terça-feira, 24 de setembro de 2013

Bo Xilai no país das maravilhas


O ex-governador de Chongqing e figura de proa do regime chinês Bo Xilai foi condenado a prisão perpétua por corrupção, suborno e abuso de poder, depois de ter sido considerado culpado destes crimes por um tribunal do continente, que leu a sentença no Domingo. Um desfecho esperado, este da condenação, e restava apenas saber a pena. O cenário da pena capital, mesmo que suspensa, era descartada pela generalidade, e poucos acreditavam na possibilidade da perpétua - que veio mesmo a acontecer. O South China Morning Post, publicação honconguense, avançava com 15 anos ou menos de prisão efectiva, e eu próprio esperava qualquer coisa como 20 ou 30, no máximo. Bo Xilai vai recorrer da sentença, mas tudo indica que aconteça o que acontecer, permanecerá atrás das grades até 2022, altura em que sai de cena esta geração de líderes chineses. Que coincidência. E muito conveniente, também.

As acusações que pendiam sobre Bo Xilai eram risíveis aos olhos de quem está minimamente informado sobre o que se passa na China de hoje. Não no conteúdo, mas pelos valores envolvidos: 30 milhões de yuan. É caso para perguntar se esse era o dinheiro que Bo tinha enrolado na casa-de-banho da sua moradia, ao lado da retrete de platina. Num país onde o crescimento da economia nos últimos vinte anos tem sido galopante, custa a crer que alguém tão poderoso como Bo Xilai tenha sido indiciado por uma ninharia destas. Foram precisos mais de 800 milhões "fora o resto" para condenar o ex-secretário Ao Man Long a 27 anos de prisão em Macau. É a opinião de unanimidade dos analistas: Bo era um personagem incómodo para a actual nomenclatura, e foi "saneado". Já dizia Mao e com razão: "os heróis de hoje são os bandidos de amanhã, e vice-versa".

O sistema judicial na China, que condenou Bo Xilai, vale o que vale. Ao contrário das democracias e a quase totalidade dos países ocidentais, não existe a separação entre os sistemas executivo legislative e judicial. Todos orbitam à volta da esfera do partido único, e não há decisão, lei, regulamento ou manual de instruções sobre a instalação de um exaustor de cozinha que o possa prejudicar. Nem à própria imprensa é permitido colocar pé em ramo verde, e ainda hoje um jornal que publique uma notícia não autorizada pelo orgão informativo central arrisca-se a fechar portas. Mesmo que tenha sido sem querer. A cobertura dada ao julgamento de Bo Xilai, que teve inclusivamente honras de cobertura no Twitter chinês, o Daibo, pode dar a entender sinais de abertura do regime, mas apenas de deixa a sorrir por nos tentar fazer acreditar em tamanha ingenuidade.

Bo Xilai foi acusado pelo regime, detido pelo regime, julgado pelo regime num tribunal do regime, por um juíz do regime, e até representado por um advogado do regime. O desfecho só podia ser este, e o próprio Bo tinha a plena consciência disso. Agora recorre, pode ser que tenha a pena comutada para 30 anos, e daqui a dez pode ser que saia, dependendo em que direcção sopram os ventos em Pequim. Continua igual a si própria, a China; imperadores, príncipes e princesas, eunucos, intrigas palacianas, lutas pelo trono e pelas boas graças do rei, tudo na mesma. É indiferente se o cenário são palácios ou Politburos, ou se por cima do trono está uma foice e um martelo.

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