Mais uma semana que termina, e como é habitual à sexta ou ao Sábado, deixo-vos com o
artigo da edição de quinta-feira do Hoje Macau. Tenham um bom resto de fim-de-semana.
Macau é uma cidade visitada anualmente por milhões de turistas. Hordas de forasteiros entram pelas nossas fronteiras, pela terra, pelo mar e pelo ar, procurando a resposta à pergunta que cada vez mais se faz lá fora: “O que é que Macau tem?”. Além do mais que óbvio do jogo e quejandos, muitos chegam ao território sedentos de conhecer o que ficou dos quatro séculos de convivência Ocidente-Oriente, encontrar os vestígios da presença de uma potência estrangeira, neste caso Portugal, em terras chinesas. Os monumentos, as igrejas, as placas com os nomes das ruas, outras referências catitas tão únicas e que deixam sonhar com histórias de piratas e aventureiros, da macedónia de influências que moldou Macau a tornou um lugar único no mundo, que acicata a curiosidade de quem ainda não viu o que isto é. Claro que o tom elogioso com que descrevo Macau neste parágrafo é com a melhor das intenções, estilo “cartão postal”, sem ironia de espécie alguma. Uma aproximação mais redutora à estatística do número de visitantes passaria pelo jogo apenas, entre outras malandrices. Mas digamos que temos património e motivos de interesse quanto bastem para trazer até cá mais do que jogadores, branqueadores e outros usurpadores.
Para quem vive em Macau há alguns anos, e não serão precisos muitos, já viu e reviu o tal património que consta dos guias turísticos, e está farto de saber o que recomendar a um visitante mais desorientado que lhe peça ajuda. O Macau dos livros de História fica visto em menos de uma semana, e o que realmente tem interesse em termos de património edificado conta-se pelos dedos de uma mão. Quem conheceu Macau há dez, vinte ou trinta anos fica pouco impressionado com a transformação do seu centro histórico, uma amálgama de comércio insonso que alterna a opulência e o baratucho a cada porta, e a espaços é decorado com este ou aquele monumento. Para nós portugueses faz um pouco de confusão ver aquela malta toda a fotografar as Igrejas com a avidez de um burro que contempla um palácio. Qualquer paróquia mais humilde em Portugal tem uma igreja matriz que em nada fica a dever com as igrejas de Macau. As Ruínas de S. Paulo são o ex-líbris do território por excelência. Mas porquê, se não passa de uma escadaria em pedra que vai dar a uma fachada do que em tempos foi um convento/igreja? O que é aquilo comparado com o Mosteiro da Batalha, por exemplo?
Quem circula diariamente pela área que a Unesco distinguiu como património da humanidade sabe quão fácil é perder a paciência face às resmas de turistas que nos entopem o caminho. Os fins-de-semana, feriados, semanas douradas, prateadas e tudo mais são os mais críticos, e é interessante observar o comportamento de alguns dos forasteiros que nos visitam. A tendência da maioria é de se preocupar com o próprio umbigo, alheios ao que os rodeia. Parados no meio da rua ou em fila indiana seguindo um guia que os orienta através de uma vara com uma bandeirinha, um lenço ou uma cueca rendada na ponta, ignoram completamente o facto de existirem pessoas que aqui vivem e trabalham, têm coisas para fazer e sítios onde ir, e às vezes têm pressa. Sorte deles, que estão de férias e em viagem, mas pouco me importa se fazem beicinho quando me atravesso à sua frente quando estão a tirar fotografias da família, da namorada ou das pedras da calçada. Ainda estou para perceber o que leva alguns “tours” que por aí andam a ostentar na camisa um autocolante da agência de viagens que os levou até cá. Eu tinha vergonha. Já agora tatuavam na testa qualquer coisa do género “Não sou de cá, só vim ver a bola”.
Não duvido que existam turistas de qualidade, mesmo que poucos, que dotados da sensibilidade de quem ouviu falar das coisas boas de Macau nos honram com a sua visita. Mas ao contrário de outras cidades que convidam ao regresso ou a uma visita mais demorada, que transbordam de motivos de interesse e insistem em renovar constantemente o seu charme, Macau fica visto da primeira vez, e em poucos dias. Seria uma ingenuidade da minha parte pensar que podíamos aspirar à elegância e à estética de cidades como Paris, Barcelona ou Berlim, ou ao encanto cosmopolita de Hong Kong, Singapura ou Xangai, citando alguns exemplos mais próximos. Macau é o que é, e quem aqui regressa tem provavelmente mais que fazer do que simplesmente passear. E é pena. Preferia que tivéssemos qualquer coisa por descobrir, uma cartada mais para jogar, um ás na manga.
Mas não se pense que estou a cuspir no prato onde como, nada disso. Respeito o património e qualquer esforço no sentido de o preservar, a sã convivência entre pagodes e capelas deixa-me inchado de orgulho, e o número de turistas que nos visitam só peca por escasso. Venham muitos mais, e mais vezes, que nos invadam, que nos fotografem, que se metam no caminho, que encham os restaurantes e se atravessem no nosso caminho. Se acaso nos pisarem aquele calo mais sensível, respondamos com um sorriso amigo, e indiquemos o local mais próximo onde possam provar uma “portuguese egg tart”. E onde fica o lugar de interesse mais próximo? Fácil: é sempre cinco minutos a pé do local onde se encontram. E se no for, com toda a certeza que há um autocarro que os leve até lá.
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