Dos artigos que publiquei neste espaço que incidem sobre a minha percepção deste povo para o qual eu sou uma minoria, o modo como os observo e entendo é em tudo diferente daquele com que eles próprios se olham. A minha “medida” é diferente, e para eles, tudo o que eu digo e penso a respeito dos seus comportamentos e maneira de pensar e agir é sempre do ponto de vista de um estrangeiro, e portanto “errada”. Algumas curiosidades deste povo que me acolheu que aqui muitas vezes esmiuço só me foram dadas a perceber pelo contacto pessoal, e a rejeição dos seus hábitos e costumes nunca me levaria a lugar algum; permaneceria na nulidade que a xenofobia primária que seria querer viver aqui como viveria em Portugal, tentando impôr os meus costumes e procurando o confronto com que ousasse impedir-me de os exercer na totalidade.
Do que me falta falar e ando “em pulgas” para o fazer é uma estranha matemática que se faz com os negócios. Os chineses são um povo com jeito para os negócios, para o comércio, muito prático e pouco dado a sentimentalismos e às virtudes da caridade, e isto não é de ontem, nem produto do milagre económico chinês dos últimos anos. A sua História recente atribulada leva a que sejam ainda um país pobre, ou pelo menos ainda com um grande número de pobres, mas isto é contrário à sua matriz. É facilmente verificável um pouco por esse mundo fora, que onde há dinheiro, há chineses, e quanto mais dinheiro há, mais chineses também. Esta é uma gente para quem a máxima “tempo é dinheiro” é para principiantes. A procura pelo lucro ganha um novo sentido com o princípio: “não ganhar é dinheiro”. E no que consiste isto?
Na prática quando não se está a “ganhar dinheiro”, está-se a “perder dinheiro”. Neste jogo da facturação não há empates, é tudo ou nada. Se for preciso vamos a “penalties”. Uma hora perdida no trânsito, um sócio que se deixou dormir, a outra parte com que se vai fechar um negócio que se atrasa, tudo isto é dinheiro perdido. Mesmo que no fim o resultado seja lucrativo, podia ter sido muito melhor, portanto, “perdeu-se dinheiro”. Não se fica tão feliz com o dinheiro com que se ganhou quanto ressentido por aquele que não se ganhou, ou seja, que se perdeu. Quando se perde dinheiro por culpa própria, devido a uma decisão pessoal mal calculada que resultou em prejuízo, faz parte do jogo. Mas quando se ganha mas foi-se impedido de ganhar mais devido a factores alheios ao negócio em si, é frustrante. Não é justo.
Usemos uma simples aritmética ocidental para ilustrar o que digo. Imaginem que temos 100 mil patacas para investir num negócio. Se no fim só nos restarem 50 mil, podemos dizer que perdemos as outras cinquenta. Correu mal, acontece. Se terminamos com 120 mil, então podemos dizer que ganhámos vinte mil, limpinhos. Se por acaso podíamos ter acabado com 150 mil, mas ficamos pelos 120, então continuamos a dizer que tivemos 20 mil de lucro, mas aos olhos deste pragmatismo economicista chinês, “perdemos 30 mil”. Pouco importa que tenhamos recuperado o investimento e ainda levado mais vinte mil para casa, o que realmente conta foi que perdemos 30 mil, dinheiro que nunca existiu, nunca foi nosso, mas como não o ganhamos, existindo a possibilidade de fazê-lo, então perdemo-lo. Esqueçam lá aquelas vinte mil que surgiram com relativo pouco esforço, pois há ali trinta mil que foram ao ar. Alguma coisa correu mal. Feitas as contas, foi um fracasso.
Tenho-me deparado com muitos exemplos desta nova corrente financeira que valoriza o que se podia ter ganho sobre o que realmente se ganhou. O que não se ganhou, ficou “perdido”. Ontem falei aqui da TV Cabo, que por ter cedido alguns canais em sinal aberto aos anteneiros, não lucrou com eles, e por isso “perdeu dinheiro”. Durante os tais “apagões” da CTM, há indivíduos que se queixam ter perdido “milhões” durante a hora em que estiveram privados do serviço de rede móvel. Bem, é preciso puxar um pouco da imaginação. Quem sabe se durante aquele tempo que estiveram incontactáveis receberiam alguma proposta da parte de um milionário excêntrico. Durante a construção do Grand Lisboa, a grande resposta da SJM às concessionárias de jogo do Nevada, dizia-se que cada dia que o casino demorava a ser inaugurado, Stanley Ho “perdia milhões”. Quer dizer, os outros negócios corriam-lhe bem, como sempre, e os lucros chegavam e sobravam para suportar os custos de vários Grand Lisboa. Só que aí está: o dinheiro que o novo projecto podia estar a fazer era dinheiro “perdido”.
Quando ouvimos falar em “perder dinheiro”, a primeira coisa que nos ocorre é perder a carteira, ou ter deixado cair um nota no bolso, enfim, perder alguma coisa implica quase sempre que já estivemos na sua posse. Para um chinês que leva os negócios a sério, isto é um sacrilégio, é andar a brincar com a tropa. Se por acaso se enganou num troco e deu 10 ou 20 patacas a mais a um freguês, é melhor não deixar ninguém saber, para não “perder a face”. Se o dinheiro é perdido na mesa do jogo, num casino ou numa aposta qualquer, isto aceita-se, pois existiu a hipótese, mesmo que remota, de ser multiplicado. Se nos limitamos a pensar que apenas podemos perder o dinheiro que já é nosso,e não que não temos ou ainda não existe e pode nunca vir a existir, então temos horizontes curtos, É por isso que os gajos andam cheios de nota e nós tesinhos e falidos. No que somos mesmo bons é a gastar o que não temos, nisso somos imbatíveis. Podemos não acreditar em perder dinheiro que não temos, mas somos muito bom a gastar o que ainda não nos caiu nas mãos. E daí? O banco empresta, e depois logo se vê.
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