Quem é ou já foi parte activa do intercâmbio secular entre Portugal e a China, ou seja, viveu em ambos os lados da harmoniosa confraternização luso-chinesa, etc., etc., etc., tem noção das diferenças entre a cozinha chinesa confecionada na China e a versão que é servida nos restaurantes chineses em Portugal. Os chineses de Macau ou os macaenses, nascidos no território e habituados à cozinha cantonense, feita ao estilo local e com ingredientes locais, sentem um "choque gastronómico" quando provam pela primeira vez a comida dos restaurantes chineses em Portugal. Isto por duas razões: primeiro porque a maioria destes restaurantes são propriedade de empresários oriundos de Zhejiang, que oferecem uma versão da comida chinesa mais próxima de Xangai do que de Cantão, e segundo porque o próprio estilo em que é confecionada procura adaptar-se mais ao paladar ocidental - afinal estamos a falar de um negócio, e nem sempre ser genuino dá muito jeito. Contudo admitem que a frescura dos ingredientes confere um sabor especial aos pratos, e mesmo que não estejam exactamente ao seu gosto, consideram-no "comestível". Não lhe chamam exactamente "comida chinesa", pois não é aquela a que estão habituados, mas tratam a experiência como "diferente".
Já no caso dos portugueses, comida chinesa é sempre comida chinesa, desde que "seja arroz" e que "se coma com pauzinhos". De facto como podemos ver na descrição em cima, "a comida sólida é degustada com pauzinhos chineses". Para os líquidos os chineses usam um colher, como nós, e na eventualidade de precisarem de cortar um bife, utilizam uma faca. Quem vem viver para Macau tem dois tipos de reacção com a comida chinesa local: ou rejeita, ou aceita, mas para aceitar tem que esquecer tudo o que aprendeu sobre os restaurantes chineses em Portugal. Para se gostar da cozinha cantonense é preciso primeiro largar alguns preconceitos, como o de que os chineses comem "coisas esquisitas", por exemplo, e aquela mania de ver um prato que é evidentemente identificável como sendo galinha ou peixe e perguntar "o que é isto", como se lhes estivessem a oferecer caudas de salamandra ou coxinhas de tucano. Outra mania que não contribui nada para a adaptação (e convém sempre adaptarmo-nos à comida do local para onde vamos viver) é a do higienismo, aquela ideia feita de que os chineses cozinham com os pés ou deitam a caspa para dentro do "wok" (é uma frigideira, pá). Aqui não temos ASAE - se bem que deviamos ter - mas ainda ninguém morreu. Recorrendo novamente à imagem, "a comida chinesa, quando autêntica, é uma das mais saudáveis do mundo. De regresso a Portugal, de férias com carácter definitivo, convém não se armar aos cucos e entrar pelos restaurantes chineses a pedir comida que se come habitualmente em Macau, e ainda tentar dar uma de inteligente e desatar a falar cantonense com os empregados: eles não entendem, e não é porque estão a ser parvos ou desagradáveis. Para eles vocês estão a falar grego.
Mas eis que agora em Lisboa (e também já no Porto) chega o melhor dos dois mundos: o Grande Palácio Restaurante Hong Kong, que oferece um menu inteiramente composto das mais refinadas iguarias da gastronomia do sul da China, e com a garantia de qualidade dos ingredientes portugueses: os nossos vegetais mais viçosos, a nossas galinhas mais gordas, as fiáveis vacas dos campos lusitanos, os porcos das nossas pocilgas...uh...lusitanas, hmm, e o peixe e o marisco saltitando directamente da nossa vasta costa, não daqueles aquários insalúbres onde crescem aqui em Macau, nunca chegando a adquirir aquele sabor a mar. Assim, a "harmonia dos diferentes sabores e texturas" que caracteriza a comida "cantonesa" ganha uma nova dimensão - passa-se da simples harmonia a um nirvana completo. É lógico que não me posso pronunciar sobre a qualidade da comida, ou se é rigorosamente fiel à cozinha cantonense, mas duas ou três pessoas residentes em Macau que já lá fora dizem que é realmente bom. E quem sou eu para duvidar? Portanto boas notícias para os naturais de Macau a residir em Portugal, que mesmo não se queixando da oferta em termos de gastronomia, podem agora "matar" saudades de casa. E os próprios chineses da região de Cantão ou mesmo os "oumunyan" podem achar interessante esta experiência: a comida que tão bem conhecem com um toque mediterrânico.
