Aborreces-me Pedro...não quero brincar mais.
Alerta! Alerta! Há uma crise politica em Portugal. Vejam só que coisa tão banal: está prestes a cair o XIX Governo Constitucional. Para quem não é familiar com a numeração romana, XIX quer dizer “19” em numeração árabe. Partindo da certeza que este Governo não cumprirá o mandato para que foi indigitado até 2015, o próximo será o 20º, em menos de 40 anos de democracia abrilista, uma média de menos de dois anos por Governo. A única excepção que torna esta média menos frequente foram os 10º, 11º e 12º Governos, liderados por Cavaco Silva, que se “aguentou” no cargo durante 10 anos, um recorde desde o evento da democracia. Se os governos passam como uma brisa e não deixam saudades, a sua queda deveria ser tratada com indiferença na imprensa. Nos telejornáis, depois das notícias e já com os créditos a passar em rodapé, o locutor ou locutora de serviço devia anunciar assim em jeito de curiosidade: “Ah sim, e o Governo voltou a cair, eleições outra vez um dia destes”. E o povão, já habituado a coisas destas, fica a pensar com os seus botões: “só espero que não caiam num dia bom de praia”.
A crise que ocupa agora o “prime-time” da informação em Portugal e tem merecido destaque na imprensa internacional teve origem na demissão do ministro das Finanças Vítor Gaspar, o pai da austeridade que deixou os portugueses (ainda mais) à míngua. Gaspar anunciou na segunda-feira que não tem mais condições para conduzir as finanças do país durante a próxima fase do grande plano do saque nacional, desculpem, aquela coisa que a Alemanha e a troika querem para que Portugal se mantenha no Euro e não dê origem a outra crise que coloque em causa a união monetária, imitando a Grécia. No dia seguinte o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho nomeou Maria Luís Albuquerque para o seu lugar, e num gesto simbólico, promoveu o Ministro dos Negócios Estrangeiros Paulo Portas a nº 2 do Executivo. Portas é líder do PP, partido-muleta do PSD de modo a garantir a maioria parlamentar que legitima esta (des)governação desde 2011. Portas, e logo quem, demitiu-se de seguida, alegando discordância com a escolha de Albuquerque, e perante a cisão da coligação, o Governo fica com os dias contados, e todos esperam que o presidente Cavaco Silva dissolva o parlamento e convoque novas eleições.
Vítor Gaspar é um indivíduo com que simpatizo, e reconheço ter sido o homem certo no lugar errado e há hora errada. Não foi por malícia ou perfídia que projectou os pacotes de impostos e redução da despesa pública.Foi-lhe exigido que se tornasse o mensageiro das más notícias, e foi preciso coragem para queimar completamente a sua imagem, que fica associada à de um vulgar gatuno ou pilhador de galinhas. Seria preciso um louco em camisa-de-forças com um funil na cabeça, estrábico e com a língua de for a para deixar os portugueses felizes, prometendo mundos e fundos e dizendo aos portugueses “gastem, gastem meus irmãos, que a Europa paga”. Chego a ficar com pena do senhor, que durante algum tempo vai ter problemas em sair de casa, ir ao café da esquina beber uma bica e comer uma queijada sem se submeter à censura dos portugueses, que o culpam por andar a contar os trocos poucos dias antes do fim do mês. Quando tudo isto passar – se alguma vez passar – devia-se erigir uma estátua a Vítor Gaspar, um dos mártires da crise provocada por anos e anos de gestão danosa.
Paulo Portas, por seu lado, é um indivíduo matreiro, calculista e indiferente. Quem nasceu em berço de ouro como ele, fundou um jornal para se divertir a exercer o papel de “bad boy” do anti-estabelecimento e entrou na política para se divertir e acabar chatear os tipos que não conseguiu atingir n’”O Independente”, está-se nas tintas para os pobres ou para os remediados. Portugal a nadar em euros ou na bancarrota total é-lhe igual, pois não lhe faltarão os Maseratis, as vivendas, as jantaradas e a restante opulência a que habituou desde que nasceu. A sua birra fez tremer a coligação, o Governo está ainda por um fio, e a possibilidade de regressar ao Executivo em novas funções que evite a sua queda não o livram dos olhares mais suspeitos. Num período em que exigem sacrifícios aos portugueses, quem é este gajo para deitar tudo a perder em nome de um lamentável assomo de vaidade? A partir de agora um Governo com Portas e o PP do seu lado é como uma ferida que por mais pontos que cosam, vai manter-se sempre aberta e a sangrar.
Portugal encontra-se numa encruzilhada que nem o maior milagre vindo do panteão dos santos em que os portugueses depositam tanta fé podia resolver. Assumimos o compromisso de disputar a Liga de Elite da Europa civilizada, quisemos esticar-nos até chegar aos franceses e aos alemães, mas temos as condições dos campeonatos distritais. Os problemas estruturais e a falta de confiança dos mercados não nos permitem sequer ser levados a sério. No contexto da Europa e dos investidores somos como o cigano que entra num supermercado e é seguido pelos empregados para ver se não mete nada ao bolso. E ainda chamam a polícia com antecedência, pelo sim pelo não. Não gostaria de estar no lugar de Cavaco Silva, a quem cabem as decisões mais sensíveis deste imbróglio. Ou “parte a loiça”, convoca eleições e a Europa perde a paciência, ou mantém estes artistas a brincar com estalinhos num paiol cheio de explosivos. Penso que nem ele gosta de estar no seu lugar, quanto mais eu.
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