segunda-feira, 10 de março de 2014

Os sons dos 80: Kate Bush


Kate Bush é, numa palavra, maravilhosa. Uma das mais criativas, talentosas e bonitas - é preciso não esquecer - artistas que já tive a oportunidade de ver e ouvir. Senhora de uma voz que se pode dizer "uma senhora voz", Kate Bush podia ter cantado ópera, fado, sevilhanas, tudo e mais alguma coisa. Nascida em 1958 em Welling, no subúrbio londrino de Kent, Catherine Bush era filha de um médico e de sua mulher irlandesa, que lhe deu uma educação católica. Cresceu numa quinta em East Wickham com dois irmãos mais velhos, e um deles, Paddy Bush, é um conceituado fabricante de instrumentos musicais, e quando jovem praticava karate, e diz-se que a pequena Kate inspirou-se na arte marcial que via o irmão praticar para as suas coreografias, consideradas muito originais . Aliás a música e dança estavam-lhe no sangue: a mãe era dançarina de música "folk" irlandesa, e o pai tocava piano. Seguindo-lhe o exemplo, Kate foi aprender aquele instrumento aos 11 anos. Estudante exemplar, tinha uma imaginação fértil, e aos 13 anos já escrevia canções que acompanhava ao piano com melodias também da sua autoria. Aos 16 grava uma cassete demo com 50 canções, algumas das quais fariam mais tarde parte do seu reportório, e distribui cópias por editoras e produtores musicais. Não recebe qualquer resposta, mas uma dessas cópias chega às mãos (e aos ouvidos) de David Gilmour, dos Pink Floyd, que sugere que a jovem Kate Bush entre numa banda e faça um "circuito" pelos bares de Londres, para ganhar alguns "calos". E assim em 1977 junta outros músicos e começa a cantar na noite da capital inglesa com um grupo de nome "KT Bush Band". Entretanto Gilmour, que tinha ficado impressionado com o seu talento, juventude e irreverência, ajuda-a a gravar uma demo mais profissional, que leva a EMI a representá-la. A editora convida-a para gravar um álbum, ao mesmo tempo que a inscreve em aulas de dança interpretativa, que lhe são dadas por Lindsay Kemp, que foi professora de David Bowie e fez uma carreira no cinema como mimo. Em Agosto de 1977 entra em estúdio para gravar "The Kick Inside", o seu disco de estreia, que sai em Fevereiro de 1978, quando Bush tinha apenas 19 anos. A produção ficou a cargo de Andrew Powell, que tinha trabalhado com os Pink Floyd, Cliff Richard, Alan Parsons Project e Donovan, entre outros.


O primeiro single de "The Kick Inside", o primeiro registo de longa-duração de Kate Bush foi este "Wuthering Heights", e a cantora não podia ter começado melhor: foi nº 1 em cinco países, entre eles o Reino Unido, e tornou-se assim a primeira artista a solo feminina a ter um primeiro lugar com um tema escrito por ela própria. E repito: "The Kick Inside" é o seu primeiro trabalho a solo, tinha apenas 19 anos, e algumas das canções do álbum foram escritas quando tinha apenas 13 anos. A estreia auspiciosa traduziu-se num 3º lugar na tabela de álbums do Reino Unido, e mais dois singles. A EMI ficou impressionada com tudo isto, e propôs-lhe que gravasse outro LP no mesmo ano, e assim em Novembro sai "Lionheart", que foi o único álbumi de Kate Bush a não chegar ao top-5 do Reino Unido, quedando-se mesmo assim pelo 6º lugar. O primeiro single, "Hammer Horror", não entrou no top-40, mas o seguinte, "Wow", foi nº 14. Mais uma vez, das dez faixas do album, só uma não foi da autoria da cantora.


Com os ânimos mais esfriados, Kate Bush aguarda até 1980 até ao lançamento do seu terceiro trabalho de originais, e valeu a pena - "Never for Ever" torna-a a primeira cantora a solo a chegar ao nº 1 da tabela de álbums do Reino Unido, e ainda por cima com entrada directa. O primeiro single, e de que muita gente já entradota na idade como eu se deve lembrar bem, é este "Babooshka", que conta a história de uma mulher que quer testar a fidelidade do marido, e por isso cria um "alter-ego" (Babooshka, inspirada nas guerreiras russas) e começa a corresponder-se com ele. Mais uma vez o vídeo é excelente, com uma coreografia é exímia, e Kate Bush transborda de sensualidade. O single foi nº 5 no Reino Unido, e se não estou em erro a saudosa Cândida Branca-Flor gravou uma versão em português deste tema.


