sábado, 11 de janeiro de 2014

Governo na rua? Não, obrigado


Apesar dos extramamente baixos níveis de popularidade de que goza entre o eleitorado e entre os portugueses em geral, Pedro Passos Coelho vai recandidatar-se ao cargo de chefe do Governo nas legislativas em 2015. Isto porque - diz ele - há que terminar o que foi começado, há um plano a cumprir, a conversa do costume. O contrário, ou seja, ele anunciar que não se ia candidatar, é que seria notícia. Imprensa, opinião pública, governo e a própria oposição ficavam de queixo caído viesse Passos Coelho num assomo de sinceridade dizer algo do tipo: "Olhem, estou farto disto, já não posso mais com os insultos, durmo mal de noite e dói-me a cabeça. Quero ir à minha vidinha, que ganho bem na mesma e tenho menos chatices".

O que diriam os chuchistas do PS e a restante oposição? "Assim não vale, sr. PM! Agora fazemos a campanha a falar mal de quem? Volte aqui e seja o nosso bode expiatório, faz favor!". A imprensa e a vox populi dividiam-se entre loas "a esse grande homem, que tanto fez pelo país, foi grande até na hora de assumir os seus erros, admitiu as suas fraquezas, nunca mais vamos ter outro assim", em suma, a habitual elegia que se faz àqueles tipos que ninguém liga nenhuma e passam a ser os maiores na hora da morte; e do outro lado os que sintetizariam o seu sentimento com um curto "já vai tarde". Miguel Sousa Tavares escreveria um texto de duas mil palavras dedicado ao assunto, mas de tudo o que lá vinha escrito a ideia resumir-se-ia a essas três palavras.

Comentava com um amigo no outro dia que estou a pensar seriamente em deixar de assistir aos serviços noticiosos da RTPi. Já estou tão cansado de ouvir falar na crise, na austeridade, nos cortes das pensões, dos subsídios, e dessa porra toda, que já tenho tesouras a tentarem sair-me dos ouvidos (cortes...tesouras, estão a ver? já sei, foi seca, peço desculpa). São tantos cortes a toda a hora que não sei como é que os portugueses não começam o mês com saldo (ainda mais) negativo. São tantos os que se queixam de lhes sobrar apenas 50 euros para eles e para a sua família de sete bocas comerem o mês inteiro, que não entendo como ainda estão vivos. Ainda ontem um tipo qualquer diz que tudo que tinha eram 2,7 euros que levava no bolso. Não chega nem para um maço de tabaco que lhe permita morrer mais devagar e tirando algum prazer disso. O Telejornal, 24 Horas, Jornal da Tarde e outros que tais não me deprimem pelo seu conteúdo. Deprimem-me por serem tão repetitivos e surrealistas.

A contestação sobe de tom, claro, e o que querem os manifestantes? O que pede este povo f...do e mal pago, que teima em andar por becos e vielas escuras pela calada da noite e ser constantemente estropiado, em vez de ficar em casa com a porta fechada ao cadeado? "Governo para a rua!", é o que eles ambicionam para si e para os seus como panaceia de todos os males. Reparem como são normalmente os mais velhos quem mais entoa este refrão, ora a solo, ora junto com aquela rima pateta: "A luta continua, o Governo para a rua", cunhada nos idos tempos em que era comum os executivos cairem de seis em seis meses. Como tinha apenas dez anos quando Cavaco Silva venceu as suas primeiras eleições legislativas, não me recordo desses gloriosos tempos em que tinhamos um governo novo semana sim, semana não. Exageros à parte, tivemos 11 executivos em oito anos, entre 1975 e 1983, e o que resolveu essa alternância?

Deve ser ainda algum resquício da liberdade e da democracia adquiridas há tão pouco tempo. Vendo bem, 40 anos de democracia não são assim tanto tempo. É muito menos tempo que durou a União Soviética, e ainda nos falta muito para chegar à bonita idade do socialism em Cuba, do regime do partido único na China ou desse exemplo acabado de democracia pluralista e liberal que é a Coreia do Norte. Em suma, a nossa democracia ainda não está devidamente consolidada, e o cimento que a suporta são os insultos aos elementos dos Governo, alguns deles acusações gravíssimas, implícitas em adjectivos do tipo "ladrões" e "vigaristas", e palavras de ordem como "o povo unido, jamais será vencido" (muito kitsch, este) ou "a luta continua, o Governo para a rua". É que no tempo da outra senhora, o tio Salazar respondia-lhes com "mude-se quem está mal, todos já pró Tarrafal!".

Agora levemos este ensejo de mandar o Governo para a rua literalmente. Imagino o sr. PM, o dr. Paulo Portas e o restante executivo a abandonarem S. Bento cabisbaixos, a fazer beicinho, com uma caixa de papelão onde levam os agrafadores e as lapiseiras debaixo do braço, enquanto o povo aplaude em delírio. E agora? Novas eleições? Claro, ou isso ou a anarquia, um sistema (ou a ausência de um sistema) que nunca tentámos, mas aposto que seria uma desgraça maior que vinte governos disfuncionais todos juntos. E sabem os senhores quanto custam as eleições? Sabem quanto dinheiro daquele que se queixam de não ter se gastam em campanhas eleitorais? É irónico que os pobrezinhos vão aos comícios bater palmas e agitar bandeiras a um tipo que gasta num dia com aquela palhaçada o que eles não ganham num mês a trabalhar "para o boneco". Ia ser o máximo.

Por mim acabava-se com as eleições. Como em 2015 ganha o PS e quatro anos depois, quando António José Seguro se tiver tornado inimigo público nº 1, ganha outra vez o PSD, porque não um sistema de rotatividade em que cada partido governa durante quatro anos, dando lugar ao outro de seguida? Os deputados das restantes bancadas podiam ser escolhidos numa espécie de "reality show", tipo "Casa dos Segredos", e aqueles com que os espectadores mais simpatizassem iam para a Assembleia da República. Acho que no fim o vencedor seria Jerónimo de Sousa, que é um velhinho charmoso que dá bons conselhos aos mais novos e ainda tem jeito para arranjar os electrodomésticos avariados lá na casa. A certo ponto ia "pintar um clima" entre Nuno Melo e Ana Drago, enquanto Paulo Portas confessava que ainda era virgem.

Não se pense que esta alergia que tenho a esta demagogia de querer ver o Governo "na rua" tem algo a ver com alguma simpatia da minha parte com Pedro Passos Coelho. Nada disso. No entanto não posso deixar de sentir pena dele pelo papel que lhe deram neste filme: o de mau da fita. E o que acontecia se em vez de impôr este apertar do cinto aos portugueses, fosse generoso com eles, qual Pai Natal da Massamá? Aumentos para todos, empregabilidade total, mesmo que em 20% dos empregos não houvesse nada para fazer, um Mercedes novinho em folha à porta da vivenda com piscina onde viva cada família de Portugal? Vinha a oposição falar de despesismo, que o sr. PM "perdeu a cabeça", e seriam eles a lembrar que "o país está endividado até ao tutano". E depois de rei morto, rei posto, volta tudo ao mesmo, e o povão insatisfeito volta à carga, bradando "Governo para a rua"! É um disco riscado. Se os repórteres da RTP se dessem ao trabalho de entrevistar alguns deles, ia ser qualquer coisa como isto:

- Boa tarde, porque está aqui hoje?
- Porque o que é demais já chega, e é altura deste Governo ir prá rua!
- Muito bem, e quem são os elementos que compõem este Governo?
- Não sei quem são, mas sei onde deviam todos estar!
- Onde...?
- Na rua!

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