A entrevista de Jason Chao ontem ao Ponto Final foi a prova que faltava da rotura que muitos especulavam existir na Associação do Novo Macau. O presidente reeleito dos democratas - depois de uma moção de desconfiança que apresentou contra si mesmo, rejeitada pela maioria dos restantes membros - falou do fracasso eleitoral de 15 de Setembro, das divisões no seio da associação, das suas diferenças com Au Kam San, e dos seus planos para o futuro, entre outros temas. Uma entrevista interessante e esclarecedora.
O Novo Macau sofreu nestas legislativas a sua maior derrota eleitoral de sempre, e pela primeira vez desde que concorre, desce no número de votos expressos e de mandatos, passando dos três em 2009 para apenas dois nesta legislatura. A estratégia de concorrer com duas listas em 2009, uma encabeçada por Ng Kwok Cheong e outra por Au Kam San resultou em pleno, "fintando" o método de conversão de votos em mandatos e permitindo a eleição de um terceiro deputado pela primeira vez. Este ano a fasquia foi elevada para três listas, na tentativa de "espremer" o eleitorado pró-democrata até a um quarto, ou quem sabe mesmo um quinto deputado. O resultado foi desastroso, e o chavão "um é bom, dois é óptimo, três é demais" aplica-se na perfeição a este exemplo.
Os analistas estranharam a opção de uma terceira lista do Novo Macau, que muito provavelmente dividiria o seu eleitorado e aumentaria o número de votos "inúteis". Ng Kwok Cheong mostrava-se apreensivo, e pouco antes do sufrágio desabafava que "um terceiro deputado seria muito bom". O cabeça-de-lista desta terceira frente era o próprio Jason Chao, que havia sido nº 2 de Au Kam San quatro anos antes. Nesta entrevista Chao deixa saber que tem com Au "diferenças irreconciliáveis", e que "preferia ser o nº 3 de Ng Kwok Cheong a número dois de Au Kam San". Estavam confirmados os rumores de divisão no Novo Macau, que a juntar à coesão do sector empresarial, levaram ao naufrágio do campo da pró-democracia, e a uma reviravolta no mapa politico do território.
Atendendo à composição e à natureza das três listas do Novo Macau que concorreram às eleições, é de estranhar este diferendo entre Jason Chao e Au Kam San. A lista de Ng Kwok Cheong é formada pela núcleo mais conservador do Novo Macau, com o seu líder histórico e Paul Chan Wai Chi, ambos com ligações à Igreja Católica, algo evidente sobretudo no discurso do segundo. Au Kam San lidera a facção contestatária, da acção de rua, do protesto, da ousadia. Jason Chao aparece com um discurso semelhante, mas à frente de um elenco mais jovem, onde junta ainda a bandeira do arco-íris, dos direitos LGBT. Seria mais lógico que as "diferenças" de que Jason Chao fala fossem com Ng Kwok Cheong. O que dá a entender é que existe um choque de egos com Au Kam San, e uma luta interna pela ocupação do mesmo território ideológico do Novo Macau.
Olhando para a composição dos habituais elementos, nota-se um fosso de gerações interessante. Os "monstros sagrados" - Ng Kwok Cheong, Au Kam San e Paul Chan Wai Chi - estão na casa dos 50 anos, e o próprio Ng terá 60 no final desta legislatura. Jason Chao tem 28, o seu nº 2 neste sufrágio, Scott Chiang, tem 33, e mesmo Sulu Sou, nº 2 de Au Kam San, tem 23. Os restantes elementos do Novo Macau estão todos acima dos 50 ou abaixo dos 30. Falta uma ligação que una estes dois polos. Onde andam os pró-democratas com trinta e muitos ou quarenta e poucos anos? Muitos destes são eleitores, ou antes, eram, pois uma boa parte deles decidiu voltar as costas aos "putos" do Novo Macau e aos seus "tios".
E é exactamente esta disaparidade generacional que Jason Chao deixa passar nesta entrevista; em Junho do próximo ano, altura em que termina o seu mandato, Jason Chao fará um ultimato aos mais "velhos": iu há renovação, ou os jovens vão embora. O Novo Macau arrisca a desgregar-se graças a uma mistura explosiva de veterania e ideias novas. Ng Kwok Cheong e Au Kam San vão agora cumprir sozinhos esta legislatura, como já tinham feito em 2001 e 2005, mas com uma ferida aberta deixada com a saída de Paul Chan Wai Chi e o evidente mal-estar interno dentro da associação. Resta saber que impacto vai isto ter na credibilidade do Novo Macau, que continua a ser praticamente a única voz dissonante no hemiciclo.
Seria uma pena que Jason Chao e o Novo Macau não se entendessem, ou se a associação se fracturasse em dois grupos. Não existe espaço em Macau para dois grupos com esta matriz, e o resultado pode ser desastroso: o desinteresse pela política dos que ainda têm alguma esperança, deixando à vontade os que fazem do voto uma feira, onde ganha quem dá mais. Era bom que Jason Chao continuasse a sua obra, e de preferência apoiado pela estrutura mais forte da oposição ao regime. A propósito da ligação com os grupos LGBT, que deixei para o fim, Jason Chao diz que poderá ter resultado na perda de alguns eleitores, mas "fez a coisa certa". Em Macau nem sempre a "coisa certa" é bem acolhida, e então quando se fala de política, o melhor mesmo é optar pela "coisa esperta".
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