleito foi Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura no I e II Executivo da RAEM, ambos liderados por Edmund Ho, um líder consensual, que teve um desempenho praticamente imaculado durante o seu primeiro mandato, demonstrando uma capacidade de liderança extraordinária perante os desafios que uma região jovem com o ónus da inexperiência teve que enfrentar: primeiro a pneumonia atípica, ou SRAS, e depois a liberalização do sector do jogo. Ambos os desafios, o primeiro uma epidemia, e o outro um importante passo no futuro do território, que lhe poderia garantir, com a ajuda da R.P. China, uma confortável almofada financeira.
Reeleito sem oposição, Edmund Ho era tido como um "mestre" na arte de concretizar o segundo sistema idealizado por Deng Xiaoping para Hong Kong e Macau, mas os problemas começaram a surgir logo após o escândalo de corrupção envolvendo o Secretário para as Obras Públicas e Transportes, Ao Man Long, estávamos em Dezembro de 2006. O ano de 2007 foi extremamente complicado, com a popularidade do CE a descer vertiginosamente, e em Maio, no Dia do Trabalhador dava-se o primeiro sinal de alarme. Existia uma "sombra negra" sobre o Executivo, uma convicção de que Ao Man Long era o ponta do novelo de um esquema de enriquecimento ilícito muito maior. A chegada dos americanos pode ter gerado empregos, e a política de vistos individuais levava aos novo casinos do território os jogadores, mas a sociedade parecia cada vez mais desumanizada, presseguindo apenas o lucro, e a inflação começava a tornar-se um problema novo, pelo menos em dimensão. Talvez atentendo a esses dois aspectos, Edmund Ho junta-os e avança com uma política que chamou de "distribuição da riqueza", atribuindo a cada residente um cheque anual inicialmente no valor de cinco mil patacas, como "medida para aliviar os efeitos da inflação". A oferta foi bem recebida pela população em geral, mas pecava por falta de sustentabilidade - não resolvia os problemas essenciais. Feita esta fuga para frente, anunciada exactamente em vésperas de mais um Dia do Trabalhador, passou-se ao mercado imobiliário, e se o preço da habitação começava a tornar-se preocupante para quem não tinha casa própria, foi um "eldorado" para quem tinha mais que uma.
Chegamos a 2009, ano de eleições para a Assembleia Legislativa e para o Chefe do Executivo, que já não seria Edmund Ho. Apesar da política dos cheques ter tido continuação em 2008 e nesse ano, era visível que faltava cumprir algumas promessas constantemente adiadas. A habitação económica demorava a chegar ao mercado, "injectando" um número de fogos que travasse a especulação imobiliária, a necessidade de um segundo hospital público, identificada praticamente desde o início do primeiro mandato, era cada vez mais notória, e dentro da Administração existia uma cisão e um desgaste desde o caso Ao Man Long, com departamentos a "isolarem-se" e outros a encontrar problemas de comunicação, e muitos funcionários públicos iam saindo para os casino. Fechado em copas, o Executivo pensava no que fazer, enquanto cá fora avança-se com o nome de Ho Chio Meng para futuro Chefe do Executivo, o que poderia levar a uma mudança de um sistema mais centrado na economia para outro mais "administrativo", e teoricamente dando mais garantias do cumprimento escrupoloso das leis. É aí que se avança com o nome de Chui Sai On, que lentamente vai ganhando consenso, e acaba por ser esse o sucessor de Edmund Ho. Depois de dois anos terríveis para o II Executivo, podia ser que uma mudança de elenco dentro da continuidade fosse a solução. Houve quem levantasse dúvidas, pois Chui Sai On tinha sido durante dez anos responsável por uma tutela que ficou ligada à organização de eventos desportivos que deram origem à construção de infra-estruturas feitas sem muita atenção aos orçamentos, e a partir daí entraram para o anedotário local os famosos "orçamentos excedidos" - só nos Jogos da Ásia Oriental foram 162%.
Apesar de tudo, Chui Sai On seria eleito sem oposição, o que era considerado um tanto ou quanto estranho, atendendo à insatisfação, que ganharia força nas eleições de 2009 para a AL, onde os democratas conseguiam três mandatos e os operários dois, sendo as duas forças mais votas. O último acto de Edmund Ho como Chefe do Executivo foi a nomeação dos sete deputados da AL pela via indirecta, e seria com essa composição no hemiciclo que o novo CE teria que trabalhar. Inicialmente introduziram-se algumas novidades, com a criação da figura do porta-voz do Executivo, cargo de que Alexis Tam ficaria encarregado, e algumas alterações cirúrgicas. Primeiro para o lugar de Secretário da tutela que havia deixado vaga entrou Cheong U, vindo do CCAC, entrando o juíz Vasco Fong para Comissário no combate à corrupção - uma decisão estranha na altura, pois Vasco Fong teve uma actuação desastrosa um mês antes, como Comissário Eleitoral para as eleições da AL. Dos restantes secretários nada mudou, e a outra alteração teve a ver com o Instituto Cultural, que passou a ficar a cargo de Ung Vai Meng, uma mudança bem recebida (Heidi Ho aparentemente "eclipsou-se"). Esperava-se um pouco mais, e já então se falava na divisão de algumas pastas e a entrada de novos secretários, o que nunca chegou a acontecer, e seria mais tarde fácil perceber porquê.
