sábado, 16 de agosto de 2014

Um pequeno T1 (onde podemos viver os seis)


Uma das notícias da semana que passou foi a atribuição de mais habitação económica a famílias que, coitadinhas, não podem pagar meia dúzia de milhões por uma casca de noz. Os forretas. Mas como é que isto é notícia não sendo esta a primeira vez que o nosso generoso Executivo distribui casas come se tivessem a fazer-lhes comichão no património, que como se sabe é imenso, e para prevenir que as divisas sejam levadas na enxurrada de um tsunami (nunca se sabe) grande parte está deposita nas Ilhas Virgens Britânicas? É notícia apenas porque andaram aí umas más línguas a dar conta de que uma família adquiriu pela módica quantia de 600 mil patacas (quase dado portanto; quem não tem 600 mil patacas no bolso neste preciso momento?) um belo apartamento em Seac Pai Van, no lindíssimo Edifício Ying Heng, localizado na idílica ilha de Coloane. Este projecto que os nossos dirigentes construíram com as próprias mãos (metaforicamente falado), colando com o suor do rosto cada tijolo (outra vez, metaforicamente) permitiu que os cidadãos mais pobrezinhos, que só têm 500 mil patacas, nem sei como conseguem comer, valha-me Deus, tivessem um tecto! Vejam como é linda a obra do nosso Executivo, além de mui pia e santa:


Estão a ver como é linda? E cor-de-rosinha? Ou roxa, não interessa, pois é para viver por dentro e não para olhar de fora. Reparem ainda na conveniência da paragem de autocarro mesmo em frente à porta. Espectáculo. E não é tudo: a paragem tem uma cobertura, e se forem perspicazes notam que o chão está molhado, o que significa que está ou esteve a chover (ou rebentou uma conduta, mas digamos que é chuva). O nosso Executivo pensa em tudo. Ora bem, essas aves de mau agoiro, que nunca estão contentes com aquilo que o Governo oferece à população, e não lhes pede mais nada que umas meras 600 mil patacas, anunciaram que esse apartamento é um T1 de 30 e poucos metros quadrados, e a família em questão tem seis elementos. Já é grave que não aplaudam o esforço do Governo da RAEM em garantir aos seus cidadãos o direito básico à habitação, como ainda mentem, e mentem descaradamente: a família é composta por um casal, uma criança e uma idosa, e há ainda dois jovens que se encontram a estudar na China continental, e só ocasionalmente vão ocupar o T1, onde durante a maior parte do ano os restantes quatro elementos do agregado vão viver à larga. Ele há gente mesmo muito mesquinha.


Menos sorte tiveram os vizinhos do empreendimento que vemos em cima na imagem, o "One Oasis", também em Seac Pai Van, que dispensaram valores na ordem dos sete ou oito milhões de patacas por uma fracção. Parece muito, mas e se eu vos disser que esta empreitada foi construída sobre as ruínas do Parque Industrial da Concórdia, onde um dia o homo macaensis ergeu um elaborado antepassado das actuais fábricas, com vista a diversificar a sua economia de subsistência, e que nunca chegou a usar. Quem quer viver em locais com peso histórico tem que pagar por isso, meus amigos. É a lei do mercado. Sim, já sei que no "One Oasis" não há T1s mas largos apartamentos com mais de 100 metros quadrados, mas que diferença faz o tamanho. Afinal aqui a ideia é dotar a população de habitação própria ou esticar uma rede no meio da sala para jogar ténis? E reparem na frieza das cores, que contrasta com a alegria do rosa ou do roxo ou lá o que é do Ying Heng. E aqueles acessos terríveis, com árvores frondosas no caminho, e ainda existe o perigo de saltar de lá um macaco e morder os moradores. Um obstáculo para quem quer chegar a casa depois de um dia de trabalho, e que ainda por cima não encontra o mesmo calor humano de um T1, precisando de dar pelo menos dez passos desde a porta da rua até à cozinha para beijar a esposa.

A imagem desta simpática e unida família, que não se importa de partilhar e gosta de ficar juntinha, aconchegada, quase abraçada, foi manipulada de forma execrável pelos sabotadores que querem dar a entender que a esperança da maioria dos residentes de Macau vir a adquirir habitação própria com o mínimo de qualidade ficou enterrada de vez enterrada no lodo. Mais uma vez isto soa ao assobio produzido pela língua viperina destes escroques: não é lodo, é lama! E da boa também, daquela que se diz ter qualidades terapêuticas quando aplicada na pele. E depois existe uma razão para que estes cidadãos possam festejar com água estagnada dos vasos, ao ponto da concentração de metanol produzir uma efeverscência semelhante à do champanhe. Os sortudos contemplados com aquela pechincha de 600 mil patacas, que há dez anos só lhes daria para comprar um apartamento no Edifício Nam San, da Taipa, e ainda com mais uns trocos compravam um estacionamento, mudaram para melhor. Reparem nas condições miseráveis onde viviam até há pouco tempo.


Como podem ver, a...esperem lá, não era assim tão mau. Peço desculpa, esta não é a imagem. Trata-se de uma pequena falha técnica. Lá vai então a antiga moradia destes novos locatários do Ying Heng, novinho em folha e prontinho a estrear.


E tudo fica bem quando mudamos para melhor, pois afinal...epá! Que m... é esta? Importam-se de colocar a imagem certa, ó c...?


Ah finalmente. Certo, era aqui, no Edifício D. Julieta Nobre de Carvalho que residia esta família de 4+2 - não "seis", como referiu a escória de onde não sai nada de construtivo. Não se deixem enganar pelo que aparenta serem aparelhos de ar-condicionado, um luxo a que nem todos têm acesso. Imaginem que habitavam neste espaço decadente, e tinham que partilhar a única casa-de-banho existente em cada um dos andares com seis ou sete pessoas, e agora já podem ter a vossa própria privacidade, que partilham apenas com...uh...olha pelo menos são da mesma família, qual é o problema?

É isto, minha gente. Os pelintras pedem, o Governo constrói, o Instituto de Habitação entrega a chave. O Executivo cumpre com as suas promessas, e não vale a pena apontar para datas, atrasos, e vejam só que até dizem que uma fatia daquela beijoca ali no topo deste artigo não vale um pacote de amendoins, quanto mais 600 mil patacas. Não vão em demagogias e megalomanias. O que estes tipos vão estão a fazer é um misto de hiptonismo com violação em série, culminando com um "happy ending" nas vossas ventas. O que eles querem dizer com este "uma vergonha que uma família de seis tenha que viver num T1 e ainda pagar 600 mil patacas" é na verdade "votem no referendo civil dos dias 24 e 30". Já lá vai o tempo em que engavam alguém estes tansos.

Toca a levar isto a sério, vá lá, que para realizar esta promessa o Executivo foi obrigado a dispensar um lote de terreno onde poderia ter construído habitação de luxo, ou quem sabe uma marina. E isto saíu do bolso de alguém, sabiam? Pensem nisso quando para o ano estiverem a mamar no chequezinho da compensação pecuniária, e se for de dez mil patacas em vez das nove mil deste ano, considerem-se com sorte. E aí pensem de onde vem o dinheiro, que não é caído do céu, disso podem ter a certeza.

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