A adaptação do silabário estrangeiro ao dialecto cantonense leva a que os falantes deste último não reconheçam por vezes o nome de uma personalidade, país, cidade ou local. Um chinês que tenha crescido a ouvir e falar o cantonense e obtenha toda a sua formação nessa língua, veja televisão em chinês e leia jornais chineses, tem dificuldade em identificar alguns nomes, mesmo que domine uma língua estrangeira, que na maior parte dos casos é o inglês. Actualmente os líderes das duas maiores potências mundiais, os Estados Unidos e a Rússia, têm nomes que se adaptam bem aos sons do cantonense: Obama (Ou pa-ma) e Putin (Pou-ting, que soa a “pudim”), mas no passado tivemos um “Lei-kan” (Reagan) e um “Kou pa tcho-fu” (Gorbatchov). Curiosamente todos os nomes eslávicos terminados em “ov”, têm essa terminação traduzida em cantonense para “fu”.
Se perguntarmos a um chinês se conhece Elvis Presley, não é de espantar que o nome não lhe diga nada, pois o “rei” é conhecido entre os chineses por “mao wong” (貓王), ou “rei gato”. Julgo que isto tem algo a ver com um dos cognomes que Elvis ostentava, “Hilbilly Cat”. Mesmo os dirigentes chineses, que no Ocidente são conhecidos pelo seu nome original em Mandarim, os orgulhosos “kwong-tongs” chamam pela versão traduzida no seu dialecto. Mao Zedong é “Mou ché-tong”, Deng Xiaoping é “Tang siu-peng” e o mais recente Hu Jintao fica “Wu kam-tou”. Por incrível que pareça, não me consegui fazer entender quando falava de Bo Xilai, o mediático ex-líder do PC de Chongqing caído em desgraça. Ainda hoje não sei ao certo pronunciar o seu nome em cantonense.
Quanto aos locais, há preciosidades que convém aprender. Por exemplo, Macau é localmente conhecido por “Ou mun”, como muitos dos leitores sabem, e mesmo os que chegaram recentemente já devem ter percebido que Macau em cantonense não se diz “Ma Kau”. Este “Ou Mun” significa qualquer coisa como “porta da baía”, ou “entrada da baía”. Outro nome pelo qual Macau era conhecido é “Kiang Wu”, exactamente, o mesmo da infame auto-intitulada Associação de Beneficência que manda nisto tudo. “Kiang wu” significa “espelho do lago”, e o hospital com o mesmo nome fica situado na Estrada do Repouso, que em chinês se chama “Kiang wu ma lou”. Em tempos pensei que “kiang wu” significava “repouso”, um erro inocente fruto de uma associação lógica de palavras. É para ficarmos a saber estes promenores que convém interessar-se pela História de Macau.
Saíndo de Macau e dando a volta ao mundo, percebemos que os chineses não identificam muitos dos países que conhecemos pelo seu nome em português ou inglês. A maior parte das nações são conhecidos por uma tradução da sua sonoridade original, e há semelhanças que podem dar origem a alguma confusão. Por exemplo: Marrocos e Mónaco pronunciam-se mais ou menos da mesma forma, e há muito boa gente que os confunde. Áustria e Austrália são passíveis de não serem distinguidas uma da outra, tal como a Suíça e a Suécia – confusões que muitos ocidentais menos dotados de conhecimentos geográficos fazem também, aliás. Recentemente li numa reportagem do Hoje Macau sobre trabalhadoras não-residentes que “muitas empregadas domésticas no território são indianas”. Queriam dizer “indonésias”, certamente, e tratando-se de uma citação inserida numa entrevista em cantonense a uma figura local, trata-se de um erro de tradução, com toda a certeza. Ilustra bem o meu ponto, em todo o caso.
Sendo que muitos países “levam” com uma tradução do seu nome, há casos que são “chapa”: Canadá é “Ka na-tai”, México é “Mak sai-ko”, Holanda é “Ho-lan”, Itália é “Yi ta-lei”, e por aí fora. No entanto algumas nações são designadas por um caracter traduzido do seu nome original acrescido do caracter “kok” (國), que significa “país”, ou “nação”. Assim a Inglaterra é “Ying-kok”, a França é “Fat-kok”, os Estados Unidos são "Mei-kok". Existem alguns preciosismos que convém ter em atenção, relacionados com o nome do país no seu idioma original. Por exemplo, a China é conhecida por "chong-kok", do mandarim "zhong guo", que significa "país do meio". A origem deste nome foi explicada na segunda parte do artigo
A China de a Z, precisamente na letra "z". Alemanha é "Tak-kok", sendo este "tak" derivado do nome original "Deutschland". Saíndo do âmbito dos "kok", Grécia diz-se "Hei-lip", traduzido do original Hellas, e Croácia, um país de que a maioria dos chineses sabe muito pouco, é "Hak lo tei-hai", tradução do nome em croata do país, o quase impronuncíavel "Hravstka".
A pergunta que está na mente de todos será certamente "como se diz Portugal?". Portugal é "Pu tong-nga" (Pu Tao Ya, em mandarim), e isto tem muito que se lhe diga. "Pu tong" significa uva, e "nga" é dente. Portugal, cujo nome em cantonense é literalmente "uva dente", sofre de uma tradução esquisita da língua chinesa. Somos um país de vindimas, mas não ao ponto de sermos designados por "uva". Quanto ao dente, a Espanha sofre do mesmo problema, pois do nome "Si pa-nga", o "nga corresponde também ao caracter de dente. Isto leva-nos a deduzir que as sílabas "gal" e "nha" ficam em cantonense "nga", que na falta de algo melhor, recorre-se aos dentes. Quem tem dentes toca viola. Não, esperem, isso são unhas.
Ainda a propósito de Portugal, Lisboa diz-se "Lei si-pun", uma tradução algo fiel ao original. Numa das minahs aulas de chinês, um colega levantou uma questão pertinente: "se Lisboa se diz "Lei si-pun", porque é que o Hotel Lisboa se chama "Pou Keng"?". Interessante, sem dúvida. Isto porque este "keng" significa capital, a maior cidade, como em Pak Keng (Pequim), capital da China. Assim "Pou Keng" significa a capital de Portugal, ou seja, Lisboa. O Hotel London, situado na Praça Ponte e Horta, é conhecido por "Ying Keng", ou seja, capital da Inglaterra. Londres diz-se "Lun-ton", mais próximo do original.
Falar dos nomes das cidades daria um artigo extensivo, mas prefiro condensar o tema a este. No entanto há uma curiosidade que não resisto partilhar. A capital do estado norte-americano do Hawaii, Honolulu, é conhecido por "Tang heung-san" (檀香山), que significa "montanha de insenso". Este nome tem a ver com a massiva emigração de chineses para o arquipélago do Pacífico para trabalhar na indústria da produção de incensoe, perfumes e cosméticos. Em Macau existe uma cadeia de restaurantes conhecida entre os portugueses por "Honolulu", e pelos chineses por "Tang heung-san". Penso que sabem a qual me refiro.
Entedermo-nos com os chineses de Macau quando se trata de política ou de geografia requer um pouco de adaptação, e dá jeito ter algum cantonense na manga quando queremos explicar de que personalidade, país ou evento estamos a discutir. Muita da ignorância com que nos deparamos por vezes não tem a ver com burrice ou desinteresse pela actualidade mundial. É apenas uma questão de ligar os nomes, e é preciso não esquecer: a China é grande q.b. para encher o disco da memória, e o mundo fica para segundo plano.
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