Chegámos a Domingo, e desta vez temos uma saborosa tolerância de ponto à porta em vez de uma deprimente segunda-feira. Para quem vai trabalhar uma boa semana de trabalho, e para quem goza da tolerância um bom feriado. Como já é habitual, fica aqui o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, para quem ainda não leu.
A “semana dourada”, expressão para designar o período em que os chineses do continente gozam férias, o que acontece apenas duas ou três vezes por ano, trouxe a Macau milhões de visitantes, praticamente todos do outro lado da fronteira das Portas do Cerco. Os feriados do Dia Nacional levaram ao território hordas de turistas do continente, que tomaram de assalto a zona comercial da cidade e os principais pontos de interesse histórico-cultural oco, onde o mais importante é haver lojas à volta onde os nossos hóspedes possam aliviar a comichão na carteira. Se já era difícil aos residentes circular pelo centro nos dias normais, tornou-se quase impossível fazê-lo durante a semana passada, com algumas das ruas a assemelharem-se a uma praça onde se realizava um comício ou um concerto de “rock”. Eles voltaram de bolsos a abanar e carregados de compras, e os comerciantes locais com a caixa a abarrotar de “cacau”. Para os operadores da restauração, do jogo e da hotelaria foi garantidamente uma semana dourada. Para os outros residentes foi mais um frete. Depois de distruibuirem o tesouro pelos corsários do costume, pode ser que sobre qualquer coisinha para nós. Uma esmolinha que sirva de lubrificante, para não doer tanto da próxima vez.
É durante estes períodos em que os nossos compatriotas do continente nos dão a honra da sua visita que circulam nas redes sociais relatos que dão conta de alguns comportamentos menos correctos da sua parte. Estes incidentes, muito deles ilustrados com fotografias, mostram sobretudo condutas consideradas reprováveis pelos parâmetros locais, com destaque para a satisfação de certas necessidades fisiológicas fora dos locais destinados a esse efeito,e muitas vezes em público, perante o olhar de centenas de estranhos. Já quase todos vimos as imagens que circulam pela internet que mostram crianças a urinar na via pública, em cestos do lixo, e num caso que ficou célebre aqui ao lado em Hong Kong, numa garrafa de plástico à mesa de um restaurante frequentado por outros clientes. Não é fácil tolerar este tipo de comportamentos que consideramos pouco civilizados, e o choque cultural leva a que os locais não vejam com bons olhos a invasão dos continentais, por muitos benefícios que tragam para a economia, dependente do turismo e do jogo.
O problema não é exclusivo a Macau e a Hong Kong, regiões onde a presença de potências estrangeiras durante séculos e a ausência de contacto com a grande China até muito recentemente dotou os seus residentes de uma mentalidade mais próxima do Ocidente, nomeadamente dos hábitos de higiene e de etiqueta. Os turistas chineses, um mercado que dificilmente qualquer país do mundo ignora, viajam agora praticamente para toda a parte. O novo-riquismo e a falta de contacto com outros povos e culturas levam a que estes turistas se comportem exactamente como se estivessem no seu país, o que muitas vezes é mal recebido nos locais que visitam. A frequência com que estes desaguisados culturais têm vindo a ocorrer levaram os responsáveis do Turismo na R.P. China a emitir um guia de boa conduta, onde são dadas instruções aos turistas chineses de como se comportarem durante uma viagem ao estrangeiro. Uma medida que se pode entender como pragmática por parte das autoridades do continente, humorística pelos estrangeiros, e embaraçosa para os turistas.
Nem todos os turistas chineses são mal comportados, barulhentos, rústicos que sorvem a sopa, palitam os dentes com as unhas, cospem no chão ou aliviam as fossas nassais na via pública. Os mais jovens, os mais educados ou aqueles mais viajados sabem exactamente como se comportar, e mesmo no seu país já não imitam os hábitos reprováveis dos seus pais e avós. É humilhante para quem se sabe comportar civilizadamente quando lhe passam para a mão um manual onde se lê que não é correcto urinar numa piscina, arrancar os pêlos do nariz em público ou “furar” uma fila. Imaginem que os serviços alfandegários de país qualquer proíbia que os portugueses transportassem consigo na bagagem bacalhau ou salpicão por razões de higiene? Ficariamos revoltados; aliás, nunca mais nos calávamos. Pessoalmente ficaria revoltado se algum dos meus hábitos pessoais, que só a mim dizem respeito e não interferem com a liberdade ou o bem-estar de outros fosse censurado. E que conversa é essa das mulheres usarem brinco em Espanha, para não parecerem nuas? Desde quando é passou a ser obrigatório usar brincos? Aqui quem fica mal visto são os espanhóis, não os chineses.
Uma das recomendações deste guia fala da mania que os turistas chineses têm de levar consigo o colete salva-vidas que se encontra debaixo dos assentos do avião. Não são apenas os chineses que se acham no direito de levar consigo um “recuerdo” do avião, que em rigor devia ser devolvido à companhia quando termina a viagem. Muitos alegam que “têm esse direito, pois pagaram pelo bilhete”. Permitam-me fazer aqui de advogado do diabo, mas aqui até lhes dou alguma razão, apesar de um colete salva-vidas ser um mau exemplo como lembrança que se pode levar de um vôo. Atendendo ao elevado preço que se paga por um serviço medíocre, sem falar das taxas, onde se é transportado como gado, sem o mínimo de conforto e sujeito a longas esperas, “check-points” e atrasos, é algum crime surrupiar uns “head-phones”, um copo ou um par de talheres? Mas isso são contas de outro rosário.
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