sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Lições de cantonense, parte V: nomes de guerra


Os chineses, especialmente os de Macau e de Hong Kong, escolhem nomes ocidentais para se distinguirem das centenas de indivíduos com quem partilham o mesmo nome. A composição de um nome em chinês consiste do apelido em primeiro lugar, o nome de família do pai, e depois dois nomes próprios, normalmente palavras com conotações positivas, nomes poéticos, que atraíam boa sorte, fortuna, prosperidade ou sucesso. Para que não se tratem todos por “A-hong”, “A-san”, “A-si” ou “A-keng” escolhem um nome ocidental, que ao mesmo tempo facilita o contacto com estrangeiros, especialmente professores, ou no caso de viajarem para o estrangeiro, onde esta coisa dos nomes chineses e dos seus significados são um mistério.

Os gostos, especialmente no que toca aos nomes ingleses, são discutíveis. Há quem escolha nomes sólidos e fáceis de memorizar, como Peter, David, John ou Thomas, para os homens, e Mary, Susan, Lisa ou Sandra, para as mulheres. Alguns tentam ser tão criativos ou originais que os resultados acabam por ser desastrosos. Já conheci chineses com nomes como Monkey, Funky, Lion ou Fish. Outros adoptam nomes à toa, por vezes diminutivos, sem sequer saber o nome original. Uma vez conheci um Freddy, e ao perguntar-lhe se isso era um diminutivo para “Alfred”ou “Frederick”, respondeu-me “nenhum, apenas Freddy”. O mesmo acontece com Joe, Bob ou Ken. Os que optam por “nomes de guerra” portugueses, ora porque aprenderam português ou apenas porque sim, ficam dotados de um pouco mais de dignidade. São conhecidos por António, Francisco, José ou Joaquim, e nunca por Tó, Chico, Zé ou Quim, se saberem muito bem o que isso significa.

Como alguns sons dos nomes ocidentais não existem não existem no cantonense, casos dos “erre”, “esse”, “zê”, “nh”, “lh”, ou os ditongos “ão”, “õe” e “ãe”, entre outros, os nomes são adaptados ao silabário local. Os nomes estrangeiros são um caso interessante; como o “j” não se pronuncia, e nem o “s” no final das palavras, “James” precisa de ser adaptado para o silabário do cantonense, e fica “Tim-si”. “Victor”, na ausência dos sons “vi” e “or”, fica “Fek-ta”, e Paul, com aquele complicadíssimo “aul” que lhes é um conceito abstracto, fica reduzido a “Po”. No caso de “Michael”, o “mai” até sai, mas o pior é o resto, daí que seja necessário adaptar-se para “Mai-kou”. Mesmo que um falante do cantonense seja fluent em inglês, não se inibe de pronunciar os nomes estrangeiros da forma que considera mais prática. Assim “Carol” passa a “Ké-lou”, Peter fica “Pei-tá” e “Richard” num “Lei-tchat” – e cuidado com aquele traiçoeiro “tchat”.

No caso dos nomes portugueses, especialmente dos apelidos, sempre um caso sério para os chineses pronunciarem, é preciso decompô-los em sílabas mais compatíveis com o cantonense. Quando escolhem um nome em chinês que permita que um potencial cliente local os identifique, os advogados usam normalmente uma tradução do seu apelido: Gomes fica “Kou Mei-Si”, Santos é “San Tou-Si” e Correia passa a “Kou Lei-Ah”, e por aí fora. Na altura de escolher, convém ficar atento a um detalhe: para os chineses, o primeiro caracter do nome é o apelido, e convém escolher um que exista entre as famílias chinesas. Caso tenha um apelido que seja intraduzível para um homólogo chinês, opte por um dos mais comuns, como “Chan” ou “Wong”. Convém não inventar muito, para não estragar, e acabar com um nome cómico ou bizarro para um chinês que o leia. Há quem queira escolher um nome chinês e entregue essa missão a um especialista no assunto, que procura um nome forte, algo com bom “fong-soi” que traga boa sorte e sucesso. Depende da importância que se dá a esse particular. Na próxima parte desta rubrica vou abordar a adaptação para chinês dos nomes portugueses mais elaborados.

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