Um dos meus prazeres mais sádicos é assistir a imagens de carga policial sobre adeptos de futebol arruaceiros. Antes que começe a onda de indignação sobre o que acabei de escrever, queria deixar claro que repudio o abuso da autoridade, o uso desnecessário ou excessivo da violência e tudo isso, mas há muitos casos em que as supostas “vítimas” não são assim tão inocentes quanto isso. Entre os tais adeptos de futebol que se queixam pode haver alguns que tenham levado por tabela, mash á outros que levam e sabem muito bem porquê. Enquanto entoam cânticos racistas acompanhados de poses neo-fascistas e atiram para o rectângulo de jogo moedas, garrafas e outros objectos são os reis do mundo e arredores. Quando a polícia de choque começa a distribuir cacetada começam “ai ai mãezinha, ai ai espera, espera!”, como quem pede que as autoridades sejam razoáveis com eles, coitadinhos, que só estavam a aliviar o “stress”. Enquanto atiravam laranjas para o relvado não esperaram por nada nem por ninguém, porque o havia de fazer a polícia na hora de retribuir a “fruta”?
A polícia tem o dever de zelar pela segurança dos cidadãos, e não tem o direito de se aproveitar da sua posição de autoridade para os molestar sem motivos para isso, ou como se designa actualmente, fazer “bullying”. Mas há situações onde não cabem o diálogo e a negociação, e a violência é a única linguagem que se fala. Numa manifestação onde um grupo de delinquentes se aproveita do caos para partir vidros e saquear lojas ou pegar fogo a automóveis, o que é suposto a polícia fazer? Pedir-lhes encarecidamente que parem e sejam bons meninos? Como deve responder a polícia de choque a manifestantes que mal os avistam atiram-lhes com paus, pedras da calçada e garrafas de vidro? Aguentar e dizer: “tem cinco minutos para parar com isso, e findo esse período damos mais dois ou três para pensarem melhor”. Ou se calhar o melhor é pedirem desculpa pelo incómodo e voltarem para a esquadra, e deixar os pobrezitos partir, queimar e roubar à vontade. Bater-lhes é que não, coitadinhos.
Quando a polícia exerce violência justificada, repito, justificada sobre os civis está a cumprir o ser dever de proteger os outros civis, os ordeiros e cumpridores da lei que podem estar a correr perigo perante os comportamentos marginais dos outros. Como amantes da democracia e da liberdade ficamos chocados com as prisões arbitraries ou outros atentados aos direitos humanos tantas vezes cometidos por alguns estados autoritários, onde essa autoridade é exercida de forma mais musculada. Mas um aspecto que não posso deixar de considerar positivo nesses estados é a recusa de negociar com terroristas. O presidente russo Vladimir Putin, por exemplo, foi criticado pela forma como lidou com o sequestro de uma escola na Ossétia do Norte por parte de separatistas chechenos, quando mandou avançar a polícia, o que custou a vida a alguns dos reféns. Mas a situação ficou resolvida, e os sequestradores morderam o pó. Foi “limpinho, limpinho”, como dizia o outro. O que devia ser feito? Dar-lhes o que eles pediam, e assim passar a mensagem a outros que esta é uma forma eficaz de obter o que se pretende?
Em Macau, apesar da “harmonia” ditar as suas regras, temos alguns casos de excesso de zelo da parte das autoridades, felizmente sem consequências muito sérias. Os casos mais graves terão sido o do polícia que disparou cinco tiros numa manifestação do Dia do Trabalhador, ou da fotógrafa portuguesa que ficou ferida quando a polícia de choque usou um canhão de água sobre um grupo de manifestantes. É preciso saber analisar as situações e medir o perigo, dar uma resposta adequada às situações. Não se dispara ou se usa canhões de água sobre manifestantes desarmados, e quando tudo o que estão a fazer é segurar cartazes e a gritar palavras de ordem. Mesmo que aparentem estar muito alterados, o que é apenas natural; “uma manifestação não é um chá dançante”, citando um personagem muito conhecido por estas bandas. Outro caso muito badalado foi o da detenção de dois activistas que tentaram entregar um manifesto a um membro do governo chinês, e para tal tentaram abordá-lo de forma pacífica. A polícia cumpre apenas ordens, mas dá a entender que existe talvez alguma falta de pulso, uma confusão nas directivas dadas às autoridades, que por vez leva os agentes a agir de forma irreflectida e compulsiva.