Dois anos depois, em 1982, mais um álbum, desta vez "The Dreaming", que estranhamente voltou a colocar alguma água na fervura que era a carreira de Kate Bush. Os três singles que saíram deste novo trabalho tiveram vendas muito aquém das expectativas, mas na generalidade as coisas não correram mal, com um 3º lugar na tabela de álbums do Reino Unido, e uma entrada inédita no top-200 da Billboard, o que leva Bush a aproveitar para reeditar os seus trabalhos anteriores em terras do Tio Sam. A crítica considerou "The Dreaming" uma dos álbums mais menosprezados dos anos 80. Bush não desanima, manda fazer um studio privado perto da sua casa para poder trabalhar às horas que quiser, e em Agosto de 1985 reaparece com o single "Running Up That Hill", que anunciava um quinto álbum, que sairia no mês seguinte. O single chega a nº 3 no Reino Unido, e mais uma vez o cuidado com a estética do vídeo é evidente. Mais sensual que nunca, Kate Bush parece beneficiar agora de uma certa maturidade que lhe faltava - afinal por esta altura tinha "já" 27 anos.


E assim em Setembro de 1985 sai o tão aguardado "Hounds of Love", que chega semanas depois ao topo de tabela de álbums do Reino Unido, destronando "Like a Virgin", de Madonna. O segundo single, "Cloudbusting", chega a nº 20, e a seguir o tema que dá o nome ao álbum faz um pouco melhor, atingindo o nº 18. O tema seria gravado pelo grupo Futureheads em 2004, chegando ao n¿ 8. No seu todo, "Hounds of Love" é um legado deixado por Kate Bush, e ainda hoje considerado um disco actual. O lado "A" é composto por cinco temas, e o lado "B" por sete; para este reverso do intitulado na globalidade "Hounds of Love", Bush deu o título "The Ninth Wave", inspirando-se num quadro do pintor russo Ivan Aivazovsky - não pareciam existir limites para a criatividade da diva. Em 1986 lança "The Whole Story", uma mini-compilação de cinco temas dos seus dez anos de carreira, e mais um original, "Experiment IV".


Em Outubro de 1986 Kate Bush grava com Peter Gabriel o tema "Don't Give Up", um dueto que viria fazer parte de "So", o trabalho de originais mais bem sucedido do ex-músico dos Genesis. Gabriel tinha originalmente pensado em Dolly Parton para fazer o dueto, mas esta recusou e então a escolha recaíu sobre Bush, que nem ficou ofendida, pois conhecia bem Peter Gabriel, e tinha contribuído com coros para os seus primeiros trabalhos a solo. Penso que Dolly Parton se arrependeu depois, pois o resultado é este que aqui vemos. Apesar de não ter tido um grande impacto nos "tops" (apesar do nº 9 no Reino Unido), "Don't Give Up" entra para a história. Já tinha deixado aqui este video no artigo que dediquei a Peter Gabriel, mas penso que nunca é demais recordar.


Foi preciso esperar até 1989 para um novo disco de Kate Bush, 4 anos depois de "Hounds of Love". Assim este novo disco inteiramente composto de temas da autoria de Bush fica a chamar-se "The Sensual World" - para que ficasse claro. Aqui a trintona Bush aposta no medieval, como fica patente no single homónimo, realizado pelo desenhista Peter Henderson. Seguiram-se mais três trabalhos de originais até 2012, com a frequência da produção musical da cantora a ficar significativamente reduzida. A cantautora que nos encantou nos anos 80 com a sua voz soprano, o seu estilo sensual e letras inspiradas na literatura e nas artes clássicas, inspirou artistas como Tori Amos, Bjork ou Lady Bjork, e actualmente vive com o marido Dan McIntosh n condado de Devon, no sudoeste de Inglaterra.

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