Amo o mar, tal como amo amar, e portanto amo amar o mar. Tive a sorte de nascer junto à costa do meu país, à beira-tejo, com um imenso oceano a perder-se no horizonte. Em Portugal tratava o mar por “tu”, banhei-me no Atlântico de norte a sul, desde a Caparica ao Algarve, passando pela costa vicentina, e com fugas ocasionais até ao centro. Na Ásia mergulhei no Pacífico; Tailândia, Vietname, Filipinas, Malásia. Nadei ao lado de milhares de peixinhos de todas as cores, por cima dos tubarões, desci às profundezas do mar do sul da China de escafandro. Senti também o sabor do sal do Mediterrâneo, na magnífica praia de Barceloneta.
Adoro os calafrios que antecedem a adaptação ao mar gelado; são só uns minutos e depois vale mesmo a pena, deixar levar-se pelas vagas, partir as ondas, ir para lá de onde temos pé, sentir-se como um peixinho, mais perto da mãe natureza e do reino que ela confiou a Poseidon. Faz-me confusão quando vejo na televisão aquelas criancinhas que vêm do interior até ao litoral ver o mar pela primeira vez, em excursões organizadas por almas piedosas com pena da sua ignorância indígena. O mar não deve ser negado a ninguém. Todos deviam ter direito a ter um oceano, um rio, um afluente ou um fiorde à porta de casa. Olho com estranheza para quem não sabe nadar (io!), quem nunca se atreveu a usar as pernas e os braços como se fossem barbatanas. Aprendi com oito ou nove anos na praia fluvial de Alcochete, e nesse dia senti-me o rei do mundo, invencível, como se tivesse conquistado os sete mares.
Tenho alma de marinheiro, como os nossos antepassados. Não enjôo e tenho centenas de horas de navegação no currículo: foram incontáveis as vezes que fiz a viagem do Montijo a Lisboa e vice-versa pela Transtejo. Já andei de barco a remos e a motor, de catamarã, de canoa e de caiaque, e até já dei dois ou três bons malhos numa prancha de “body-board”. Só me falta andar de submarino para me sentir completamente realizado em termos marítimos. Contudo não me agrada a ideia de fazer um cruzeiro, mesmo um daqueles mais luxuosos, com comodidades que fazem o passageiro esquecer que se encontra no meio do mar, longe da terra firme. Gosto de ter os pés bem assentes na crosta terrestre pelo menos uma vez por dia.
Adoro ver as ondas a bater nos rochedos, na plenitude da sua fúria, como quem quer roubar o lugar à terra. Como me encantam as tempestades, o mar revolto que castiga os navios como quem lhes pede contas pela ousadia de os atravessar. Encantam-me as lendas; as sereias, a Atlântida, o Triângulo das Bermudas, o Holandês Voador. Tenho um fraquinho pelos filmes sobre naufrágios, sobreviventes que chegam a um ilhéu no meio de nenhures, homenzinhos franzinos, rotos e barbudos à deriva numa jangada. Quem nunca sonhou naufragar e ir parar a um paraíso tropical fora do alcançe dos radares na companhia de uma mulher linda, e ficar lá meses sem que chegue socorro, sobrevivendo à custa de água de coco e de peixes que nadam junto à margem e quase que pedem para ser apanhados?
Parte-me o coração quando vejo praias poluídas, peixes mortos à tona, fábricas que despejam os seus resíduos no mar, no maior desprezo e desrespeito por algo que é maior que todos os homens e todas as razões: nada justifica tratar mal o mar. Todos devíamos amar o mar, a nossa origem, o nossa primeira mãe. Pouco importa que há muito que tenhamos deixado as guelras e as barbatanas, e com pena, pois eu adoraria poder respirar no mar. A nossa primeira condição foi mergulhados na bolsa amniótica da nossa progenitora, e a partir daí passámos a simples e terrenes criaturas. Mas esse foi o primeiro sinal que devemos e podemos ousar entrar no mar, remetermo-nos à nossa insignificância e prezar a sua imensidão, temê-lo e exercer os devidos cuidados. Mas também atrevermo-nos, deixarmos que nos embale, e assim fazer parte de algo maior que todo o resto.
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