Hoje foi 25 de Abril, comemoramos o que deixámos para trás, a 24, e olhamos com confiança para o amanhã, que será o 26 - pelo menos vamos ver se é desta. Contra esses velhos do Restelo, dediquei
esta semana o artigo do Hoje Macau. Para quem ainda não leu, aqui vai, e espero que gostem. Continuação de um bom feriado para todos aí desse lado, do país da Revolução dos Cravos.
Foi neste dia há exactamente quarenta anos que Portugal viveu o último dia debaixo da mão autoritária ditadura do Estado Novo, que durou 48 anos. Atendendo a este facto, pode-se dizer que ainda é cedo para fazer um balanço do que foram quatro décadas de democracia. Quem tem hoje 88 ou mais anos “ainda não se habituou”, e se calhar ainda pensa que estes 40 anos “são uma fase”, e que um dia destes “deixamo-nos de brincadeiras”, e volta tudo a ser como antes do dia 25 de Abril de 1974 – regressamos ao 24 de Abril. Ai que estávamos tão bem. Estávamos muito melhor, então não era? Eu não sei, não estava lá e não vi nada, mas “pior do que está agora é impossível”. Se isto “está cada vez pior”, se cada Natal “é o pior de sempre”, o desemprego e os cortes são tantos que “qualquer dia pagamos para trabalhar”, e sinceramente “não sei onde isto tudo vai parar”, é sinal que “caminhamos para o abismo“, e para complicar ainda mais as coisas, nunca mais lá chegamos.
Esta coisa do 25 de Abril foi um barrete. Oiçam com atenção os gajos que nem eram nascidos no tempo do Estado Novo, ou que ainda liam pela cartilha do imenso império que se estendia “do Minho até Timor”, em que “todos eram igualmente portugueses”, fossem eles nascidos no Bombarral ou no Quelimane. Porque haviam de nos querer largar a mão, estes nossos irmãos, se os macondes dançavam o vira no planalto de Mueda e em Panguim os gentios aprendiam a rezar a Deus, ao único e ao verdadeiro, e não àqueles de faz-de-conta, com seis braços e tromba de elefante. Era cada macaco no seu galho – salvo seja, salvo seja. Escutaram os senhores? Muito bem, agora recomendem-lhes um bom psiquiatra, ou um lar da terceira idade mais ou menos decente onde possam curtir a demência até que o doce abraço da morte os leve deste mundo terrível, onde mal ou bem se podem eleger os Governos, sair do país quando bem se entender, dizer o que se pensa sem ser preso e ir de Lisboa ao Porto de carro em menos de nove horas. "Não era assim tão mau, o problema era a PIDE”, dizem eles em sua defesa. Realmente era tudo uma maravilha, desde que não se abrisse a boca para protestar, mesmo que nos estivessem a “papar” inteirinhos – era só passar um bocadinho de vaselina e já não doía tanto. Quando os jovens de hoje, esses “preguiçosos que não sabem nada”, escutam os avós a bradar inanidades do género “no meu tempo vivia-se com quinhentos mil réis por mês e um papo-seco custava dois tostões”, ficam boquiabertos a pensar: “que língua é esta”, e “o que é réis, tostões e papos-secos?”. E a educação, que agora está na moda dizer-se que nos tempos da outra senhora “tinha mais qualidade”? De facto não falta quem assine por baixo dessa ridícula presunção, ao ponto de se chegar mesmo a afirmar que “um diploma da 4ª classe valia mais que muitos cursos superiores hoje em dia”, e que “se aprendiam os rios e as serras”. Sim, bem sei que a negligência do meu sistema educativo pós-abrilesco me vai sair cara um dia, quando numa situação de vida ou de morte não souber que o rio Tua nasce da junção dos rios Tuela e Rabaçal, ou que o cultivo da castanha era a principal actividade económica das populações da Serra da Gardunha até 1930.
No período a seguir à revolução que amanhã assinala o seu 40º aniversário, e após assentar a poeira levantada pelos excessos do PREC, começaram a surgir os “saudosistas”, os tipos que achavam que antes é que as coisas andavam na linha – e se calhar andavam, pelo menos para eles. Na geração seguinte apareceram os neo-saudosistas, uns fedelhos que sem saberem do que falam afirmam peremptoriamente que no tempo do “tio Salazar” é que isto era bom, que “não existia criminalidade”, e depois de olharem para um lado e para o outro para se certificarem que não chegam a casa com uns dentes a menos, sussurram “…e os pretos estavam todos em África”, e concluem com algo do género “não se viam aí essas poucas-vergonhas, como a pedofilia, por exemplo”. E se calhar não se via mesmo, e eu próprio também nunca vi um esquimó, portanto posso afirmar categoricamente que os esquimós não existem. E sabem o que mais não tínhamos antes desse malfadado dia 25 de Abril? A SIDA! E a pornografia “online”. Vêem, como estávamos mesmo melhor?
Quarenta anos depois de nos terem posto à frente a democracia, não soubemos o que fazer com aquilo. Até podia ser que a intenção fosse boa, e talvez a culpa seja daquele maldito gene lusitano, que nos torna alérgicos à pontualidade, à organização e à gestão racional em nome de um bem comum, em vez dos caprichos individuais. Ironicamente, e já com uma democracia plena, firmada, e com idade para ter juízo, elegemos o tal Salazar como “o maior português” da nossa quasi-milenar História. E digo ironicamente porque o próprio Salazar não era lá grande adepto de eleições, o que vendo bem até nos poupava algum tempo, pois no fim ele ganhava na mesma. Se tantos suspiram pelo 24 de Abril, será que se pode dizer que aprendemos alguma coisa com o 25? Quem sabe um bom par de tabefes dado pelos pides ou umas férias naquela sauna “vintage” que dava pelo nome de Tarrafal ajudasse a uma reflexão mais profunda.
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