sábado, 14 de setembro de 2013

A cartilha da retrete


Estava à pouco a ver o programa Verão Total da RTPi, transmitido directamente de Beja, e a certa altura é apresentado um dos convidados musicais, o nosso bem conhecido Quim Barreiros. Em “playback” (lógico), o cantor de “Bacalhau à Portuguesa” apresentou um dos seus êxitos, não sei se recente, ou já antigo, pois não estou a par da dua discografia, mas cujo refrão rezava assim: “Eu gosto de mamar/nos peitos da cabritinha/mamo à hora que eu quero/porque a cabrita é minha”. Logo a seguir, cantou outra onde o refrão era: “Não entra porque está mole/para levantares a cabeça/tens que esticar bem o fole”. Enquanto isto, dois ou três casais de velhotes dançavam no parque onde o artista actuava, e um grupo de criancinhas em idade pré-escolar batia palminhas, todos animados e sorridentes. Se calhar vão usar o tema na próxima hora de canções lá no infantário. Entre o “Atirei o pau ao gato” e o “Jardim Celeste”, entra “A Cabritinha” do Quim Barreiros. Depois disso um puto ranhoso pede com voz de anjinho: “tôla, vamos cantá ‘quela do coiso que ‘tá mole?”.

Perdoem-me se estou a soar ao puritano que não sou, mas desde quando a pouca-vergonha foi banalizada na televisão, e passa a qualquer hora do dia, e para todos os públicos? Programas no passado como o “Pop-Off” ou o “Cabaret da Coxa”, e mesmo actualmente o “Cinco para a meia-noite”, passavam muito além da hora do xixi-cama dos miúdos, e ainda levavam com uma bolinha no canto superior direito do ecrã. Agora aparece qualquer cantor popular/humorista calão/popular brejeiro a debitar inanidades de cariz semi-pornográfico, duplos sentidos com teor sexual, ou simplesmente um palavrão, curto e grosso, em directo. É normal que por vezes aconteça um descuido, uma obscenidade que sai quando quase lhes cai um projector em cima, ou quando têm o azar de entrevistar um bêbado ou um demente, mas…de propósito?

Ainda no outro dia no “talk-show” com o seu nome, Herman José, dizia qualquer coisa como “o bacalhau já não quer alho”, e fazia referências inúmeras ao acto sexual, e nem sempre dentro da modalidade “hetero” . Assim de repente fazia uma referência ao “vento nas traseiras” a propósito de outra coisa qualquer. Isto quando não recorre a trocadilhos ou jogos de palavras, como entre a palavra “fá-lo” (do verbo fazer) e “falo” (o pénis), ou pergunta a algum convidado se “tem cumprido” (do verbo cumprir, mas nem sempre no contexto). Fernando Rocha, aquele humorista que conta piadas carregadas de profanidades que soam ainda pior devido ao seu impenetrável sotaque, é uma celebridade graças à mais rasteira obscenidade, e mesmo Bruno Nogueira, no início da sua carreira, não se inibia de soltar um "F...-se" de quando em vez. Depois de se ter tornado famoso, refinou o seu humor. Parece que esta é uma fórmula de sucesso, digam o que disserem.

Começo mesmo a suspeitar que estamos a inventar uma nova língua para substituir o português clássico. Depois de termos assassinado o idioma dos nossos pais e avós com o “short-typing”, os jornais desportivos, a música pimba e para rematar, o acordo ortográfico, vamos agora substitui-lo por uma série de obscenidades que podem muito bem substituir a sua equivalente científica ou coloquial. Já tinha desconfiado desta tendência há muitos anos, nos tempos do Liceu, quando um professor de Biologia temporário que eu tive referiu-se à urina como “o mijo”. Assim para quê dizer “defecar” ou “vagina” quando se pode poupar em letras com os mais curtos “cagar” ou “c…”. “Fazer amor”? Para quê duas palavras quando se pode simplesmente usar “f…r”? E para quê essa cerimónia toda da “masturbação” quando se pode dizer “punheta” e toda a gente entende? E pénis é o ca…, pá! Assim todos comunicamos na perfeição, e o trabalho já começa a ser feito de base. Nos infantários em Beja as criancinhas de três e quatro anos já cantam sobre “soprar no fole, para levantar a cabecinha, e assim não ficar mole". E depois, não se percebe na mesma?

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