sábado, 25 de janeiro de 2014

Há mar e mar, ir à praxe e não voltar


No fim-de-semana de 14 de Dezembro passado, há pouco mais de um mês, um grupo de sete estudantes da Universidade Lusófona alugou uma casa perto da Praia do Meco, em Sesimbra. Na madrugada de Domingo, dia 15, desceram até à praia, e horas depois era dado o alerta: seis deles tinham sido levados por uma onda gigante, restando apenas um sobrevivente. De imediato levantou-se a questão: o que estavam a fazer sete jovens na praia, de madrugada, em pleno Inverno? A razão é uma daquelas que nos faz de imediato levar as mãos à testa; tratava-se de uma praxe académica. Praxe académica? Que parvoíce, pensamos nós. Mas será mesmo assim? As tais praxes não passam apenas de uma brincadeira tonta, ou são mais do que isso?

Essa história de praxes, rituais de iniciação e derivados é algo que me provoca alergia, que "me faz espécie". Não cumpri o serviço militar e uma das razões pelas quais me congratulo com isso é por não ter precisado de ficar aquartelado com mais algumas dúzias de marmanjos com um tipo que não é nosso pai a berrar-nos aos ouvidos e ainda sujeitos a ser enxovalhados por outros, que organizados numa versão "light" de sindicatos do crime, praticam a violência, a extorsão e cometem delitos que na sociedade civil lhes valeriam normalmente problemas com a lei, mas fechados naquele círculo conseguem escudar-se na tradição. O que mais me enoja nestes tipos é que em vez de aprenderem a ser homenzinhos, ou pautarem a sua conduta pelos valores da camaradagem ou da solidariedade, optam pela mais rasteira da pelintragem.

Se no exército já não existe desculpa para certos tipos de abuso, muito menos estes se conseguem explicar nas instituições superiores de ensino, que deviam supostamente formar os profissionais especializados do futuro. Aceita-se com alguma ligeireza que os alunos mais antigos façam uma recepção aos mais novos que inclua uma ou outra "partida", ou "travessura", mas os limites do aceitável são quase sempre ultrapassados. Aceita-se que lhes pintem o rosto, que lhe deixem um pionés na cadeira, que o façam lavar as escadas da faculdade com uma escova de dentes, um calduço aqui e ali, e sempre com um carácter passageiro; uma vez chega muito bem. É praxe? Então está "praxado", e toca a tratar daquilo para que ali estão, que é para aprender.

As tais praxes académicas, que imagine-se, têm honras de comissão e tudo, não são um problema de hoje, e infelizmente há casos de abuso, humilhação e agressão gratuita que são branqueados pelas próprias universidades. O caso da Praia do Meco, onde os jovens foram levados até a um local remoto e perigoso, é um exemplo acabado de como este poder de conseguir humilhar o outro pode ir ao extremo. Não terá passado pela cabeça destes meninos por um instante, um minute que fosse, que o que estavam a fazer era perigoso? Que o mar bravo não entende que se tratava de apenas de uma "brincadeira"? E agora, ah, pois é, isto das praxes é horrível, e tal, mas quando são igualmente perigosas, dolorosas ou humilhantes e não acabam tão mal como esta, "até têm a sua piada".

O pior foi o que aconteceu depois. O sobrevivente desse ritual parvo do dia 15, um tal João Miguel Gouveia, tem os olhos cheios de terror para o resto da sua vida, depois de assistir à morte dos seis colegas, e ainda foi ameaçado para não contra o que realmente se passou. O quê? O que se passou já sabemos, foi um acto de selvajaria e de burrice, e que de facto fica mal aos autores da ideia, mas que precisa ser denunciada e com urgência. Guardar o silêncio para que fim, se não se trata de segredo de Estado ou sequer está a cobro de alguma tradição religiosa. Divulgue-se ao mínimo detalhe o que se passou na Praia do Meco nessa noite, para que se evite repetir, e já agora encontrem-se os autores morais desta pouca vergonha, que custou vidas humanas. Afinal quem é que estamos a formar nestas universidades, técnicos ou criminosos?

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