Para mim falar de Jorge Palma é um prazer, como "palmaníaco" que sou desde pequeno, ou pelo menos desde a primeira vez que escutei este cantor, compositor e letrista que contribuiu como poucos para a germinação daquilo que é hoje a música moderna portuguesa. Nascido em 1950 em Lisboa, Jorge Manuel d'Abreu Palma começou a aprender piano ao mesmo tempo que aprendia a ler e escrever, com apenas 6 anos. Estudou no Conservatório de Lisboa e participou em vários festivais em Portugal e no estrangeiro. Aos 14 anos começou a interessar-se pela música "rock" e abandonou a influência clássica, juntando-se em 1969 ao grupo Sindicato, de onde faziam parte Rão Kyao, Edmundo Falé, e outros. Em 1971 gravou o seu primeiro single a solo "The Nine Billion Names of God", e só começaria a escrever letras em português por influência de José Carlos Ary dos Santos, que foi seu mestre na arte da poesia escrita para música. Esta cooperação resultaria no EP "A última canção", lançado em 1973, que continha quatro temas, dois deles da autoria de Ary. Foi nesse ano que Jorge Palma emigrou pela primeira vez, partindo para a Dinamarca, com o propósito de evitar uma eventual ida para África, onde ainda se dava a Guerra Colonial. Foi na Escandinávia, onde lhe foi concedido asilo politico, que casou com a sua primeira mulher, Gisela Branco. Entretanto dá-se o 25 de Abril, e regressa a Portugal, juntamente com muitos outros músicos que por uma razão ou outra se encontravam no exílio fora do país.
Participa em 1975 do Festival RTP da Canção com dois temas, ao lado de Fernando Girão, mas fica muito longe de vencer. No mesmo ano grava o seu primeiro LP, "Como uma Viagem na Palma da Mão", que continha os clássicos "Poema Flipão", "O velho no jardim" ou "O fim". Dois anos depois grava aquele que é provavelmente o primeiro grande disco de "rock" português de cantautor, "'Té Já", de onde se destacam "Eles já estão fartos", "Podem falar", "Maçã de Junho", "Meio-Dia", e a primeira versão daquele que é um dos seus temas mais emblemáticos, "Bairro do Amor". Em 1979 sai o terceiro registo, "Qualquer coisa prá música", que contém este "Terra dos Sonhos", uma canção que é um hino a qualquer coisa que se quiser entender, um autêntico murro na mesa, muito à frente do seu tempo. Este video foi gravado num concerto ao vivo no teatro S. Luiz, em 1994.
Cansado de andar a pedir "qualquer coisa prá música", Jorge Palma volta a deixar o país nesse ano de 1979, em vésperas do "boom" do rock nacional, e decide ir tocar para o metro de Paris - uma opção aparentemente mais lucrativa para a época. Volta dois anos depois, e pelos vistos cheio de ideias, ao ponto de gravar um duplo álbum a que dá o título "Acto Contínuo". Daqui saíram belíssimos temas, alguns mais conhecidos, como "Eu Fui um Lobo Malvado", "À Espera do Fim", "Portugal, Portugal" e este "A Gente Vai Continuar", ou outros "só para conhecedores", como são os casos de "Junto à Ponte", "Mifá" ou "Vem, Chuva Vem". Não se inserindo no que se podia considerar "mainstream", Jorge Palma vai aceitando tudo o que lhe aparece que ajude a pagar as contas, e compõe e interpreta o tema em do genérico em português da série "Wind in the Willows", que fica intitulada exactamente "Vento nos Salgueiros".
