segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Macau foi a votos


Ontem foi um dia especial em Macau, que se repete apenas de quatro em quatro anos. Não, não é a passagem de nenhum cometa, nem um eclipse solar ou lunar: foram as eleições. O paradoxo de existirem eleições livres e democráticas na China, mesmo que se trate de uma região que goza de um estatuto especial como Macau, é já um motivo de interesse. Estranhamente o interesse era maior por parte da imprensa estrangeira do que da imprensa em língua chinesa, como aliás foi referido pelo painel de comentadores do programa especial do canal 1 da TDM dedicado ao sufrágio. Mas porquê? Será receio de aborrecer os mandarins em Pequim esfregando-lhes na cara que aqui a malta pode escolher livremente a composição de um orgão governamental, mesmo que seja a AL, e apenas parcialmente? Provavelmente, e mesmo que não seja essa a razão principal, “já agora” também pode ser uma das razões, porque não? Junta-se assim o inútil ao desagradável.

As semanas que antecederam a ida às urnas foram marcadas por algum protagonismo desnecessário da parte da Comissão Eleitoral, dirigida pelo juíz Ip Son Sang, que por acaso ontem esteve muito bem. A confusão provocada pelos “riscos” aos programas eleitorais de algumas listas, a pouca clareza na definição do que era ou não permitido às listas fazer em termos de propaganda, e sobretudo a decisão de proibir que se fizesse campanha no Largo do Senado foram alguns dos “casos”. O Largo do Senado, onde se situam edifícios históricos como a Santa Casa da Misericórdia, a estação central dos Correios e acima de tudo o antigo Leal Senado tem uma importância capital na história dos eventos políticos em Macau, e esta decisão cheira a esturro. Justificar a mudança do arranque da campanha com o número de turistas que por ali anda diariamente não faz muito sentido. Quer dizer, qualquer dia vou precissar de visto e de passaporte para ir ao Largo do Senado? Deixou de pertencer aos residentes e passou a ser um exclusivo dos turistas?

Durante as duas semanas de campanha, que como sempre foi intensa, disputada, rasgadinha, como aliás convém, aconteceram episódios de difamação contra algumas listas e os seus elementos. Já aqui disse que isto não tinha importância, e os resultados comprovam isso. As “vítimas” destes ataques, normalmente vindos de pessoas não identificadas, tiveram resultados diversos; uns subiram, outros desceram, outros ficaram na mesma. Não é por se dizer que fulano fez isto ou fulana falhou em cumprir com aquilo que o eleitorado os vai abandonar. A estratégia pode dar resultado noutras jurisdições, mas o eleitorado de Macau não alinha em rumores e boatos. Essa é provavelmente uma das suas poucas qualidades, diga-se de passagem.

Ontem foi finalmente o dia D, com o eleitorado a ocorrer aos 26 locais onde se realizou o sufrágio, das nove da manhã até às nove da noite. Doze horas para ir cumprir o dever cívico, e quem se absteve não tem outra desculpa senão o mero desinteresse. A adesão foi menor do que em 2009, apesar do número de eleitores inscritos ter aumentado. Um comentador do programa da TDM chamou a atenção para o facto dos cadernos eleitorais estarem desactualizados, e poder existir um grande número de potenciais votantes já falecidos, ou que já não residem no território. Pode ser, e talvez exista alguma discrepância entre os números da abstenção e o número excendentário de eleitores inscritos, mas foi possível denotar alguma falta de interesse, especialmente pela população mais jovem. Quem não foi votar tem lá as suas razões, mas depois não se queixe quando for a hora de criticar isto ou aquilo, pois afinal não contribuiram para mudar nada.

Apesar da CE ter deixado claro que era proibida a recolha de imagens dentro da cabine de voto, foram detidas 13 pessoas que foram apanhadas a fotografar o boletim de voto. Há quem considere isto “pouco”, atendendo que votaram mais de 150 mil e este é um número insignificante, mas eu discordo. Treze foram apanhados em flagrante, mas desconfio que devem ter havido muitos outros mais discretos, que conseguiram ludibriar a fiscalização. Mesmo que fosse apenas um eleitor num milhão a fazê-lo, é sempre um a mais. Quer dizer, o que mais é preciso para esta gente aprender que a corrupção eleitoral é um crime? Marcá-los com um ferro em brasa na testa? Estes casos devem ser exemplarmente punidos, tanto os eleitores que vendem o seu voto, como os indivíduos que lhes oferecem vantagens. Caso se consiga provar que isto faz parte da estratégia de uma lista, devem castigar-se também os seus elementos.

Falando ainda em corrupção, o CCAC mostrou mais uma vez ter algumas dificuldades em agir como lhe compete quando se trata de eleições. O comissário Vasco Fong veio dizer que o transporte de eleitores até às urnas é permitido, desde que dentro do veículo “não haja incentivo ao voto”. Ai sim, e como é que o Comissariado garante que a lei está a ser cumprida? Designa um agente para cada autocarro? Este é o mesmo CCAC que demonstra determinação e firmeza férreas na hora de apanhar um funcionário público que se ausenta do serviço durante o horário de trabalho para tomar o pequeno-almoço. São uns heróis, estes meninos. O que iamos nós fazer sem eles?

Finalmente uma referência à forma como se procedeu o acto eleitoral em termos de organização. Ontem foi um dia especialmente quente e húmido, com o sol a bater em chapa, e foi desagradável ficar à espera da vez para cumprir o dever cívico debaixo de um calor tórrido. Ip Son Sang diz que “as pessoas são livres de escolher a hora para irem votar”, como quem diz “esperou muito tempo? Viesse noutra hora…”. Pois, pois, mas eu sou livre de escolher a hora ou não? E se na hora que eu escolher, precisar de esperar algum tempo? Não devia a CE pensar no conforto dos eleitores? Bem, são tudo arestas que ficam por limar, e têm quatro anos para pensar nisso. O pior é que depois aparecem outras. É por isso que as eleições em Macau têm tanta piada.

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