terça-feira, 21 de janeiro de 2014

E depois? Ficaram os bois


O plano de ordenamento da zona norte da Taipa tem sido o cavalo de batalha da Associação Novo Macau (ANM), que anunciou pelo seu presidente Jason Chao o nome de empresas privadas envolvidas numa teia de interesses relacionada com a aquisição e o desenvolvimento dos terrenos situados na zona do Caminho das Hortas, e que envolve o nome de reputadas figuras da política e empresários com ligação ao Executivo. A investigação da ANM começou em 2012, e Jason Chao vem agora apresentar algumas conclusões, falando de "conluio", de acesso a informação privilegiada e das vantagens usufruídas por associações tradicionais e empresas com ligação ao Governo. O presidente do ANM toca na ferida: como era possível que os compradores de dois terrenos "agrícolas" na zona da Taipa norte soubessem há seis anos que o plano do Executivo para esses terrenos ia ser alterado, e que agora vão ser lá construídos edifícios residenciais "com 90 metros de altura?". A ANM fala de uma elaborada conspiração entre Governo e empresários, de benefícios dos primeiros aos últimos, do envolvimento do Chefe do Executivo, que assim procura garantir a sua reeleição, das suas ligações familiares, tudo isso, enfim, qual é a novidade?

Em primeiro lugar penso que existe aqui algo perdido na tradução. Como alguns leitores sabem, trabalho na Conservatória do Registo Predial, onde Jason Chao obteve as certidões com que fundamenta algumas das suas conclusões, e isto deixa-me em posição para esclarecer um ou dois pontos sobre esta questão dos terrenos. Primeiro existe uma diferença entre "finalidade" e "natureza", e depois "rústico" não quer dizer o mesmo que "agrícola". Existem três tipos de terrenos: urbanos, rústicos e mistos. O que entendemos por terreno "rústico" será "que não é urbano", ou seja, que não é destinado à construção para fins habitacionais, comerciais, etc. Mas isto trata-se da natureza do terreno, que pode ser facilmente alterada, especialmente se à sua volta começar a existir uma forte predominância de terrenos urbanos - é um sinal do progresso. A finalidade é outra coisa, e tem a ver com o fim para que o terreno é usado. É provável que o Governo tenha mesmo alterado a finalidade destes terrenos da Taipa norte, mas acho improvável que nos planos do Executivo estivesse alguma vez fazer deles hortas para plantar couves, tomates ou grelos. Este "agrícola" a que o ANM se refere é a tradução para chinês de "rústicos" - uma tradução muito pobrezinha, diga-se de passagem.

A ANM fala de "conluio". Vou ao dicionário e recolho o significado concreto da palavra, que é este: 1. Combinação de dois ou mais para prejudicar outrem. 2. Trama. 3. Conspiração.. Portanto, "conluio" quer dizer "combinação, conspiração ou trama de um grupo no sentido de prejudicar outrem"? Qual outrém? A população está cansada de saber que neste joguinho dos terrenos não há nada para ninguém. O cidadão comum não vai ganhar um terreno no "Preço Certo", nem lhe vai sair num sorteio do Supermercado Royal. E qual conspiração? Nem é preciso conspirar ou fazer nada às escondidas: faz-se assim e pronto. Por acaso o Jason Chao sabe que se tivesse existido algo de ilegal ou ilícito na aquisição destes terrenos, não seria através de certidões obtidas na Conservatoria que se ia descobrir? A máquina é viciosa mas é a máquina que temos: o Governo dá uma mãozinha às associações que representam os sectores tradicionais e empresariais ondem também têm parte, estes elegem-se uns aos outros através das eleições indirectas para garantir a solidez do "lobby", e a população até acha que assim é que está bem, e dá-lhes ainda mais força, como se viu nas últimas directas. Isto não é conluio, é "caixinha".

Chan Meng Kam diz que sim, que adquiriu dois terrenos ali para futuro investimento, e tal, e vejam lá que o homem tem tanta coisa que nem se lembrou daqueles nacos de terra ali atirados para a Taipa Norte. Rejeita as acusações de "ilegalidade" por parte da ANM, e sim, é sócio de Chui Sai Cheong, deputado eleito pela via indirecta e irmão mais velho do CE, e depois? Opinião corroborada pelo director do JTM, José Rocha Dinis, que no seu editorial de hoje fala de como era inevitável que a finalidade dos terrenos fosse alterada, pois a população cresceu em 50% nos últimos dez anos, o número de turistas disparou, tudo o que já estamos carecas de saber. Ah sim, e que um dos investidores é irmão do CE, está bem, mas e depois? Depois somos nós que tivemos a infelicidade de não termos nascido no seio destas famílias, de não sermos filhos, irmãos, primos e sobrinhos desta malta que manda, ou do grupo de amigalhaços que se desdobra pelas associações de beneficência, empresas de construção civil, fomento imobiliário ou de gestão hospitalar que açambarcam todos os negócios lucrativos em Macau. E depois? Morreram as vacas, e ficaram os bois.

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