Macau, 31 de Agosto de 2014, data da eleição do IV Chefe do Executivo da RAEM. No recinto construído para acolher os Jogos da Ásia Oriental estavam os (quase) 400 elementos que compõem o Colégio Eleitoral que escolhe o dirigente máximo da RAEM para os próximos cinco anos. Enquanto isso um grupo de democratas pertencentes a três associações (uma por todas, todas por uma, sendo impossível determinar quem é de onde) protestavam em frente ao palácio do Governo contra aquilo que consideram "perseguição por motivos políticos). Os pró-democratas organizaram durante a última semana o que ficou conhecido por "referendo oficial", uma espécie de consulta pública com vista a saber a opinião da população sobre o método de escolha do Chefe do Executivo. O referendo tinha duas perguntas, e hoje a organização prometia divulgar o resultado da primeira, bem como os números da participação. Não sendo uma iniciativa ilegal, pois não se encotra prevista na legislação a modalidade de "referendo", coincidia com a eleição do CE propriamente dita, durante as últimas semanas a nomenclatura tentou de tudo para dissuadir os organizadores, desencorajar a população, e já com o referendo em marcha fazer uma "marcação cerrada" aos democratas. Neste protesto simbólico faltou Jason Chao, o promotor do referendo, detido no último Domingo e apresentado ao Ministério Público na manhã seguinte, onde seria indiciado do crime de "desobediência qualificada". Jason Chao seria libertado de seguida com termo de identidade e residência, e não é visto desde quarta-feira. Bill Chou, que liderou o grupo durante as actividades do dia de hoje, diz que o promotor "está a descansar num local seguro", e contou ainda que as autoridades tentaram em vão retirar-lhe os dados dos participantes do referendo, e esses dados foram agora destruídos.
E estes são os primeiros resultados do referendo civil. O total cumulativo de participantes foi de 8688, divididos pelos sectores etários de maiores de 18 anos e maiores de 16. À pergunta "Deverá o Chefe do Executivo ser eleito por sufrágio directo em 2019" responderam que "Sim" 8259 participantes, que "Não" 231, abstiveram-se 189 e outros 9 não responderam à pergunta. Uma vitória esmagadora do "Sim", mas como é possível verificar, o "Não" era uma das opções, ao contrário do que davam a entender os opositores ao referendo.
Duas actividades de protesto levadas a cabo pelos democratas durante a hora de eleição, ambas repletas de significado "simbológico". Em cima, na Ruínas de S. Paulo "chutava-se" a bola do actual método de eleição do Chefe do Executivo, e junto ao Macao Dome, onde Chui Sai On se preparava para ser reeleitos, realizou-se um "Fu Hang Chong" (苦行中) uma cerimónia religiosa chinesa semelhante ao nosso "pagamento de promessas", e reservado a pessoas que "estão a sofrer bastante". Bill Chou diz ter sido uma manobra arriscado levar a cerimónia até perto do Dome, e temia ser detido. Mas hoje o momento era solene, e não houve qualquer detenção.
Enquanto cá fora se "pagavam promessas", no Dome processava-se a eleição do Chefe do Executivo, e há alguns episódios caricatos que gostaria de deixar registados. Dos 400 votos possíveis, Chui Sai On recebeu 380, ou seja, 92% do total. Dos restantes 20 há 14 que se explicam (um deles mais ou menos), e 6 que não consigo entender. Contaram-se 13 votos em branco, o que era apresentado como a única alternativa a votar em Chui Sai On, 3 votos nulos, e 4 membros do Colégio Eleitoral que simplesmente não apareceram. Falta justificada para José Pereira Coutinho como "forma de protesto" pelo método eleitoral, que "não representa a vontade da maioria da população de Macau". Interessante que Coutinho aderido recentemente à causa do sufrágio universal, fica-lhe bem mesmo que não partilhe do sentimento, mas ficava-lhe melhor se tivesse simplesmente recusado o "convite" quando foram eleitos os 21 deputados que fariam parte do Colégio Eleitoral. Quanto aos três nulos e aos restantes três ausentes, não dá para entender, mesmo. Depois de tanto barulho, e do evidente sentimento de desconforto que pairava no ar, a população de Macau é representada na eleição do Chefe do Executivo por três criaturas que não sabem votar, e outras três que se estão nas tintas. Lamentável. Outros dois momentos caricatos: a leitura dos votos, com o nome de Chui Sai On a ser lido...380 vezes. No fim a presidente da Comissão Eleitoral, Song Man Lei, anuncia solenemente o nome do vencedor. Adivinhem quem foi? Pois. Procurei obter algumas reacções, especialmente à primeira "curiosidade", e a maioria das respostas desta minha "consulta" foram: "palhaçada". De facto o processo podia e devia ter sido simplificado. No Telejornal registei ainda as afirmações de Carlos Marreiros, que entra para a galeria dos "cromos" desta novela. O arquitecto disse que "Chui Sai On venceu com mais votos que há quatro anos, o que significa que tem o apoio incondicional da população". Não, não riam, isto é muito triste. Um minuto de silêncio, se faz favor.
E agora a sobremesa. Quem gostou de ouvir 380 vezes o nome do novo que é mesmo Chefe do Executivo (assim de certeza que não se esquece) é o director do Jornal Tribuna de Macau, José Rocha Dinis, que é a única pessoa que conheço que tenta sempre exceder-se na sua função. Qual? Ahh...hmm...esta, pronto. Ora bem, JRD começa por congratular o Dr. Fernando pela vitória, passando depois a apresentar o vencedor, numa pequena nota introdutória, e assim ficamos a saber quem é. Obrigado. A seguir fala da transparência com que decorreu a eleição, dentro da legalidade, como na lei, e tal, presidido...ahhh..desculpem foi só um bocejo. Não interessa, adiante. Depois comenta os resultados, manda uma "boca" a Pereira Coutinho e passa ao referendo civil. Perdão, o auto-denominado referendo civil, que para ele é um "inquérito online", que ainda por cima foi sem preservativo: não houve controlo em nenhuma das fases. Que chatice. Aí também apresentou os números, perdão, aos auto-intitulados números, e conclui dizendo que "há quem ache que abriram a porta a uma nova vivência democrática". Não sei quem disse isso mas sei duas coisas: 1) o director do JTM foi quem mais falou do referendo civil, de entre todos os media portugueses, e 2) A previsão dos 98% falhou, pois o "Sim" ganhou com 95%, e limpinhos, limpinhos foram os 92% de Chui Sai On no Macau Dome. Como era o mesmo o título do editorial no outro dia? Ah, já me lembro: "Falta de unânimidade é útil para Macau". Rocha Dinis termina com um incentivo ao Chefe do Executivo, dizendo que há muito por fazer, e que é dele que "se esperam as respostas". Bem, se não for ele, pode ser que seja o Vong Hin Fai a responder, não?
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