Sou um “gourmet” do camano, e já comi quase toda a porcaria que existe há face da Terra. Tudo o que não comi ainda foi por uma questão de princípios que me são queridos (macaco, gato, rato, e recentemente barbatana de tubarão), outras por falta de oportunidade (leão, tigre, elefante, urso ou girafa, e garanto-vos que me lambusava de pescoço de girafa) e ainda outras a que dei uma oportunidade e detestei (durian, wasabi, caril verde). Já comi animais que são tabu para nós, como cão, camelo, burro, canguru, escorpião, cobras, gafanhotos e outros insectos, e bolas, até já comi aquele bolo de vermes e casca de laranja, simplesmente delicioso. Há coisas de que gostei e repeti (crocodilo, camelo, escorpião), outras que detestei (canguru), e outras que provei apenas para ter uma opinião formada e não morrer estúpido (cão, burro, gafanhotos, e adorei os vermes, mas prefiro ficar por aí). Não admito censura dos meus hábitos e experiências, todas vividas em jurisdições onde tudo o que comi era legal, e não censuro os hábitos alheios, desde que dentro da lei e sem crueldade excessiva. Comer um animal não é errado, mas fazê-lo sofrer é.
Estou aberto a todas as experiências. Se me colocassem à frente bílis de hipopótamo diluída em sangue de porco-espinho era capaz de provar, desde que não fosse tóxico ou tivesse um sabor atroz. Hipopótamos e porco-espinhos não constam do meu rol de tabus. Adapto-me aos pratos mais exóticos dos locais que visito, e se assistir aos locais a deliciarem-se com um prato que a nós parece nojento, sou capaz de me juntar à festa, contando que esteja a par dos ingredientes utilizados na confeção. Já aqui expressei o meu amor aos testículos de boi, porco e carneiro, que dão pratos maravilhosos como os túbaros e os colmilhos à moda do Alentejo. Mesmo nos ingredientes não sou muito exigente. Desde que não inclua a urina, as fezes, o esperma ou o ranho de um animal, tolero quase tudo. Adoro rins de porco e mioleira, por exemplo. Os amigos filipinos apresentaram-me uma vez o “balot”, um ovo de pato cozinhado no auge da gestação, contendo um feto da ave cozida no seu próprio líquido embriótico. Nada disto me impressiona, e até me abre o apetite. Comi isto meia dúzia de vezes na vida, não ando por aí à procura, mas se me oferecerem aceito sem hesitar.
É fascinante observar como há países em que um dos pratos mais queridos, mais étnicos ou mais simbólicos dão a volta ao estômago aos estrangeiros. Os coreanos têm os polvos bebé que se comem vivos com molho picante, os chineses têm a mioleira de macaco, os egípcios têm a famosa sopa que olha para nós quando a comemos, um nutritivo caldo de olhos de ovelha, com a carne que sai agarrada ao globo ocular do animal, que dizem ser “a mais saborosa”. Mesmo nós, portuguses, temos os caracóis, a farinheira, os torresmos, a lampreia e outros hábitos que muitos estrangeiros reprovariam. Os ingleses chamam de “frogs” aos franceses porque estes gostam de comer pernas de rã fritas. Eu aqui estou com os franceses, e os britânicos deviam era estar calados, pois têm uma tal “brain and kidney pie”, uma torta recheada com miolos e rins de carneiro. Mas escutem lá uma coisa, eu comia essa torta. O meu critério sugere que deve ser deliciosa.
Uma experiência alucinante de que ainda não tive oportunidade de tentar, além do “bungi-jumping”, é comer o Casu Marzu, o queijo siciliano feito com vermes, de que já falei
neste artigo de 2008 (qualquer dia vou ter um arquivo invejável). Mas enquanto não me decido a mastigar muito bem os vermes, para que não habitem o meu corpo, vou pensando no Haggis, o prato nacional da Escócia. O Haggis (que os escoceses pronunciam “reh-gesh”) é uma espécie de “minchi”, feito com o coração, fígado e pulmões de uma ovelha picados com cebola, gordura de ovino, sal, aveia, especiarias e carne picada (de vaca ou de ovelha), e cozinhado durante três horas no estômago da própria ovelha – ou outra, tanto faz. Isto é música para os meus ouvidos, caros leitores. Nunca fui à Escócia (e porque havia de ir?), mas devorava já dois ou três pratos cheios daquilo. Já vamos bem além da hora de almoço, portanto eu pergunto: onde está o meu Haggis?
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