O próprio nome do local é adoravelmente "kitch", e evita o pretenciosismo dos nomes que habitualmente se dão aos restaurantes chineses em Portugal, tipo "kung fu", "chao chao" ou "fu manchu". Grande Palácio Restaurante Hong Kong, assim, gramaticamente misturado como uma boa sopa de fitas, e em chinês 皇上皇海鮮樓, que é um nome completamente diferente - não tem palácio, não tem Hong Kong, e não precisa de dizer que é chinês, pois está implícito. Este 皇 é o caracter para "imperador", enquanto 上 significa "acima", e depois temos outra vez o 皇, o imperador. A ideia de 皇上皇 é portanto "imperador dos imperadores", ou para facilitar, "rei dos reis". Bestial. Depois tempos 海鮮, que significa "marisco"; decompondo isto para se entender melhor, 海 quer dizer "mar", e 鮮 é "fresco" - "fresco do mar" só pode ser, portanto, marisco. Finalmente 樓 quer dizer "edifício", ou também se pode traduzir para "casa". Portanto 海鮮樓 será "marisqueira". Uma tradução fiel do nome do restaurante seria "Casa de Marisco Rei dos Reis", o que temos que reconhecer, soa um pouco estranho. Lembra um "rei dos frangos" qualquer, só que na versão frutos do mar. E não é só marisco que se serve no Grande Palácio Restaurante Hong Kong. Vamos portanto ao que interessa, e ver o que há ali que se coma.
E comecemos pelo princípio, como diz o outro. O "dim sum"(點心) como a imagem diz e bem, significa "tocar o coração". São os aperitivos, as pequenas chinesices, o jogo da sedução antes do acto físico do amor propriamente dito. E sim, são os pastéizinhos, os bolinhos, os pãezinhos e outros "inhos" que se comem com uma dentada, e dentro deles encontramos uma verdadeira arca de Noé dos sabores. O "dim sum" pode tanto servir de aperitivo, como refeição completa, e os chineses gostam de começar o dia com pastéizinhos, bolinhos e pãezinhos, ocorrendo aos restaurantes da especialidade logo pela manhã, ao pequeno-almoço. Serve-se acompanhado de chá, já agora.
E vamos ver que "dim sum" toca no coração de quem vai comer ao Grande Palácio Restaurante Hong Kong. A este pontava gostava de chamar a atenção para alguns erros de português e traduções um pouco forçadas nos nomes dos pratos das variadas ementas, mas não liguem a isso - vêm para comer ou para ler? Assim temos desde o famoso "char siu pau", aqui chamado de "Pão chinês com carne de porco assado", e apesar da concordância não concordar, concordarão que se trata de uma iguaria diferente. A carne de porco conhecida por "char siu" é assada com mel (ou "melo", como vemos no penúltimo prato em baixo), e depois colocada no interior de um pão que é cozido a vapor - não em forno de lenha, mas a vapor, daí o aspecto a "não-pão", mas garanto que é mesmo pão. Aquilo que chamam de "ravióis" é o que conhecemos aqui por "van tan", ou em inglês, "dumplings", que são uma espécie de (desculpem mas sempre pensei isto) preservativo com recheio de carne, vegetais ou marisco. É uma massa fina cujo interior revela os tais "diferentes sabores e misturas". É uma arte, sabiam? Sim, aquilo ali no meio são línguas de pato, ou seja, a língua da ave que faz quá-quá, e não um nome que os chineses deram a outra coisa qualquer. Sei que é algo a que os portugueses não estão especialmente habituados, mas garanto que é uma delícia. Finalmente para quem não sabe o que são as "folhas de lodão" onde vem enrolado o arroz com galinha, o lodão é uma árvore que também conhecemos por "ginginha-do-rei", e cujas folhas têm propriedades medicinais - coisas que a malta do campo entende. Esta especialidade é normalmente consumida durante o Festival do Barco Dragão, em inícios de Junho, mas claro que não é o mesmo que Bolo Rei, e pode-se comer quando se apetecer, todo o ano.
