Não se fala de outra coisa em Macau nos últimos dias: o edifício Sin Fong Garden, um prédio habitacional de 30 andares situado na Rua da Ribeira do Patane, e que passou a ser notícia em Outubro de 2012, quando os seus (milhares de) moradores foram obrigados a sair devido a risco de ruína. Passados 20 meses desde o início desta novela que mexe com uma das vacas sagradas da economia do territória - o imobiliário, ou melhor dizendo, a especulação feita em volta do mesmo - é normal que não se puxe o tema todo o santo dia, mas desde a passada semana têm-se dado desenvolvimentos interessantes. Bem vindos a uma história de decepção, traição, desilusão, e tudo por causa da porcaria do betão.
Recapitulando o que toda a gente já sabe: em finais de 2012 começavam-se a fazer obras de preparação num terreno ao lado do edifício Sin Fong, com vista à construção de mais um lucrativo bloco de moradias para habitação. Durante estes trabalhos preparatórios foram encontradas fissuras na estrutura do prédio, e após uma rápida inspecção, concluiu-se que não era seguro permanecer no Sin Fong. Os moradores ficaram em estado de choque, e sem saber muito bem o que fazer, mas não tiveram outra opção senão seguir as recomendações emitidas pelas Obras Públicas, e sairam mesmo. Várias petições, inspecções, peritagens e algumas manifestações pelo meio, tudo parece apontar para que a culpa da situação do Sin Fong deve-se à pobre qualidade do betão utilizado na sua construção, e todos os dedos foram apontados à empresa de construção encarregada da obra, a Hong Chu Kei, cujo principal responsável é Ho Weng Pio, conhecido empresário da construção civil. O Governo, que desde o início do caso disponibilizou-se a auxiliar as despesas de alojamento dos moradores do Sin Fong descarta qualquer responsabilidade, e apesar de deixar em aberto o apoio às obras da estrutura danificada, recusa liminarmente pagar uma eventual reconstrução total do prédio. Restava aos moradores do Sin Fong a via judicial, mas sendo esta uma opção morosa que arrastaria durante vários meses - senão anos - esta crise, ficou-se esta semana a saber que um grupo de associações e empresários resolveu criar um fundo de 160 milhões de patacas a crédito e sem juros para financiar o levantamento de um novo Sin Fong.
O terreno onde se encontra levantado o Sin Fong foi concedido pela antiga administração da então província ultramarina de Macau à Associação de Beneficência Tong Sin Tong, no já longíquo ano de 1946. Já nos anos 90, a empresa de Ho Weng Pio, já então um profícuo empreiteiro e a caminho de se tornar um magnata, resolve construir então o Edifício Sin Fong. Ironicamente o nome do edifício em chinês é composto pelos caracteres 善 (sin, ou "bom") e 豐 (fung, ou "abundância"). Bom terá sido o negócio para quem vendeu a sua fracção antes de toda esta confusão, e o preçode cada uma andava na ordem dos 4,5 e os 5,5 milhões de patacas em Julho de 2012, três meses antes da bronca estalar. Abundantes foram os problemas para quem ficou a morar no Sin Fong. Logo que se soube do caso, começaram a correr rumores de que o Governo iria "abafar" o escândalo, prontificando-se a reconstruir o edifício, ou compensar generosamente os proprietários, e ainda se falou de mais ou dois edifícios que estariam possivelmente nas mesmas condições. Depois de se ficar a saber que o Governo não ia dar a nada a ninguém e os moradores do Sin Fong ficaram na rua com os seus cacaréus, os tais edifícios ficaram logo bons, com uma estrutura eija, sãos que nem um pêro, e nem cataclismo os fará abanar um milímetro. Safa!
O Executivo, que vê na especulação imobiliária um meio para alguns residentes poderem rentabilizar o seu investimento, vendendo por dez vezes mais aquilo que lhes custou um imóvel que à partida nem metade disso valia, disponibilizou-se a alojar temporariamente os moradores do Sin Fong, e antes que pudessem pestanejar, os proprietários das moradias nas vizinhanças aumentaram o preço do aluguer das mesmas. Foi feito então um apelo ao bom senso, em vão, lógico, pois em Macau pratica-se uma economia liberal muito própria. É mais ou menos assim, em ordem crescente: economia semi-liberal/economia liberal/economia neo-liberal/economia ultra-liberal/Macau. Mas não era isto que o Governo queria, e o próprio Chefe do Executivo chegou a afirmar? Que o mercado "é livre", e "não se deve interferir"? Ora aqui têm os bons alunos, com a lição bem estudada. O tempo foi passando, os moradores ficaram fartos de esperar por uma solução, e tentaram regressar a Sin Fong, sendo impedidos pelas autoridades. Já na última semana acamparam à porta do edifício, os ânimos foram se exaltando pontualmente, e chegaram a haver pequenos confrontos com a polícia. Agora chegou a hora de emitir uma opinião pessoal sobre este caso. Fosse eu um dos proprietários do Sin Fong, e não arredava dali pé. Isso mesmo. Quando viessem evacuar o edifício, escondiam-me debaixo da cama, dentro de um armário, ou trancava-me na casa-de-banho. Seria uma verdadeira Ann Frank, resisitindo às SS nazis da especulação imobiliária.
Mas o tempo passa para todos, e para alguns, esse tempo é dinheiro. A empresa de Ho Weng Pio, a braços com projectos ambiciosos e caros, vê este caso do Sin Fong a empatar-lhe a vida, e a complicar-lhe as contas. Assim estes 160 milhões que agora vêm "desencravar" esta unha são uma ninharia, comparados com os retornos que terá a concretização de um certo projecto na ilha de Coloane, de que apenas se fala em surdina, mas que já deu que falar aqui há tempos quando o responsável de uma certa associação embirrou com uma casamata plantada no meio da ambiciosa empreitada. E olhemos para quem contribuíu para este fundo e de quem o vai gerir, e vemos como estamos bem entregues. O dinheiro para a reconstrução do Sin Fong vem na maioria da própria Tong Sin Tong, e da Associação de Conterrâneos de Jiangmen, além de outros empresários ligados ao sector da construção. A gestão fica a cargo de uma sociedade, a Macau Empresa Social, Lda., uma espécie de "dream team" de malta endinheirada com ligações ao poder: desde o arquitecto Eddie Wong, a quem foi atribuído no ano passado o milionário projecto do desenho do novo hospital público, Chui Sai Cheong, irmão do Chefe do Executivo, o nosso bem conhecido Fong Chi Keong, Peter Lam e Liu Chak Wan, ambros membros do Conselho Executivo, entre outros. O próprio Ho Weng Pio é um dos 30 sócios desta empresa, mas não sendo administrador, não pode meter as mãos na massa - e só faltava mais essa. Lembram-se daquele clássico de Martin Scorsese, "Goodfellas", que foi (muito bem) traduzido para "Tudo Bons Rapazes" na versão portuguesa? Aqui estão eles. Fossem 40 sócios em vez de 30, e a pergunta que se impunha era esta: quem é o Ali Babá?
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