terça-feira, 15 de outubro de 2013

A brincar com o fogo


A questão da importação de “croupiers” é o maior dilema do Executivo, o que mais dores de cabeça lhe vai dar num futuro próximo. De um lado temos os trabalhadores dos casinos que não querem ver os seus lugares em risco ou a possibilidade de um trabalhador não-residente ter prioridade sobre ele numa eventual promoção. Do outro lado temos os casinos que se queixam da falta de mão-de-obra qualificada, e na eventualidade de pensarem numa expansão das suas operações, a falta de mão-de-obra, ponto final. Como agradar a uns sem aborrecer os outros, sabendo que é impossível satisfazer ambos? É como o dilema do homem que precisa atravessar o rio com uma couve, um carneiro e um lobo, e só pode levar um de cada vez.

Neste ringue de boxe temos no canto direito milhares de residentes, uma percentagem significativa da população. No canto da esquerda temos os casinos, o único impulsionador da economia. O juíz é o Executivo, e por enquanto decide-se por um empate técnico. Garantir aos “croupiers” que não serão dadas quotas aos casinos que lhes permitam recrutar pessoal do exterior pode fazer tremer os pilares da economia, e perante a concorrência de outros países e territórios da região que começam a apostar no jogo, pode levar a um desinvestimento por parte das concessionárias locais. Deixar os casineiros irem buscar quantos trabalhadores estrangeiros quiserem, de onde quiserem e para a posição que muito bem entenderem vai levar milhares às ruas em protesto,e a manifestação de quinta-feira foi apenas uma “preview” do que pode acontecer. A tão apregoada “harmonia” ia dar o badagaio, e depois só restaria o caos social, o pânico, a anarquia, lojas saqueadas e incendiadas, violações, cães que miam e gatos que ladram.

Por enquanto o Executivo comporta-se como aquele senhor que fica à porta de casa de mão extendida a ver se chove, hesitante entre sair e ficar em casa, e no caso de optar por sair, se deve ou não levar guarda-chuva. Mas o tempo urge e a realide tem os dentes mais aguçados que um tubarão branco, e morde com a força de um crocodilo. O que vão decidir quando os casineiros lhes baterem à porta e lhes disserem que têm negócios em agenda e precisam de mão-de-obra que Macau não lhes oferece, pelo menos em número suficiente para realizar os seus projectos? Dizer-lhes que “esperem para ver se chove” não é opção, uma vez que neste mundo do jogo a máxima “tempo é dinheiro” aplica-se mais do que em qualquer outra actividade, e se não lhes dão o que querem eles “enrolam as lulas”, recorrendo a uma expressão local, e mudam-se para as Filipinas, Singapura ou Taiwan.

Entendo a preocupação dos trabalhadores locais do jogo, e compreendo que ambicionem a progredir nas suas carreiras, e de como dever ser uma chatice ser preterido por um forasteiro numa promoção. Claro que a indústria deve dar prioridade aos locais, pois é aqui que prolifera e deve retribuir melhorando a qualidade de vida da população, começando por garantir a sua empregabilidade. O problema é que não apresentam soluções para uma putativa escassez de mão-de-obra. E se os casinos precisarem mesmo de recrutar mais trabalhadores e não exista um número suficiente de locais disponíveis? Não podem apenas “porque não”? Fica tudo parado? Assim estão-se a comportar como a criança birrenta que não sabe usar um brinquedo e por isso estraga-o, para que mais ninguém possa brincar. E não me venham dizer que as reivindicações destes “croupiers” não são de teor xenófobo. São tão xenófobos, não sabem porquê e nem tentam sequer disfarçar.

Uma grande parte destes trabalhadores dos casinossão jovens que abandonaram os estudos na altura da liberalização do sector do jogo, por volta de 2005, pois acharam que já sabiam tudo o que precisavam de saber, e por isso o melhor é deixarem-se de tretas e começar a ganhar dinheirinho, que é bom e eles gostam. Já nessa altura se chamou a atenção para a possibilidade de uma geração oca de gente sub-qualificada, que ficaria “com as calças na mão” perante a possibilidade da fonte secar, o oásis acabar e ser necessário Macau diversificar a sua economia. São mão-de-obra que percebe pouco ou nada de gestão, de finanças, de economia e do que quer que seja além de dar cartas e contar fichas. Não têm capacidade de ocupar certos cargos e também não querem que ninguém de fora os ocupe. São como o assistente de bordo que cola a fuselagem solta do avião com uma pastilha elástica porque “assim chega muito bem”, e ai da companhia de contrata um mecânicos de aviões para fazer o trabalho.

É preciso ter em conta que a indústria do jogo continuará a crescer, a expandir-se e a investir enquanto os lucros continuarem a aparecer. Não seria de esperar que estagnasse, sabendo que estão a fazer rios de dinheiro, e que podem fazer mais ainda se apostarem na expansão. E se para isso for necessário ir buscar recursos que Macau não lhes pode garantir, porque não? Com os cofres a abarrotar e uma taxa de desemprego residual (eu chamar-lhe-ia “taxa de alergia ao trabalho”) qual é o problema em recrutar não-residentes, sejam eles filipinos, indonésios, tailandeses ou chineses do continente que estudam em instituições de ensino superior do território? Pelo menos esses estudam. Com os desafios que Macau tem pela frente no sentido de garantir que qualquer dia isto entra tudo em “tilt” e o COTAI se transforma numa ruína sem interesse turístico, é preciso pensar duas vezes. Cortar os braços e as pernas ao progresso em nome de uma pretensão irrealista, de um finca-pé sem sentido, é estar a brincar com o fogo.

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