Quando alguém sofre de uma ilusão, chama-se “loucura”. Quando muitas pessoas sofrem da mesma ilusão, chama-se “religião”.
Robert M. Pirsig
Em mais este capítulo destinado a chatear os crentes no Super-Homem, Batman, Deus e outros super-heróis, gostava hoje de falar do acto da oração. Orar, ou rezar, é, pasme-se, falar com Deus! Falar com outra entidade não-presente considera-se “falar sozinho”, e é normalmente um sinal de demência ou autismo, mas rezar é falar com Deus. Aí tudo bem, não há problema, é “normal”. Quando se reza, ou ora, está-se a pedir algo a Deus. Quem o faz em silêncio transmite os seus desejos ao criador por via telepática, e quem o faz de modo audível está-se a dirigir a um dos Seus milhões de ouvidos. Não é soberba de espécie alguma pensar que Deus nos escuta, pois afinal Ele está em toda a parte – sim, até no chuveiro! – tudo vê e tudo sabe. Possui o sistema de video e audio vigilância mais sofisticado do mundo.
Todas as religiões têm a sua forma de comunicar com o divino. Algumas religiões fazem ofertas em géneros, como comida, e estranhamente os deuses rejeitam-nas. Nem uma coxinha de frango ou uma tigela de arroz. Mau sinal, os deuses estão furiosos, e normalmente isto significa que é altura de derramar o sangue de uma virgem no altar. As três principais religiões monoteístas – Judaísmo, Cristianismo e Islão – adoram o mesmo Deus, o abraãmico, e é a ele que pedem um jeitinho de quando em vez. Isto é o que se chama monopolizar o monoteísmo. Este Abraão é um empresário mais astuto que o Jorge Mendes. O mais interessante é que estas três religiões que rezam ao mesmo Deus odeiam-se, odiaram-se ou odiar-se-ão em períodos diferentes da História. Isto é o que se chama “dividir para poder reinar”.
Quem tem o hábito de rezar a rodos por tudo e por nada são os americanos, e isto aprendemos dos filmes. Rezam antes das refeições, aquilo que chamam “dar graças”, e rezam antes de ir dormir, especialmente as crianças, que num fatalismo precoce para a idade, pedem a Deus “que guarde a sua alma se morrerem durante o sono”. Tétrico, é o mínimo que se pode dizer disto. Os islâmicos também são devotos militantes, e em rigor deviam rezar cinco vezes por dia “virados para Meca”, a cidade sagrada do Islão, na Arábia Saudita. Isto é o que se chama aplicar a geografia à oração . Existem orações padrão, como o “Pai Nosso” e a “Ave Maria”, que estão para a oração como a canção “Parabéns a Você” está para as festas de aniversário. Depois há as orações mais personalizadas, no sentido de pedir a Deus que os ajude a realizar um projecto, a safá-los de uma alhada, ou em situações do mais irremediável desespero. Mas já lá vamos.
Rezar, infelizmente, nem sempre resulta. Infelizmente ou felizmente, depende, pois se há quem peça a Deus que chova para regar as couves na horta, e outro para que faça sol para secar a roupa no varal, é impossível satisfazer ambos. Sim, impossível, até para Deus! Tenho um amigo que quando sofre de uma forte dor de dentes, toma analgésicos, depois mezinhas, e a seguir reza. Se nada disto resulta, vai ao dentista. Claro que as dores que não passam com os analgésicos acabam sempre na cadeira do dentista. O caso do meu amigo tem alguma piada, mas é dramático quando algumas pessoas que sofrem de dor crónica e recorrem à oração EM VEZ de irem ao médico. Respeito quem recorra à ciência e ao mesmo tempo apele à intervenção divina para o ajudar na recuperação, mas depender de milagres e outras modalidades do sobrenatural, peço desculpa, mas não creio que dê resultado. Gostava de deixar bem claro que se trata apenas da minha opinião.