Passemos então ao "arroz, massas e rolos". Arroz e massa é aquilo que se espera encontrar quando vamos a um restaurante chinês, e para quem não gosta de arriscar, pode sempre ficar-se pelo seu "arroz chao-chao", aqui ao estilo de Yangzhou. O prato chamado "massa de arroz de Singapura", que aqui conhecemos por "seng chau mai", é uma coisa curiosa. Para já "massa de arroz" é a tradução que se pode arranjar para "mai" ou "siu mai", que é uma massa mais fina, feita com farinha de arroz, mas não é arroz, se é que me entendem. Em Singapura não existe este prato. É uma daquelas combinações da autoria de marinheiros e afins, que traziam especiarias das Indias, e o ingrediente secreto aqui, se o quisermos chamar assim, é o caril, e o prato ganha um ligeiro travo picante. Vem normalmente com finas fatias de carne de porco. Os rolos têm uma aparência que pode dividir opiniões (para mim parece papel higiénico molhado com qualquer coisa enrolada lá dentro), mas garanto que são uma delícia. São um pouco esguios quando se vão apanhar com os pauzinhos, pelo que convém parti-los em dois antes de os retirar para o prato. Recomendo que usem e abusem do molho que acompanha esta especialidade, que também é comum encontrar entre os "dim-sum".
E por falar em carne, que é algo que para nós portugueses tem muita saída, passemos aos pratos de carne. Mais uma vez ignorem os pontapés no português, como "entrameada" ou "pimeto" e concentrem-se no essencial. Aqui temos entre os pratos que poderão causar mais estranheza o "Inhame com carne de porco assado". O inhame é um tubérculo semelhante à batata doce, mas de uma cor roxa intensa e uma textura mais suave, bem como um sabor mais "vegetal". Quanto aos molhos que possam parecer dirimentes de uma nova experiência para o paladar, o molho de ostra, que tem um aspecto semelhante a lama, é uma delícia, melhor que molho de soja, que é basicamente água preta com sal. O molho Shacha não é nenhuma poção mágica das bruxas nem o Jindu uma raíz afrodisíaca de Moçambique; Shacha é uma cidade da província de Fujian, e Jindu uma localidade próxima de Zhaoqing, na província de Cantão, e estes molhos são originários destes locais. O porco agridoce é um prato originalmente de Xangai, mas que se popularizou em toda a China, com cada região a conferir-lhe o seu toque especial. É um pouco como o que vamos ver a seguir.
E eis o Pato à Pequim, célebre em toda a China. Este pato é assado inteiro, com cabeça e tudo, e a sua pele fica estaladiça ao ponto de ser comida aos pedaços tão facilmente como uma batata frita. O Grande Palácio Restaurante Hong Kong garante que "é o próprio chef carving o bocadado na mesa", e isto traduzido do "pretoguês" quer dizer que o mestre-cuca vai à vossa mesa cortar as fatias da pele do pato para vocês, seus sortudos. Como se o homem não tivesse mais que fazer, sinceramente, só faltava dar-vos a papinha à boquinha e ainda limpar com o babete. Para os que têm aquelas alergias mariconças e acham isto é "crueldade contra os animais" e não sei que mais, recomendo que fiquem antes em casa e façam uma sandes de alface. Ou em alternativa...
Podem optar pelo marisco, peixe ou vegetais, que são seres que não sentem dor (pfff...). Assim têm "carangueijo", gambas, quer das normais, quer das "borboleta" (?), lagosta e a sua irmã mais nova, a "lagostita", peixe-peixe, chocos, lulas, etcetera (recomendo este último). Quanto aos pratos vegetarianos, penso que não é necessário explicar que "dao fu" é proteína de soja, uma espécie de pudim com consistência de mioleira, e há também beringela, que é um vegetal que não comemos muito em Portugal mas aqui é bastante apreciado. Nos pratos de vegetais cozidos pode ser que encontrem coisas que não estão habituados a ver, como raíz de lótus ou certos tipos de cogumelos, mas são vegetais na mesma, pá. Não mordem. Deixem de ser básicos e aprendam qualquer coisa.
