Uma vez de férias em Portugal, quem não mata as saudades de um bom frango no churrasco? A pele estaladiça que se come toda, a carne nem muito seca nem muito sumarenta, mas “au point”, as batatas às rodelas da Pala-Pala, só de pensar começa a dar-nos água na boca. As churrasqueiras são a nossa morgue de eleição, onde cadáveres de frangos vão rodando lentamente no forno, cozendo no próprio sumo e adquirindo a uma tez bronzeada de pele. Depois do forno crematório, são cortados, embrulhados, enfiados num saco e levados para casa, onde chegam sempre com uma frescura a toda a prova, nem que a viagem tenha sido de três horas. Toma lá e embrulha, McDonald’s, que vende porcarias que não sobrevivem meia-hora aos rigores do pacote.
Os proprietários destas churrasqueiras, que são normalmente um tipo de comércio familiar, são personagens únicos. Nasceram para aquilo, são uns predestinados. Quando Deus criou o mundo, dotou cada animal de um propósito: “tu és a galinha, e os teus ovos, as tuas miudezas e a tua carne servirá de alimento ao homem, tal como da tua gordura será feita a nutritiva canja”. Logo a seguir veio o homem da churrasqueira: “...e tu encarregas-te da forma mais deliciosa de massacrar o animal anterior”. Eles podem não ter nascido para assar frangos na brasa, pode ser que nunca tenham dito na escola que queriam ser isso quando fossem crescidos, mas estavam cunhados para essa função. Foi o destino.
É Sábado e já passa do meio-dia, e não sabemos o que fazer para o almoço. Vamos até à churrasqueira mais próxima, e há sempre alguma a dez minutos a pé de casa, em busca de uma solução rápida, económica e deliciosa, e que ainda por cima enche sempre a barriga, até aos mais comilões. Quando lá chegamos deparamos com um destes dois cenários: 1) Estão lá dois ou três fregueses a ser atendidos, e o homem da churrascaria diz-nos: “É um franguinho, é, amigo? Só um minuto e eu já o atendo” ou 2) Encontramos a loja vazia, dizemos “fáxâvôr” em voz alta, e das entranhas da cozinha sai o homem dos frangos, a limpar as mãos besuntadas de gordura com um pano, e que com um ar de compaixão nos diz: “Olhe só agora é que comecei a assar os frangos...se quiser pode voltar daqui a meia horinha ‘tá bem?”
Aqui percebemos como o homem da churrasqueira, o “Rei dos Frangos” daquela freguesia, é um profissional de verdade. Ora nos deixa na expectativa com aquele “já o atendo”, e mesmo que em vez de um minuto sejam cinco ou dez, ficamos com água na boca, e até começamos a sentimos o sabor do frango na boca. Na pior das hipóteses, diz-nos para voltar “daqui a meia-hora”, pois acabou de fazer a autópsia aos frangos, dar-lhes a extrema unção com molho secreto, e deixou-os no crematório, de onde sairão para satisfazer o nosso paladar. Dá-nos uma garantia de qualidade – chegámos a más horas, no início do ritual de sacrifício das aves, mas fiquemos tranquilos, que em meia-hora acaba tudo, e já não há mais dor nem fome. É um médico-legista e um psicólogo ao mesmo tempo. É o dr. Pinto da Costa dos frangos.
Na hora de nos calhar em sorte um dos frangos tombados em combate na grande guerra do churrasco, o carrasco pergunta-nos “como quer que corte?”, e nós respondemos “tanto faz”. O que dá vontade de dizer é “...e como quer que eu lhe responda?”. Depois pergunta-nos se queremos piri-piri. Agora dá para levar o picante num saquinho, mas antes era o tudo ou nada: ou levávamos o frango virgem, ou desflorado com uma pincelada de molho vermelho. Os homens dizem “pode ser mas só um bocadinho, que a minha mulher nāo gosta”. Típico do macho tuga, que para ter uma desculpa para mamar mais uma Super Bock, sujeita a esposa a passar um dia inteiro cheia de cólicas. O homem da churrasqueira abana a cabeça com uma cara séria, enquanto passa o pincel com piri-piri no frango. Apesar de parecer saber o que faz, a quantidade de piri-piri é sempre a mesma, quer tenhamos pedido “só um bocadinho”, ou que lhe dê “um banho de picante”.
A churrasqueira é o expoente máximo da confecção dos galináceos. Quem gosta de carne de galinha – e desconfiem de quem não gosta – adora frango no churrasco, com toda a certeza. A localidade algarvia da Guia, de onde dizem ser originário, deu sem querer um contributo de monta à humanidade, e não sei como ainda não foi lá a UNESCO declarar aquilo património. Em Macau há tentativas de frango no churrasco, que por muito bem intencionadas que sejam, não chegam aos calcanhares de um Rei dos Frangos de Alcabideche, ou da Marateca. Talvez porque lhes falte o mais importante: o único, o autêntico, o gordurento...homem do churrasco!
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