Em muitos casos rezar é sinal de desespero. Há quem não seja crente, ou até mesmo ateu, e opte por rezar numa hora de maior aperto. Um dia fiz uma viagem de avião especialmente atribulada entre Macau e Bangkok, onde o aparelho foi a tremer durante as duas horas que demorou o percurso, e não raras vezes perdia altitude quando apanhava um poço de ar. Alguns dos passageiros estavam visivelmente incomodados, e por coincidência tinha um português ao meu lado, e perguntei-lhe, meio a brincar: “acha que vamos cair?”. Aí ele contou-me que não estava preocupado, pois a tripulação, incluíndo as assistentes de bordo, pareciam tranquilos. Acrescentou que num vôo da Air France entre Paris e Lisboa a turbulência foi tal que as hospedeiras estavam de joelhos a rezar, o que é sem dúvida muito mau presságio. E porque rezam as pessoas quando encaram uma morte quase certa, mesmo que não acreditem em Deus? Ora, e porque não? Já não há nada perder, e com a carcaça prestes a ser reduzida a cinzas juntamente com a fuzilagem do avião, pode ir também o que resta da dignidade. Creio de depois desse episódio aquelas hospedeiras francesas foram a Lourdes acender uma velinha à Nossa Senhora.
Quando a situação é de desespero, e se perde a esperança, diz-se que “nada resta senão rezar”. Isto é má publicidade para o acto da oração em geral, é como estar num beco sem saída cercado de assassinos e depender da Mulher-Maravilha para nos resgatar da morte certa. Quando alguém está às portas da morte, reza-se por ele, como quem apela ao todo poderoso que 1) poupe a sua vida e o deixe sofrer mais algum tempo 2) o leve direitinho para junto dos anjinhos. Reza-se também “pelos que já não estão entre nós”, um eufemismo de sete palavras quando se pode simplesmente dizer “os mortos”. Agora pergunto eu: porque é que se reza pelos mortos? Para que a morte lhe corra de feição? Para que as coisas não piorem? O que pode ser pior do que estar morto e servir de pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar aos vermes? São os mistérios da fé.
Orar pelos doentes, pelos enfermos, pelos que sofrem e pelos mais carentes é uma daquelas coisas bem intencionadas que não enchem a barriga a ninguém. É mais útil dar uns trocados ou pagar uma refeição a quem tem fome do que rezar por ele. Há pessoas que usam a oração como arma de arremesso. Quando alguém está doente e outro que é conhecido por não simpatizar muito com ele diz que “reza pelas suas melhoras”, está a fazê-lo por despeito, normalmente. É como quem diz “eu até desejei a morte ao gajo umas boas centenas de vezes, mas agora que o meu desejo está prestes a realizar-se, quero que ele melhore, o cabrãozinho”. A oração é um pouco como a magia: existe a branca, e existe a negra, a bruxaria. E o que dizer de quando se reza por alguém com fervor, fazem-se correntes, acendem-se velas a todos os santos e ele acaba por morrer na mesma? Um amigo meu disse-me uma frase bem sensata que nunca esquecerei: “rezar por alguém é como mandar um postal de melhoras; não quer dizer que vá mesmo melhorar”. Doutas palavras, estas do meu amigo. Será que tem importância se eu mencionar que o mesmo que reza antes de ir ao dentista quando está com dor dentes?
1 comentário:
Luís Vaz de Camões foi um dos vultos maiores da literatura da Renascença. Nascido em 04 de fevereiro de 1524, em local incerto (Lisboa ou Coimbra), filho de uma família da pequena nobreza, não se pode aceitar que não tenha tido uma educação formal de qualidade, tendo em vista a universalidade do conhecimento de sua obra, particularmente da épica.
São mal conhecidas a sua infância e primeira mocidade. Estudou em Coimbra, sem que se saiba onde e como acumulou a larga e variada cultura humanística patente em sua obra. Fidalgo, ainda que pobre, freqüentou a corte de Dom João III.
Freqüentou a corte e a boêmia lisboeta, onde o gênio forte e aventureiro o marcaram e conseguiram o cognome de "o trinca-ferros" com que passou a ser conhecido. Envolvido em brigas e confusões, acabou embarcado para o serviço militar nas índias - Portugal então estava empenhado na expansão ultramarina - e passou cerca de vinte e cinco anos longe da pátria, chorando o "exílio amargo e o gênio sem ventura".
À parte Os Lusíadas, quase toda a produção camoniana foi publicada postumamente: numerosos sonetos, canções, odes, elegias, éclogas, cartas e os três autos - Anfitriões (1587), Filodemo (1587), El-rei Seleuco (1645). Edição crítica de sua lírica de Leodegário de Azevedo Filho, em 7 vol. Quatro deles já foram publicados pela Imprensa Nacional de Lisboa.
Porque não vai também chatea-lo??
Enviar um comentário