Se por um lado temos exemplos de excesso de zelo, por outro há situações que requerem um pouco mais de imposição da autoridade, que nunca chega a acontecer. Como em muitas outras coisas em Macau, aqui temos o oito e o oitenta. As agências de segurança privada, cujos serviços são requisitados por bancos, ourivesarias, casas de câmbio ou outros locais onde existem valores e circula muito dinheiro, impõem tanto respeito como um puto traquinas de oito anos armado de um fisga. Esse pelo menos ainda tem uma fisga, estes agentes que encontramos à porta destes estabelecimentos nem isso têm. No máximo estão armados com um cacetete, muito pouco no evento de entrar ali alguém armado, ou se dê uma altercação que envolva um grupo mais numoroso. Desconfio que estes seguranças, muitos deles trabalhadores não-residentes oriundos do continente ou das Filipinas, têm mesmo ordens para não usar a força no caso de se dar algum incidente. No fundo fazem apenas figura de corpo presente, pouco mais do que isso. São capazes de intimidar algum cidadão mais nervoso ou refilão, mas terão problemas caso lhes surja pelo frente algum deliquente mais perigoso.
O edifício onde trabalho, onde funcionam várias repartições públicas, tem a segurança a cargo de uma dessas companhias privadas. O que salta de imediato à vista é a “economia” que fazem em matéria de recursos. A maior parte dos seguranças são senhoras com uma aparência tão frágil que dificilmente intimidam uma criança mais malandreca, e entre os homens conta-se um idoso, com uma aparência que sugere que terá passado a idade da reforma,um filipino e um chinês de estatura média, e o chefe de todos eles, um corpulento nepalês formado nos famosos Gurkhas, e com experiência em cenários de guerra. De longe o mais qualificado de todos. Provavelmente o único. Perante as situações que requerem a sua intervenção, estes seguranças demonstram uma passividade alarmante. Tenho a certeza que não é por culpa própria, ou por cobardia, mas porque as suas directivas assim o exigem. Se um utente causa distúrbios, limitam-se a observar de perto, sem mexer um dedo ou abrir a boca, e num caso recente assisti a um caso onde um destes utentes dava uma descompostura num dos agentes, uma senhora, e esta limitava-se a ouvir, de cabeça baixa, sem qualquer tipo de reação.
Um dia destes estava na área de atendimento de uma das repartições uma mulher a gritar e a bradar obscenidades aos funcionários dessa repartição. Esta mulher, que é repetente neste tipo de incidentes e sofre de perturbações mentais, berrava cada vez mais alto à medida que a ignoravam. A segurança que fazia o turno àquela hora limitava-se a observar, como é hábito, mas a situação começava a passar dos limites do tolerável, e o tal chefe da segurança nepalês foi chamado a intervir. E o que aconteceu a seguir? Ela gritava, ele gritava com ela, ela respondia, e assim foram passando mais alguns minutos e a louca eventualmente desistiu e foi embora, talvez por ter ficado afona de tanto berrar. O que devia ter sido feito? Pegar na mulher pela gola da camisa e atirá-la porta fora para o olho da rua, e pouco importa que caia em cheio com a tromba no passeio. E que outra alternativa para resolver o problema? Chamar a polícia e passar um atestado de nulidade à empresa de segurança responsável pelo edifício.
Há situações que requerem medidas mais drásticas, em que o senso comum prevalece: para grandes males, grandes remédios. No exemplo que acabei de dar, ninguém ia acusar o nepalês de brutalidade ou abuso de autoridade se arremessasse a mulher problemática pela porta do edifício. O que podia ela fazer? Ir à esquadra e reclamar o seu direito a causar distúrbios num local público, perante dezenas de testemunhas e registos de vídeo que provam que ninguém a provocou? É notório que a administração tem adoptado uma política de primazia do utente sobre o agente público, uma versão muito própria da máxima “o cliente tem sempre razão”. Existem limites para a tolerância, e se há casos onde por vezes se esgota a via da diplomacia, há quem nunca deixe essa via aberta, optando pela hostilidade desde o início. Para quem perde a razão ou nunca chegou a tê-la, não há cá rebuçados nem paninhos quentes. Lembra-se do aconteceu àquele que disse para darmos a outra face? Foi crucificado. Não deixe que lhe aconteça o mesmo.
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