Fiquei perplexo com
esta notícia publicada na edição de hoje do jornal Hoje Macau, que dá conta de uma entrevista do deputado Mak Soi Kun ao canal chinês da Rádio Macau, onde este sugere que um dirigente público corrupto que tenha trabalho feito, é melhor que um que seja honesto, mas que não tenha feito nada: "Se os dirigentes não fizerem nada, os danos para a sociedade são piores do que aqueles que os corruptos causaram. É apenas um exemplo". Mak acrescenta ainda que muitos detentores de altos cargos bem como vários outros agentes públicos têm medo de errar, e por isso hesitam em tomar decisões, ou não tomam decisões, de todo. Ora, para mim, entre tomar uma decisão errada e praticar um acto ilícito vai uma grande distância. Ou se calhar sou eu que estou errado.
A notícia é da autoria da jornalista Cecília Lin, que domina a língua chinesa, e a não ser que exista aqui um (grave) erro de tradução ou algum mal-entendido, as afirmações do sr. deputado são graves. Muito graves, especialmente quando partem de alguém como Mak Soi Kun, que ainda no ano passado levou a sua lista União Macau-Guangdong (UMG) a um segundo lugar no sufrágio directo para a Assembleia Legislativa, obtendo mais de 16 mil votos, e conseguindo dois mandatos. Quem se submete ao voto directo, através do sufrágio universal e do voto secreto, e depois trata algo como a corrupção com esta ligeireza, arrisca-se a levantar fortes suspeitas quanto aos métodos utilizados para angariar o voto popular. E não me venham dizer que interpretei mal as palavras de Mak Soi Kun, e que ele está a referir-se ao laxismo que reina em alguns sectores e não à corrupção propriamente dita. Não me venham com essa, que também sou funcionário público, tenho o CCAC à perna a recomendar que recuse boleias e rebuçados, que tenha cuidado com as amizades, e a recordar-me a toda a hora do "espírito do servidor público", e depois isto? O que depreendo das palavras do sr. deputado é que o salário que me pagam só me obriga a comparecer ao serviço, de preferência a horas ou dentro do limite da tolerância, e que não faça a ponta de um corno. Para trabalhar, produzir, decidir ou resolver, ou seja, para fazer, é necessário uma "motivaçãi extra".
E isto é algo que me deixa um tanto ou quanto baralhado, senão vejamos: "não fazer nada" quer dizer isso mesmo, não fazer nada, enquanto a corrupção é um crime dos mais graves, daqueles que dão direito a uma temporada naquele Hotel insalubre algures em Coloane. Se o sr. deputado está a querer insinuar que cometer um crime, neste caso o de corrupção, é melhor do que não fazer nada, basta alterar os factores deste somatório da parvoíce e o resultado é o mesmo: não fazer nada
é pior do que cometer um crime. E foi com isto em mente que deixei hoje o serviço, depois de quatro dias a suspirar pelos feriados da Páscoa, e fui comprar uma garrafa daquele excelente (e muito em conta também) espumante alemão Riesling, e senti-me tentado a partir aquilo na cabeça de alguém, de forma a poder ser acusado de crime de ofensa grave à integridade física, ou melhor ainda, de tentativa de homicídio. É que nesta altura da minha vida, onde tenho encontrado alguns obstáculos e convém olhar bem onde ponho o pé antes de dar o próximo passo, não me dava jeito nenhum ser acusado de nada fazer. Temo mesmo pela progressão na carreira, e receio vir a perder pontos na minha próxima avaliação de desempenho, pois nos últimos tempos não me tenho aproveitado da minha posição para obter benefícios para mim ou para a minha família, não tenho usado informação privilegiada a que tive acesso para manipular a atribuição de concessões ou empreitadas, ou alterar o resultado de concursos. Enfim, não me consigo adaptar à modernidade. Sou um palerma, em suma.
Numa altura em que cresce o descontentamento de uma boa parte da mão-de-obra em Macau, numa semana em que a Lei Sindical levou pela quinta vez o "chumbo" na AL, e que é cada vez mais evidente o descontentamento da população com algumas das políticas do Executivo e o acentuar das diferenças entre competidores num mercado que se quer justo, o deputado ligado à plataforma da Associação dos Conterrâneos de Jiangmen vem-nos dizer "desistam, isto não é para vocês; o que chamam de 'corrupção' é o que nós chamamos de 'tabela', não há dinheiro não há palhaços, e vocês TNRs podem estar cobertos de razão, que ninguém vos liga nenhuma e nós temos 'graveto' para comprar um 'dream team' de advogados, entre os melhores da praça". E o CCAC anui, e fala em "falta de provas" com a mesma certeza que detém um desgraçadinho que anda a ganhar 20 ou 30 paus num esquema pindérico com senhas de refeição ou de gasolina, e chama àquilo "a luta por uma sociedade mais justa". Uma vez que descarto a possibilidade de erro de tradução, e não faço segundas leituras das palavras de Mak Soi Kun senão as de tentiva de branqueamento da corrupção e da ilegalidade, prefiro pensar que nesse dia o sr. deputado estava em baixo de forma. Esqueceu-se de tomar as pílulas, tomou a mais, enganou-se no frasco, sei lá, não o quero chamar de corrupto, nada disso, Deus me livre. E esta palavra, "corrupção", é tão feia que ofende. É óleo, meninos. É o óleo que faz andar a máquina mais depressa.
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