Uma das diferenças que encontro na Macau dos dias de hoje e a cidade onde assentei arraiais há vinte anos é a existência das chamadas “lojas de conveniência”, uma tradução livre do inglês “convenience store”, as lojas que nunca fecham a porta, e por isso são “convenientes” para quem necessita de fazer compras fora de horas. São os 7-11, os Circle K e afins, e há mesmo um ou outro supermercado que funciona 24 horas por dia. Para os gostos mais exóticos, existem até duas mercearias tailandesas na Rua Abreu Nunes, onde é possível adquirir as deliciosas pastilhas da “Fisherman’s Friend” com sabor a cereja, além do refrigerante Fanta em sabores a que não estamos habituados, como melancia ou morango.
Por mais pequena que seja, qualquer loja de conveniência tem tudo o que é preciso para sobreviver: “snacks”, bebidas, cigarros, e até os artigos de higiene mais básicos; desde preservativos para quando se faz uma “pesca” inesperada e desconfia-se da frescura da truta, pensos higiénicos para as senhoras mais irregulares ou distraídas, ou lenços de papel para quem foi subitamente acometido de um ataque de ranhoca. Há produtos que não se encontram nessas lojas, claro, mas nada que não dê para esperar até à manhã seguinte para comprar num estabelecimento normal. Ninguém precisa urgentemente de um “spray” limpa-vidros às duas horas da madrugada.
Quando cheguei a Macau há vinte anos era quase impossível encontrar uma loja aberta depois da meia-noite, e lembro-me ainda de sair da discoteca às 3 ou 4 da manhã à procura de cigarros e apenas encontrá-los em alguns restaurantes nocturnos, que chegavam a cobrar o dobro do preço normal. Deve ser ali que os taxistas aprenderam o “truque”. Hoje com a proliferação dos casinos e o número de trabalhadores por turnos justifica-se ter a porta aberta a qualquer hora, para quem tenha os recursos para fazê-lo. Macau passou a ser a “cidade que nunca dorme”. Com as devidas distâncias de Nova Iorque, entenda-se.
Estas lojas espalhadas um pouco por toda a cidade dão muito jeito, sem dúvida, mas nunca há bela sem senão. O elemento da “conveniência” presente na designação de “loja de conveniência” implica que o cliente entre ali, leve o que precisa, pague e saia por onde entrou, sem mais demoras. Infelizmente nem sempre é assim, e como já devem ter percebido, é do elemento do serviço que tenho a maior razão de queixa, nomeadamente do atendimento. Compreendo que não é fácil encontrar gente expedita, inteligente ou até competente para trabalhar numa dessas lojas, onde se paga mal, com toda a certeza, mas há situações que podiam muito bem ser evitadas.
Nada como ilustrar com alguns exemplos. Na última sexta-feira, depois de mais uma exigente semana de trabalho, dormi uma refrescante sesta, ao que se seguiu uma noitada, para me auto-recompensar pelos dias em que me portei bem. Eram umas três da manhã quando reparo que o único combustível em casa era água mineral, e ainda por cima à temperatura ambiente, e resolvi ir até ao Circle K perto da Ponte 16 para comprar uns refrescos. Chego lá, tiro do frigorífico duas ou três bebidas, e dirigo-me à caixa, onde não estava ninguém. A única funcionária estava encostada à bancada a barrar fatias de pão-de-forma com manteiga, assumo que para fazer aquelas sanduíches caras e deprimidas que ali vendem, e parecia concentrada naquela função. Limpei a garganta para me fazer notar, a tipa olha para mim e depois continua a passar a manteiga no pão, como se não fosse nada. Irritado por me terem ignorado tão descaradamente, dou uma palmada no balcão, e aí, como por magia, sai outra funcionária das entranhas da loja que me atende de imediato. Quer dizer, que espécie de “conveniência” é esta?
Há mil e um outros exemplos onde o freguês fica “empatado”, ora encostado à caixa ora de pé atrás de algum cliente mais complicado, à espera da morte da bezerra. São frequentes os casos em que um turista do continente entra para comprar um maço de cigarros que custa mil patacas, é-lhe dito que “não têm troco”, ele responde que aquilo “é só o que tem”, ficam ali a discutir o sexo dos anjos e lá acaba a caixa de tirar o troco do fundo falso da registadora, e fica ali a contar as notas hermeticamente, como uma criança da primeira classe que conta as maçãs num desenho para colorir. No 7-11 é comum deparar com o único empregado disponível a contar as caixas espalhadas no chão da loja, abrindo-as com um x-acto e tal. “Que sorte a minha”, penso eu, “cheguei exactamente na hora do inventário e da reposição do estoque”. Nas lojas onde se vendem salsichas, massas instantâneas e outras porcarias é comum encontrar a caixa a cozinhar aquela mixórdia para um cliente, enquanto os restantes assistem impávidos em fila indiana com as compras na mão.
Não pensem que me estou a queixar, nada disso. Estas situações não são assim tão “normais”, nem se trata aqui de um insulto tão grave que chegue para nos estragar o dia (ou a noite). Já me devia dar por satisfeito por existir este tipo de comércio numa cidade onde falta tanta coisa. Mas não peço um serviço de cinco estrelas, ou que sequer me sorriam, cumprimentem, nem sequer que me perguntem “o que deseja” quando chego e digam “obrigado” quando vou à minha vida. Mas é exactamente isso que pretendo: pagar e ir à minha vida. Por isso vejam lá se são mais convenientes, e se estiverem sozinhos na loja guardem a reposição do estoque ou o pão que é preciso barrar com manteiga para quando estiver outra pessoa na caixa para atender quem se quer despachar. Será pedir muito?
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