sábado, 21 de setembro de 2013

Francisco em entrevista


O Papa Francisco, esse pândego, deu uma entrevista à revista italiana "La Civilta Cattolica", uma publicação de orientação jesuíta, e como não podia deixar de ser, foi notícia pelas suas declarações que destoam dos seus antecessores, sempre mais fechados e tradicionais. Francisco falou dos seus gostos pessoais, diz que ouve Mozart, é adorador de Caravaggio e elege o russo Dostoevsky como escritor preferido (comuna!). O seu filme favorito é "La Strada", de Fellini, e diz que reza "mesmo quando vai ao dentista". Isso é que é medo do dentista, ó Chico.

O que mais se destaca do artigo de 12 mil palavras - mais um testamento que uma entrevista, por assim dizer - é a visão que o Papa tem para a Igreja Católica do futuro, e depois de ter dado a entender a sua posição quanto aos assuntos mais sensíveis, assume em definitivo o que pensa: a Igreja tem que mudar a sua atitude com os temas fracturantes, como o aborto, a homossexualidade e a contracepção. Francisco diz que a Igreja "pode cair como um castelo de cartas" se não acolher no seu seio os fiéis que classifica actualmente como "pecadores", e não tratar destes problemas com uma perspectiva moderna, mais humanista e pragmática. Se falhar neste capítulo, a Igreja arrisca-se a perder as novas gerações para confissões mais tolerantes, ou pior, para o ateísmo. Ai que Deus nos livre, ateus, que horror.

Francisco considera quem em vez de funcionar como um tribunal, a Igreja devia funcionar antes como uma enfermaria, "curando as feridas dos doentes, e então aí dialogar". Pode não parecer grande coisa, mas mesmo que se considerem os homossexuais ou as mulheres que abortam "doentes de alma", sempre é melhor que lhes fechar a porta na cara quando procuram aconselhamento junto da Igreja. O Papa lembrou ainda a divina misericórdia de Cristo, e relembrou que o clero devia seguir esse exemplo, "como seus ministros". Mas quanto à nomeação de mulheres para o sacerdotismo, Francisco mantém a actual disciplina do Vaticano: menina não entra. Não se pode ter tudo, enfim, e Papa é Papa, no final de contas.

De facto longe vão os tempos em que o clero começava a juntar lenha cada vez que tinha conhecimento da presença de um homossexual ou outro "rebelde da fé" nas redondezas, mas a maneira como ainda vira as costas a quem é crente mas se recusa a seguir escrupolosamente as directivas do Vaticano é ainda pouco convidativa. Como quem abre os olhos e desperta para o mundo, o núcleo duro da Igreja, por intermédio deste Papa que leva seis meses de pontificado, apercebe-se do mais óbvio. Ninguém está com disposição para ser condenado ou criticado pelas suas escolhas, que apenas a si dizem respeito, e ainda pior se a sua fé for manipulada como forma de fazer chantagem.

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