domingo, 19 de janeiro de 2014

Os sons dos 80: Freddie Mercury


Freddie Mercury aos 12 anos, quando ainda respondia pelo nome de Farrokh Bulsara

Freddie Mercury nasceu com o estranho nome de Farrokh Bulsara na ilha de Zanzibar, antigo protectorado britânico na costa leste de África, actualmente parte da Tanzânia. Filho de parsis, seguidores da religião zoroastra, originários de Bombaím, o pai mudou-se para Zanzibar como caixeiro do Império Britânico. Passou a maior parte da infância com a avó e uma tia em Bombaím, onde começou a estudar piano aos sete anos. Uma das suas primeiras influências musicais foi a cantora de Bollywood Lata Mangeshkar. Aos 12 anos formou na escola de St. Peter's em Panchgani, onde estudava, a banda The Hectics, que decalcava temas "rock" de artistas como Cliff Richard e Little Richard. Foi por essa altura que começou a ser conhecido por "Freddie", muito mais mundano e fácil de memorizar que Farrokh. Regressou a Zanzibar quando terminou o liceu, mas por pouco tempo, pois em 1964 deu-se uma revolução que resultou na queda do Sultão Jamshid bin Abdullah e na morte de milhares de indianos e árabes, e a família Bulsara refugiou-se em Inglaterra. Freddie Mercury tinha então 17 anos.


Os Bulsara viviam numa pequena casa em Feltham, Middlesex, e Freddie foi estudar Arte para Londres, e já cidadão britânico de pleno direito, mudou o apelido para Mercury. Existem várias teorias para a escolha deste nome, mas a mais consensual tem a ver com o seu interesse pela astrologia, característico da sua fé parsi - Mercúrio é o planeta do seu signo de Virgem. Depois de terminar a licenciatura, trabalhou numa loja de roupas em Kensington e no aeroporto de Heathrow, ao mesmo tempo que tentava formar uma banda. Depois de duas tentativas frustradas, juntou-se a Brian May e Roger Taylor, respectivamente guitarrista e baterista do grupo Smile, entretanto extinto, e depois de John Deacon responder a um anúncio de jornal para a posição de baixista, estavam formados os Queen. O nome da banda era uma alusão à cena LGBT no Reino Unidos ("queen" era calão para designer um travesti), e o famoso logotipo foi criado por Mercury, fazendo-se valer da sua formação académica. A maior influência dos Queen eram os Led Zeppelin, o que era mais evidente nos primeiros trabalhos do grupo. A originalidade e o génio de Mercury, o principal compositor e letrista, vinha ganhando espaço à medida que o grupo se tornava mais conhecido, e a consagração veio com em 1974 com o disco "A Night at the Opera" e o tema "Bohemian Rhapsody", que tornaram os Queen num dos grandes nomes do "rock" mundial.


A primeira aparição de Freddie Mercury com o seu icónico bigode.

A aparência andrógina de Freddie Mercury, que inicialmente se assumia como homossexual mas mais tarde viria a negá-lo, foi-se transformando à medida que se aproximavam os fins dos anos 70, e é no vídeo "Play the Game", do álbum "The Game", de 1980, que aparece pela primeira vez com o icónico bigode que foi a sua imagem de marca durante quase toda a década. Os Queen iam somando sucesso atrás de sucesso nos anos 80, adaptando-se com facilidade às novas tendências. Do "pop" electrónico da banda sonora do filme "Flash Gordon", à música "disco" de "Hot Space" ao "rock" puro e duro de "The Works", de onde são os clássicos "I Want to Break Free" e "Radio Gaga", os Queen iam a todas, e sempre liderados pelo incansável Mercury. Depois da memorável participação no Live Aid em 1985, os Queen regressam a Wembley em 1986 e dão um concerto que fica para a história, registado para a posteridade no duplo LP "Live at Wembley'86".


Parelelamente ao seu trabalho com os Queen, Freddie Mercury encetou uma carreira a solo, e em 1985 lançou o seu primeiro disco a solo, "Mr. Bad Guy". A recepção foi menos calorosa que o seu trabalho com os Queen, mas o álbum continha dois temas que mais tarde viriam a ser incluídos num registo da banda: "Made in Heaven" e "I was born to love you". Outro destaque da sua estreia a solo é este "Living on my Own", que viria a ser reeditado em 1993, com mais visibilidade. O video do tema foi gravado na festa do 39º aniversário do cantor, onde fica bem patente o seu estilo de vida extravagante. Apesar de ser bastante discreto e raramente falar da sua vida pessoal, eram conhecidos alguns dos seus hábitos, como o de beber apenas champanhe (até às refeições), o seu gosto por roupa cara, e no foro íntimo, a sua bissexualidade. Eram frequentes os rumores sobre casos amorosos tanto com homens como com mulheres, e entre as suas namoradas encontravam-se a modelo austríaca Barbara Valentin, seis anos mais velha que ele, e Mary Austin, com quem teve um relacionamento nos anos 70, mas de quem permaneceria amigo até ao fim da sua vida. Austin viria eventualmente a herdar grande parte do seu património.


