Nós portugueses sabemos muito pouco dos espanhóis, a quem chamamos carinhosamente "nuestros hermanos", enquanto eles nos chamam "cucarachas" e outras coisas piores. Atravessando aquele enorme deserto que separa Lisboa da raia espanhola, entramos no território do nosso maior inimigo da História e sentimo-nos noutro planeta. Tratamos estes tipos que até são do mesmo estoque genético que o nosso com uma estranha reverência, como se eles fossem melhores que nós - esforçamo-nos por comunicar em castelhano quando os visitamos, e eles não se dignam a fazer um esforço para falar português quando retribuem a visita. E o que sabemos nós deles, realmente? Da sua cultura, além dos quadros de Picasso e Dali, dos mirós de Miró, que deram bronca aqui há uns tempos, ou dos filmes de Buñuel ou Almodovar? Por exemplo, que música é que os gajos ouvem? Sevilhanas, flamencos e pasodobles? Na, certamente coisas como Julio Iglesias, hmm...Juanes? Juan Lluis Guerra? Esperem, estes últimos são respectivamente colombiano e dominicano. E grupos de "rock", conhecem algum? Não, os La Frontera, que fizeram aquele dueto com os GNR, o "Sangue Oculto", é um grupo "folk". Quais foram os maiores êxitos da música espanhola nos anos 80? La Macarena? Não, isso foi nos anos 90. Vamos então lá ver o que é estes "hermanos" desnaturados punham no gira-discos enquanto esperavam por mais um episódio do "Verano Azul".
E vamos começar com estes "falsos espanhóis", os Righeira, que em 1983 tiveram um êxito em toda a Europa com este "Vamos a la playa", considerado um dos primeiros sucessos do italo-disco. Sim, porque estes Righeira eram compostos pelos italianos Stefano Rota e Stefano Righi (dois Stefanos, portanto), que achavam piada cantar em castelhano, e no ano seguinte "facturavam" outro sucesso com "No Tengo Dinero", um tema sempre actual, tanto em Portugal, como em Espanha. Curiosamente também em 1983 os franceses Paris Latino, outro grupo de música de dança, teve um êxito em espanhol com "Bandolero".
E que tal passarmos ao "heavy-metal" espanhol, e aproveitarmos para rir um bocado? Portanto, temos aqui um grupo chamado Barón Rojo, ou "barão vermelho", mas não confundir com o grupo brasileiro que deu a conhecer Cazuza, e estes até apareceram primeiro. Este tema "Los Rockeros van al Infierno", do álbum de 1982 "Volumen Brutal", é só uma amostra, mas estes metaleiros madrilenos liderados pelos irmãos Carlos e Armando Castro (os irmãos Castro, portanto) tinham discos e canções com títulos hilariantes. Senão vejamos: o LP de 1983 chama-se "Metalmorfosis", e no registo de 1985, "En el lugar de la marcha", a faixa de abertura é "Breakthoven", e do de 1988, "No va más", há o tema "Trampa y Cartón", e por aí fora. E isto é "heavy-metal" espanhol, meus amigos.
Mas pronto, se falamos de música espanhola, quer seja anos 70, 80 e depois disso, é inevitável falar de Julio Iglesias (para os mais novos, o pai de Enrique Iglesias), um favorito das senhoras. Em 1984 obteve uma espécie de reconhecimento internacional com o álbum "1100 Bel-Air Place", a cantar num inglês te-rrí-vel, e em 1985 lança "Libra", que vende 600 mil cópias nos Estados Unidos, e vale-lhe uma estreia no nº 1 do Billboard latino (?!). Dois dos temas deste LP são cantados em português, "Abril em Portugal" (do original "Coimbra", a tal "que é uma lição"), e este "Coração Apaixonado", um piscar de olho ao mercado brasileiro. Mas não está mal, não senhor. Melhor que o inglês dele, pelo menos.
Agora não se assustem, que isto é apenas Alaska y Dinarama e o seu êxito de 1986 "¿A Quien Le Importa?" (doro estes pontos de interrogação invertidos). Ora bem, este agrupamento de "synth-pop" com ares de "punk" a atirar para o Eurodisco era encabeçado pela cantora Alaska, nome de guerra de Olvido Gara Jova, que nasceu no México, filha de um exilado politico espanhol e uma refugiada cubana. Com esta ascendência, só podia mesmo ser uma rebelde, e de regresso a Espanha em meados dos anos 70 juntou-se à cena "punk", inspirando-se em Siouxsie Sioux - só que depois enganou-se na caracterização e acabou parecida com Boy George. Ainda nessa altura conheceu Nacho Canut, que mais tarde com Carlos Berlanga formou os Dinarama, que juntos com Alaska foram um dos grupos mais importantes da chamada "Movida Madrileña". Agora não sei se isto foi mesmo assim ou se estou enganado, ou a omitir algum facto importante, mas...¿A Quien Le Importa? Ahahah...sou tão espirituoso...
A primeira vez que fui a Espanha foi em Dezembro de 1986, quando fui aos caramelos a Badajoz 0 um ritual de iniciação de qualquer português a Espanha. Num supermercado lá daquela cidade da Extremadura "españuela" adquiri o single "La Puerta de Alcala", do duo Ana Belen y Victor Manuel (adoro escrever "y" em vez de "e"). Agora, porque é que fiz isto? Como seguia os "tops" europeus, e nesse Verão este tema esteve várias semanas no primeiro lugar em Espanha, tive curiosidade. Afinal não podia ser assim tão mau, e de facto não é; um original dos Suburbanos, uma canção com uma carga política e histórica interessante, ficou mais célebre por esta versão de Ana y Victor, que são um casal, assim ao estilo dos portugueses Broa de Mel, ou Armando Gama e Valentina Torres, mas com mil vezes mais sucesso. A "Puerta de Alcala" propriamente dita é um monumento madrileno, situado na Praça da Independência, e é uma das cinco portas de entrada da capital espanhola.
Y ahí está, viendo passer el tiempo.
Os Mecano, apesar de não serem muito conhecidos em Portugal, são um dos grupos ibero-americanos de maior sucesso, tendo vendido mais de 25 milhões de discos no mundo inteiro. Fundados em Madrid em 1981 pelos irmão nacho e Jose Maria Cano, juntou-se a cantora Ana Torroja, e até 1992 gravaram seis discos de originais, e em 1998 um sétimo, que anunciou o fim do grupo. Um dos seus temas mais conhecidos é este "No hay marcha en Nueva Iorque", do álbum "Descanso Dominical", de 1988. Depois dos Mecano, Ana Torroja seguiu uma carreira a solo.
E já que começámos na praia, porque não acabar na praia também? Só que enquanto os Righeira iam "a la playa", para os Los Refrescos (?), um grupo de "reggae", "ska" e "rock steady" de Madrid, "Aqui no ay playa", que foi o maior sucesso do Verão de 1989 em Espanha, ocupando o top-10 da lista de singles entre Julho e Agosto. Um pouco pessimista, que nos meses que mais convidam ir à praia, não haja praia. Ou "playa", neste caso. Bom, e agora vou parar, que tantos espanhóis a cantar já me encheram a cara de saliva. Espero que tenha sido do vosso "gusto". ¡Para que viva mas! (Epá, adoro isto, eh...eh...eh)
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