sábado, 14 de setembro de 2013

Macau for dummies


Assisti ontem à noite ao excelente programa “Portugueses no Estrangeiro” dedicado a Macau. Não é a primeira nem a segunda vez que passa no canal 1 da TDM, e já deve ter sido realizado há um bom par de anos, mas desta feita prestei um pouco mais de atenção, com a certeza que teria material para um “post”. E não me enganei.

Não tenho nada a apontar quanto ao programa em termos de qualidade, e reconheço-lhe mesmo muito valor em termos de entertenimento, mas continuo sem perceber muito bem essa insistência em dar um ar exótico a tudo o que diz respeito a Macau ou ao Oriente em geral, quando se apresenta ao público português. Até parece que se quer dar a entender que a Ásia fica noutro planeta, bem distante do nosso, e que é habitada por criaturas aliegenas, mas com uma inteligência inferior à nossa. Quem nunca passou por Macau ou pelo extremo-oriente pode até achar piada, e sentir alguma vontade de vir até cá, mas fica com uma imagem distorcida da realidade.

O defeito destes programas sobre Macau é a forma com que se dá preferência a mostrar tudo o que é completamente diferente de Portugal e do Ocidente. Não se pede que se mostre a cidade urbanizada, o trânsito, os prédios altos, as barracas ou a pobreza, mas também já chega de mostrar sempre os mesmos monumentos, as tendinhas, as farmácias chinesas e os ervanários, quer dizer, tudo aquilo que na realidade está a começar a desaparecer. Caso não se tenham apercebido, o progresso não chegou só a Portugal. Aqui também há “smartphones”, sabiam? O pior é aquela musiquinha oriental de fundo, comum a todos os programas dedicados ao tema. Garanto que nenhum chinês ouve aquilo em casa, ou toca aquela saloiice no jardim. É mentira, e se alguém vos contou isto, estava a gozar da vossa cara, e a aproveitar-se da vossa ignorância.

Um dos defeitos dos portugueses que servem de cicerones em programas deste tipo é a forma exagerada com que descrevem a cidade e a sua própria vivência – não foi o caso deste programa em particular, mas já lá vamos. Alguns chegam aqui e passados quinze dias pensam que já sabem tudo, e fazem questão de mostrar que estão “completamente integrados”, para mostrar à malta lá do rectângulo que são lusitanos de fibra, e adaptam-se a qualquer lugar para onde vão viver, até a Lua. Aproveitando-se do desconhecimento da maior parte das audiências para dizer as maiores barbaridades, pintando um local que corresponda mais às suas expectativas iniciais – entretanto defraudadas – do que à realidade.

O paternalismo com que tratam a população local é alarmante, revelando um complexo de superioridade que deve ser algum resquício do nosso glorioso passado das descobertas. Acercam-se sobretudo de pequenos comerciantes, alguns já com uma idade bem avançada, e berram-lhes como se fossem surdos, muitas vezes num português que faz lembrar o palhaço Batatinha, como se eles entendessem. Os comerciantes reagem com passividade e até simpatia, talvez intimidados pela presença da câmara, mesmo que não façam ideia do que se está a passar. Duvido que um cidadão médio se sujeitasse a fazer de exemplar para esta feira de vaidades, como se fosse um “bushman” do deserto australiano a ter o crânio medido pelos membros da Faculdade de Medicina em Harvard.

E por falar em língua, porque raio têm estes tipos a mania de começar por cumprimentar toda a gente com “nin hao”? Qual “nin hao”, qual carapuça, estamos em Macau, e aqui fala-se cantonense, o idioma mais usado também em Hong Kong e em grande parte do sul da China. Quem está a pensar em vir para Macau e por isso “está a aprender Mandarim”, está a cometer um erro estratégico. Uma boa parte da população fala Mandarim, mas na maior parte dos casos mal, pelo menos para os parâmetros de quem domina a língua oficial da China. Mesmo quem vem do continente para viver em Macau prefere aprender cantonense para facilitar a comunicação com os locais. Se eu cumprimentasse as pessoas de cá com “nin hao!”, já era conhecido por “aquele tuga maluco”, certamente. Nem os próprios falantes do Mandarim cumprimentam a população local com “nin hao”, quanto mais. Quero pensar que se trata apenas de mais uma gracinha exotica para impressionar os tugas lá longe, na sede.

O programa “Portugueses no estrangeiro” sobre Macau beneficia da sobriedade de João Francisco Pinto, jornalista radicado no território há 20 anos, que procurou transmitir uma imagem de normalidade, quem sabe se até demasiado séria para a natureza do programa. Gostei também da psicóloga Goretti Lima, que apesar de alguns exageros, aborda alguns aspectos mais reais sobre Macau, em vez de embarcar na paródia habitual. Mas mesmo assim estavam lá todos os clichés: a cidade velha, o comércio tradicional, os monumentos do costume, e tudo ao som daquela tal musiquinha oriental. Pode ser que um dia alguém se lembre de mostrar Macau como realmente é, como vivem as pessoas, como é a cidade actual, tão diferente dos delírios opiáceos deste tipo de programas. Mas só que assim não tem tanta piada, e não vende. Paciência.

2 comentários:

Unknown disse...

nin hao acho tao giro!!! é uma lingua diferente :)

http://ocarteiravazia.blogspot.pt /

Alicia disse...

Nin hao! ;) Sou sevilhana e resido em Portugal desde 1995. Uma vez fui contactada por uma televisão espanhola para fazer o mesmo, sobre Lisboa. Mas nunca vivi na capital. Não aceitei a oferta, é claro. E ainda bem. Certeza que teria acabado por falar das coisas típicas, dos monumentos de costume, de tradições já antigas, e tudo ao som de um fado. O pior é que eu, que sempre falo em português e critico muito aos que não fazem nem o esforzinho, perante as câmaras,teria acabado por falar num espanhol básico com os nativos para mostrar aos meus compatriotas que aqui também não precisam de falar línguas estrangeiras, podem vir descansados. That's entertainment!