Quem mesmo assim tem medo de arriscar e pensa que se pode safar apenas com uma sopa (ou então pede um bitoque, como também já assisti num restaurante chinês no Montijo), não pense que vai encontrar coisas do tipo Caldo Verde, Sopa Juliana ou Sopa de Feijão com Massa. Os chineses preferem os caldos, que por vezes deixam a cozer durante horas com legumes, carne, ervas, raízes disto e daquilo e outras coisas de que desconhecemos o nome, e assim extraem para a água as propriedades alegadamente nutritivas e medicinais. Aqui não se vai tão longe, mas podemos encontrar a controversa sopa de barbatana de tubarão, isso sim, uma crueldade que fazem a esse bichinho tão simpático. Se insistir em ser cúmplice deste crime, certifique-se que se trata mesmo de barbatana de tubarão, pois esta é composta sobretudo de cartilagens, e não tem nenhum sabor característico que a distinga. O sabor da sopa é dado pelo caldo de galinha, e por vezes usa-se uma espécie de massa transparente e fina que imita a barbatana propriamente dita. O preço é normalmente a melhor forma de saber se é mesmo barbatana de tubarão - se a sopa for barata, não é. Mesmo assim arrisca-se a ser enganado.
Agora temos aquilo que o Grande Palácio Restaurante Hong Kong considera as suas "especialidades". Mais uma vez "Hainan" não é nenhuma coisa esquisita, mas uma ilha do sul da China, e arroz glutinoso é uma espécie de arroz pegajoso normalmente usado em sobremesas, mas aqui é guarnecido com gambas. Dos pratos mais "exóticos" que requerem mais atrevimento, há o melão amargo, que aqui conhecemos por "fu kwa", uma espécie de abóbora que como o nome indica tem um sabor acre, e quando é cozido tem um cheiro repugnante. Não tão repugnante como o "durian", aqui a servir de aroma para uns "bolinhos". Não se deixem intimidar por este "inho", pois o durian é aquela fruta espinhosa que cheira a merda de gato quando é aberta e sabe a peidos. Não recomendo, mas se quiserem provar, façam muito gosto.
E finalmente, o que há para a sobremesa, Teresa? Bem, confesso que não sou um grande adepto de sobremesas chinesas, algumas bastante oleosas, como é o caso daquelas panquecas e bolos fritos que vemos lá em cima. Quanto ao misterioso "bolo de milhopainiço", suponho ser aquela espécie de pudim de coco com pedaços de milho que encontramos em alguns restaurantes e cafés um pouco por aí em Macau. Se me perguntassem qual destas sobremesas recomendaria, ia para o "mango sago pomelo", aquela "sopa" ao lado do "milhopainiço". Parece estranho mas não é; "mango" é obviamente "manga", "sago" são umas bolinhas de massa extraídas da polpa de uma árvore muito comum na Ásia Oriental, e pomelo é...bem, é isto:
Esclarecidos? É uma laranja revista e aumentada, não tão sumarenta e com uns caroços que parecem unhas de crocodilo. Não é mau.
E agora a pergunta sacramental: onde encontrar um Grande Palácio Restaurante Hong Kong? Portanto temos dois em Lisboa, um perto do Marquês de Pombal e outro na Praça do Chile - têm ali um mapinha para ajudar e tudo. No Porto encontramos o Grande Palácio Restaurante Hong Kong (lá mais conhecido por "grônde palôcio ristórante hongue kongue") na Rua Gonçalo Cristóvão, nº 152. Quem quiser almoçar, o horário no Porto é do meio-dia às três da tarde, e para quem preferir jantarm ou até cear, apareça entre as seis da tarde e a meia-noite e meia (não convém chegar por volta da meia-noite, ou arrisca-se a não ser servido). Em Lisboa está aberto todo o dia, desde o meio-dia até à uma da manhã. Há ementas especiais para grupos grandes e organizam-se festas, casamentos e baptizados, aquilo que quiser. Agora deixo-vos com uma simpática mensagem dos responsáveis pelo Grande Palácio Restaurante Hong Kong:
Entenderam? E então, do que estão à espera?
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