Em 1983 nasce o seu primeiro filho Vicente Palma, que hoje é igualmente músico, filho do seu segundo casamento, com Graça Lami. Em 1984 grava "Asas e Penas", que além do clássico "Canção de Lisboa", inclui ainda o lindíssimo "Estrela do Mar", onde Palma demonstra ser exímio no piano. O disco contém ainda uma dedicatória filho recém-nascido, o instrumental "Castor", que era a alcunha pelo qual o pai lhe chamava. Depois disto começa a ficar com uma agenda mais preenchida, dá vários concertos em Portugal, e é convidado para alguns em Espanha, França e Itália. Falta-lhe contudo chegar ao mercado mais jovem, que prefere uma sonoridade mais minimalista e mais "rock"
Em 1985 sai mais um registo de originais, "O Lado Errado da Noite", cujo tema homónimo se debruça sobre a prostituição na noite de Lisboa, e inclui outros clássicos como "Jeremias, o Fora de Lei", "O Homem Invisível" e "Cara D'Anjo Mau" (um dos meus favoritos), e ainda o single "Deixa-me Rir", aqui interpretado num concerto ao vivo no CCB em 2003, que introduz um público mais vasto ao cantor. O álbum ganha o "Sete de Ouro" e o "Troféu Nova Gente" para disco do ano, e vale a Jorge Palma uma apresentação na Aula Magna, cuja aderência fica aquém das expectativas. Ainda não é desta que Palma se torna marca registada.
Em 1986 Jorge Palma termina o Curso Gweral de piano, e lança o trabalho "Quarto Minguante", provavelmente o menos bem conseguido do seu reportório. Isto ficou a dever-se a um desentendimento entre o músico e a sua editora, a EMI - Valentim de Carvalho, que rejeitou o projecto de um documentário-musical que daria também material para um disco de originais, e ficaria intitulado "Onde Vais Tu Esta Noite". Foi considerado "inviável", mas no ano seguinte os U2 arrebatavam os fãs e a indústria com um projecto semelhante, "Rattle and Hum". De "Quarto Minguante" merecem destaque o tema que baptiza o álbum, e ainda este "A Caminho de Casa". Já agora peço desculpa pelos videos, ou pela falta deles, pois Jorge Palma estava a milhares de anos luz de ser um isco para a MTV.
Em 1989, já com a etiqueta da Polygram, sai "Bairro do Amor", a obra-prima de Jorge Palma, o seu "magnum opus". Além de ver regravado o velhinho tema que dá o nome ao disco, aqui neste video interpretado com Lena D'Água no programa "Deixem Passar a Música", em 1986. Além deste tema estavam lá o "jazzístico" "Frágil", outro dos temas de referência da sua discografia, o lindíssimo "Passos em Volta", os inspirados "Boletim Meteorológico" e "Uma Vez", "Minha Senhora da Solidão" e "Só" - um Jorge Palma inspiradíssimo. Contudo isto não se reflectiu nas vendas ou nos tops, e ficou como objecto de veneração dos "palmaníacos".
Na década de 90 Jorge Palma não gravou um único disco a solo. Saíram duas colectâneas, uma delas contra a sua vontade, lançada pela EMI - Valentim de Carvalho. Em 1991 lançou "Só", um disco onde grava alguns dos seus temas mais conhecidos sozinho ao piano, e em 1993 junta um grupo de amigos a quem chama "Palma's Gang", e grava um disco ao vivo durante um concerto no Rock Rendez-Vous, onde faz uma reciclagem do seu trabalho mais antigo. Fez um dueto com Mafalda Veiga, "Tatuagens", que aqui record agora em vídeo, colaborou com Flak, guitarrista dos Rádio Macau, e participou ao lado de Vitorino, Rui Veloso, Tim e João Gil nos projectos Rio Grande e Cabeças no Ar.
Finalmente em 2001 sai o primeiro registo de originais em 12 anos, um homónimo que ficou conhecido por "Proibido Fumar", devido a um letreiro que se vê na capa, e em frente ao qual Palma está a acender um cigarro. Três anos depois sai "Norte", e mais três anos até "Vôo Nocturno", e em 2011 chega o seu mais recente trabalho, "Com Todo o Respeito". Pelo meio ficaram ainda dois albums ao vivo, em 2002 e 2008. As vendas e os concertos corriam bem, e finalmente o talento de Palma era reconhecido, depois dos 50 anos - mais vale tarde que nunca. De "Vôo Nocturno" o single de apresentação foi "Encosta-te a Mim", e no video vemos uma nova geração de músicos que vêm beijar a mão ao padrinho, bem como outros amigos que não quiseram ficar de fora. Actualmente com 63 anos, Jorge Palma continua a ser, como era há mais de 40 anos, puro "rock'n'roll". Agora digam lá, ó chavalos, não gostavam de ter um avô assim?
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