quinta-feira, 10 de abril de 2014

O binóculo do binómio


O tabagismo voltou a estar em debate esta semana na Assembleia Legislativa, nomeadamente a possível proibição total do fumo nas salas de jogo do território. Já existe uma proibição parcial, com a existência de salas para fumadores e para não-fumadores, mas a medida higienista parece não ter muitos adeptos entre os jogadores, e não agradam aos trabalhadores dos casinos, que continuam a queixar-se de exposição ao fumo nocivo dos cigarros - um tratamento discriminatório, dizem, atendendo a que todas as restantes profissões em Macau são exercidas em ambientes completamente livres de fumo. Só no primeiro-trimestre de 2014 registaram-se 778 queixas contra o fumo nos casinos, mas o Governo teme avançar com a proibição total, temendo que isso possa ter consequências para o pilar da economia de Macau: na hora de largar respeitáveis somas em dinheiro nas mesas de jogo, os apostadores não levariam a bem ser repreendidos por estar de cigarro na boca, certamente.

Esta é um dos dossiês com os contornos mais fársicos entre os que temos aqui pelo enclave. A maior parte dos deputados diz-se "a favor" da proibição total do fumo nos casinos, incluíndo, pasme-se, a secretária-executiva da SJM, Angela Leong. Agora pergunto eu: porque não avançam eles com uma proposta de legislação nesse sentido, em vez de ficar à espera que o Executivo o faça? Se "a maioria" está a favor, não temem certamente que seja chumbada. A verdade é que o Governo não avançará com uma proposta desta natureza, portanto bem podiam os deputados ser unânimes neste ponto, que de nada adiantava. Até lhes fica bem a verve higienista, mesmo que não lhes agrade de todo ou considerem danoso para o negócio dos casinos, mas fosse esta pescadinha de rabo na boca servida aos srs. legisladores lá no hemiciclo, e iamos ver quantos deles se atreviam a servir-se de uma posta.

Au Kam San, deputado do Novo Macau, assumiu-se como um dos que está na linha da frente na proibição total, mas serviu-se de um exemplo descabido para firmar esta sua posição: "Nas viagens de avião é estritamente proibido fumar, há vôos de 10 ou mais horas e nem por isso as pessoas deixam de fumar". É um facto que os fumadores têm que ir a "ressacar" de um terminal até ao outro quando decidem viajar, mas da mesma forma que estes são obrigados a ficar várias horas sem alimentar o vício, também os restantes passageiros abstémios não estão obrigados a ficar fechados numa cabine durante horas a aguentar com o fumo dos outros. O mesmo se pode aplicar a um hospital, umas termas, um "spa", uma escola ou um recinto desportivo: é tudo uma questão de respeito pelos outros. Agora um casino não é propriamente um parque infantil, e ninguém lá vai com o propósito de cuidar da saúde. Imagine-se um tipo que acaba de perder tudo o que tem numa mesa de poker, de seguida acende um cigarro e o "croupier" adverte-o de que este hábito "pode sair-lhe caro". É descabido, não?

Chan Chak Mo aproveitou para ter um momento de claridade, e chamou a atenção para o essencial: não dá para proibir o fumo nos casinos, e ponto final, pois isso teria consequências para lá de desastrosas - O troféu de La Palisse 2014 para o sr. deputado Chan Chak Mo. Depois de mais uma intervenção hilariante de Fong Chi Keong, no seu habitual tom paternalista de conteúdo bacoco, foi preciso Leonel Alves entrar em acção e dar um tom sério ao debate. Segundo o deputado macaense, é irrealista pensar em proibir o tabagismo nas salas dos casinos, e que existe aqui "um binómio", ou seja, este é um trabalho sujo, mas alguém tem que o fazer. Portanto o melhor é começar em considerar a hipótese de compensar estes trabalhadores, ora através de subsídios, de seguros, em suma, dando-lhes mais dinheiro para ver se finalmente se calam. O que Leonel Alves quis dizer, noutras palavras e dando às mesmas uma interpretação livre, foi o seguinte: "estes gajos é cimo se já estivessem mortos, portanto vamos ver se lhes damos um doce".

Outra dúvida que me apoquenta: serão todos estes trabalhadores dos casinos tipos e tipas assim tão saudáveis? Nenhum "croupier", segurança ou barista fuma? E mesmo que fumem, não é isso que está em causa, pois todos os restantes trabalhadores de todos outros serviços e das mais diversas profissões aprenderam a aceitar a vitória dos não-fumadores, que são uma maioria e têm todo o direito de passar o dia a trabalhar numa ambiente onde se respire um ar que contenha o menor número possível de agentes cancerígenos. Lá porque se trabalha num casino, onde os nervos andam à flor da pele nas mesas de apostas e nas "slots", o que são estes profissionais menos que os outros? E depois é o desfecho igual em todos os filmes do género: o dinheiro fala mais alto. Qual é o bate-fichas que vai dizer que também fuma, e que nem sequer se importa com o fumo dos outros, quando tem mais a lucrar ficando caladinho ou caladinha? E sigam as apostas, com as "odds" a dizerem que o Governo neste assunto, vai optar por tapar o buraco com dinheiro.

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