sexta-feira, 18 de abril de 2014

A má educação


Saudações! Espero que tenham passado uma santa sexta-feira, e que tenham feito a coisa mais cristã, e esfolado barbaricamente um cordeiro. Eu como adoro feriados, sou incapaz de acordar num desses dias com cara de sexta-feira santa. Assim como conclusão de mais uma semana de emissão do Bairro do Oriente, gostaria de vos deixar com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, que não é propriamente "A Paixão de Cristo" nem o "Jesus Cristo Superstar", mas pronto, sempre é um a coisa nova, ao contrário deste "replay" anual que é a Páscoa. Obrigado por terem ficado desse lado, e tenham um bom fim-de-semana prolongado.

Caros leitores e leitoras: fomos enganados, ludibriados, iludidos, coisados e mal pagos. Estivemos desde tenra idade expostos à radiação da mentira, adquirindo valências que nos formaram valores distorcidos, através da inoculação de morais fajutas, resultando numa falta de preparação que em muitos casos nos tem causados os mais variados dissabores. Aconteceu com os nossos pais e avós, aconteceu connosco, com os nossos filhos, e senão fizermos algo, e já, para impedir a propagação deste terrível vírus para as gerações futuras, estaremos a perpetuar o erro, a falsidade, a farsa, eternizando a subjugação às elites que controlam esta forma de controlo das mentalidades, que nos foi impingida inocentemente na forma de ficção, e que foi passando de boca em boca como a herpes. É claro que falo dos contos infantis, essa floresta de enganos de onde saem os lobos maus e habitam as bruxas más desta vida. Estes contos aparentemente inocentes e que supostamente contêm moral e ensinamentos que devemos aplicar em situações concretas das nossas vidas, padecem de uma falácia em matéria de credibilidade tal, que seriam facilmente refutados pelas instâncias judiciais em qualquer estado de Direito que se preze – e em que outro “estado” gostariamos nós de viver e de deixar para os nossos descendentes? Julgais que ensandeci, ó mole de crentes na carochinha, e na fábula onde esse insecto acasala com um mamífero roedor? Eis alguns exemplos com que ilustro esta terrível e elaborada conspiração.
A história da Cinderela, por exemplo, também conhecida na sua versão portuguesa por “Gata Borralheira”, que mais parece o nome de uma velha fadista prostituta e tabaqueira. A jovem em questão, possivelmente menor de idade (até prova em contrário), desobedece à sua guardiã ou tutora, uma respeitável e abastada senhora que a acolheu no seu ambiente familiar, apesar da ausência de laços sanguíneos que a tal obrigassem, e descurando as mais elementares tarefas domésticas de que foi incumbida, intromete-se num evento social destinado a adultos, mesmo sem para tal ter sido convidada. Uma vez na festa, onde ostenta uma indumentária alegadamente oferecida por uma tal “fada madrinha”, permanece até bem depois da hora do recolher obrigatório, e passa a noite a oferecer-se descaradamente a um elemento da realeza, quem sabe se com a intenção de que este a ajude no arranque da sua carreira de modelo e actriz. Inebriado pelo charme púbere da tal Cinderela, o nobre em questão desposa-a, trá-la para o seio do “jet-set” e providencia os meios para que possa realizar as suas pretenciosas ambições. Anos mais tarde, um óscar, alguns globos de ouro e várias cirurgias plásticas depois, assina uma auto-biografia onde escorraça a mãe e irmãs adoptivas, entretanto falidas e ostracizadas pela implacável trituradora da “high society”. É este o exemplo que queremos transmitir para as nossas filhas, estimado leitor ou leitora?
Outro exemplo gritante desta má educação que nos tem sido transmitida: um tal João, criança oriunda de uma família em risco – e não me surpreendia que fosse de etnia cigana – trespassa os limites da propriedade de um robusto e endinheirado senhor, roubando-lhe uma galinha aparentemente mutante, que produz “ovos de ouro”, e ainda outros objectos de valor. Na tentativa de reaver os seus bens, o lesado é vítima de uma cilada montada pelo pequeno patife, que lhe provoca uma queda com consequências fatais. Que mensagem é esta queremos que os jovens apreendam? O desrespeito pelo bem alheio? O homicídio como solução para evitar uma acusação de roubo? O conceito que uma transação fraudulenta como sejam “feijões mágicos” pode eventualmente originar avultados retornos em termos de investimento,? Serei apenas eu a considerar isto horrivelmente errado?
No mesmo tom, o da delinquência juvenil, temos a história de Hansel e Gretel, ou em português, João e Maria (que original…). Estas duas crianças são abandonadas pelos pais e perdem numa floresta – note-se a recorrente temática do abandono e da desagregação familiar – e acabam por ir ter a uma casa feita de bolo de gengibre, que se apressam a devorar. A proprietária da tal casa, uma idosa indefesa, detem-nos antes que consumam por completo a sua humilde moradia, mas mesmo assim dispõe-se a alimentá-los. Em retorno as crianças assassinam barbaramente a velha, empurrando-a para dentro de um forno aceso, com o pretexto de que “era uma bruxa”, que “pretendia comê-los”. Mas vamos lá ver, a senhora diz ou insinua em alguma parte deste tenebroso conto que vai comer os dois irmãos? Existiam na propriedade ou nas suas imediações esqueletos ou restos mortais de outras crianças? Afinal a casa era feita de pão de gengibre ou de carne humana? Os pressupostos onde assenta a legítima defesa destes jovens são baseados em meras suposições, e no preconceito de que qualquer cidadã sénior que resida sozinha numa floresta é necessariamente uma “bruxa”, e “canibal”. No mundo actual e em circunstâncias normais, João e Maria seriam confinados a um estabelecimento prisional destinado a menores, e referenciados como elementos “potencialmente muito perigosos” para a sociedade.
E ainda há mais, muito mais. No conto do Capuchinho Vermelho, por exemplo, temos uma passagem onde um lobo devora literalmente uma idosa, ou ensinam-nos que um tal Pinóquio é dotado da capacidade de fazer crescer descomunalmente um orgão cada vez que conta uma mentira, ou quem um tal Branca de Neve, uma jovem solteira, habita numa cabana na floresta com sete anões, um enredo que lembra certas porno-chanchadas brasileiras dos anos 70. Para terminar em beleza, nada como uma referência ao abuso sexual de menores, na forma de uma fábula sobre um flautista, que descontente com a verba auferida por um trabalho de desratização que efectuara numa certa localidade, seduz todas as crianças ali residentes com uma melodia pedófila, acabando por as sequestrar. Os autores destas conjuras dão pelos nomes de Charles Perrault, Carlo Coloddi, Benjamin Tabbart e uns tais irmãos Grimm, entre outros, que fazendo uso de uma poderosa arma de persuasão e propaganda dissimulada na forma de algo tão insuspeito, vêm há séculos praticando a corrupção das mentes incautas. Fica ao critério do leitor tomar a acção ou as acções adequadas a esta autêntica agressão a que estão sujeitas as nossas crianças, mas por mim vou passar a certificar-me que as minhas só terão acesso a literatura reespeitável, desde o educativo e sempre útil Maquiavel, passando pelo bom Marquês de Sade, e não deprezando as obras completas de Henry Miller. Como é difícil, a arte de educar…

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