Mesmo desde o início, quando gozou um "Estado de graça", era perceptível que Chui Sai On era menos pró-activo que o seu antecessor. Enquanto Edmund Ho era filho de Ho Yin, líder da comunidade chinesa desde o pós-guerra até aos anos 80, altura do seu falecimento, e o próprio Ho foi deputado na AL durante vários anos, Chui Sai On era filho do construtor Chui Tak Seng, próximo de Ho Yin e Ma Man Kei na Associação Comercial, mas o filho tinha pouca experiência nos meandros da política, e foi durante o período da transição director de uma escola secundária. Dos problemas que iam ficando por resolver, alguns acentuavam-se, e outros novos apareciam - ou passavam de incómodo a problema. Os primeiros tinham a ver com a inflação e sobretudo com o imobiliário, e ficou famosa a declaração do CE de que "o governo não deve interferir no mercado" - leitura algo esquisita, pois o que se pedia realmente era um papel moderador. A habitação económica e social, uma promessa antiga, foi finalmente concretizada, mas timidamente e sem efeitos na especulação. O trânsito passou a ser outra dor de cabeça, com a recém-criada DSAT a tornar-se rapidamente o departamento mais inapto da Administração, e o serviço de táxis passou a ser controlado por uma espécie de máfia, que deixou a população apeada, ou dependendo do serviço de autocarros. Aí também se deu uma "bronca", com a Reolian, uma nova concessionária que muitos consideraram "desnecessária" a iniciar as operações em 2009 e a falir pouco mais de três anos depois. Alexis Tam e Ung Vai Meng desiludiam, deu-se o caso das campas, e a partir daí os dois anos finais de Chui Sai On seriam de pesadelo.
A partir de 2012 passou a ser evidente que Chui Sai On não enfrentava de frente os problemas, e se no início isto parecia algum laxismo, um "não mexer para não estragar", isso começou a ficar menos claro à medida que o sector empresarial ia ganhando mais força. Nas eleições para a AL em 2013 o eleitorado parece dar um sinal a esse sector de que confiava no estímulo da Economia como solução para os problemas, e para ajudar nomeia sete deputados todos com ligações aos grandes grupos económicos do território, e ficava-se com uma força de bloqueio reduzida a 4 deputados de fora do sector empresarial. Isto não só não ajudou a resolver nada, como ainda complicou mais as coisas. Julgando ter juntado o controlo da economia ao da sociedade, os empresários ganham "asas", e o inconstante Fong Chi Keong
dá uma entrevista em Outubro assumindo que os residentes de Macau estavam nas suas mãos. Chegados a 2014, ano de eleições, e na nomenclatura tudo parecia preparado para reeleger Chui Sai On em Setembro, quando surge o maior de todos os problemas: o problema político. Em Fevereiro, logo aqui ao lado em Hong Kong, os democratas ameaçam paralisar a cidade com o movimento "Occupy Central", e aqui em Macau iam ganhando força depois da derrota eleitoral seis meses antes, e aguardavam mais um deslize do Executivo. O deslize aconteceu em Maio, e depois foi o que se sabe. Falou-se de "perda de confiança" da parte de Pequim, na possibilidade de "outro candidato", mas nos bastidores tudo parece ter ficado resolvido, e hoje Chui Sai On ganha mais cinco anos.
É evidente que toda a gente quer que Chui Sai On faça um bom trabalho, mas sobretudo que o faça, e bem ou mal logo se vê. Os acontecimentos dos últimos três meses deixaram muitas feridas abertas, nomeadamente a dificuldade da nomenclatura em lidar com as crises, e a forma arcaica como ainda afasta o diálogo com a oposição, tabelando todos pelo mesmo: são subversivos e a soldo de potências estrangeiras. Esta concepção serviria que nem uma luva caso os problemas da população fossem atendidos, mas não sendo fica difícil ignorar outras vozes, quando as vozes de comando não se ouvem. A última fase do primeiro mandato de Chui Sai On revelou o seu pouco à vontade com a confrontação, não se sabe muito bem o que pensa para lá dos discursos oficiais, não contacta com a população, e mesmo durante a sua campanha pareceu desfazado da realidade, sempre debaixo da asa do seu mandatário Vong Hin Fai, deixando inclusivamente escapar uma expressão de admiração pela quantidade de gente que encontrava nas ruas. Uma vez que do seu programa não consta nada de concreto sobre a reforma política, manteve o mesmo elenco por "falta de alternativas" (leia-se "alternativas de confiança"), e tudo o que de materializável se pode encontrar ali é mais habitação económica, dou-lhe uma sugestão: oiça David Chow. De todos os conselhos que ouviu o dele (coreografado ou não) foi de longe o melhor. Os olhos vão estar todos postos em si, e vai ser necessário um "tour de force" para levar a cabo tudo o que ficou por favor. E já agora boa sorte, que também vai ser preciso.
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