Em 1986 os Queen gravam "A Kind of Magic", que seria acompanhado da "Live Magic Tour", que seria também a última tournée mundial do grupo. Nesse ano começavam a circular notícias de que Freddie Mercury teria contraído o vírus da SIDA, o que ele viria sempre a negar até ao penúltimo dia da sua vida. Jim Hutton, um cabeleireiro que foi seu amante durante os últimos seis anos da sua vida, veio mais tarde a confirmar que o diagnóstico positivo seria confirmado "pouco depois da Páscoa de 1987". Indiferente a tudo isto, e sempre zeloso da sua imagem de "performer", Mercury gravava "The Great Pretender", uma versão do original dos The Platters que chegaria a nº 5 do top de vendas no Reino Unido. Um tema que assenta que nem uma luva ao artista, que conseguiu ser durante a sua vida e a sua carreira, "um grande fingido". O vídeo do tema marca uma mudança no visual de Freddie, que aparece pela primeira vez em sete anos sem o famoso bigode.


Em 1988 Freddie Mercury junta-se a Montserrat Cabelle e grava "Barcelona", tema comemorativo da organização dos Jogos Olímicos de Verão pela cidade catalã em 1992. Freddie aproveita a colaboração com a soprano para grava o seu segundo disco a solo, baptizado também de "Barcelona", onde exibe a sua formação lírica. Freddie e Caballe deviam supostamente cantar o tema na cerimónia de abertura das Olimpíadas, mas o cantor viria a morrer alguns meses antes. Em 1989 os Queen voltam a reunir-se para gravar aquele que seria o seu penúltimo album, "The Miracle", que esteve para ser o último. Freddie fazia o que podia para demonstrar que estava tudo bem, e que estaria em grande forma, mas a sua aparência e o facto dos Queen não terem feito uma digressão para promover o novo álbum davam a entender o contrário. Reservado como sempre, Freddie evitava o mais que podia aparecer em público, e a última aparição com os Queen seria a 18 de Fevereiro de 1990, na cerimónia dos BRIT awards, onde foi muito parco em palavras.


Algo ia mal no reino de Mercúrio.

Em Janeiro de 1991, já com Freddie muito debilitado, sai "Innuendo", que seria o último disco de originais dos Queen com o cantor. Em Abril o tablóide "The Sun" publica esta fotografia a que dá o título "A face trágica de Freddie Mercury". Em Maio os Queen gravam o videoclip do tema "Those Were the Days of Our Lives", que seria a última aparição de Freddie em frente às câmaras. Magro, visivelmente debilitado e carregado de maquilhagem para disfarçar as mazelas da doença, era evidente que já não lhe restava muito tempo. Brian May viria a contar alguns anos mais tarde que quando terminaram as gravações de "Innuendo", Freddie estava já demsiado fraco para cantar, e que o tema que encerra o disco, "The Show Must Go On", foi gravado em apenas um "take", depois do cantor ter reunido as últimas energias num gole de vodka. O video do tema é um conjunto de outros videos da carreira do grupo. No dia 23 de Novembro de 1991, Freddie Mercury anuncia ao mundo que tem SIDA, e no dia 24 parte do mundo dos vivos. Tinha 45 anos.


Após a sua morte, choveram as mensgense de pesar e as homenagens, e a colectânea "Greatest Hits II", composta dos sigles dos Queen entre 1980 e 1991 tornou-se um "best-seller". Em 1995 sai "Made in Heaven", um disco dos Queen que reúne temas inéditos da banda e outros de Mercury a solo. Muitas foram as críticas feitas ao cantor por diversos motivos. Primeiro por ter negado sempre a sua homossexualidade, e eventualmente por nunca ter assumido estar infectado com o vírus da SIDA, pois poderia ter sido importante como porta-voz da campanha de sensibilização para a doença. Durante toda a sua vida, Freddie fez o possível por ocultar as suas origens indianas e parsi - era um "artista", e não lhe agradavam os rótulos. O seu legado, esse, é imenso, e até hoje continua a ser recordado, e é inspiração para muitos novos artistas.

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