domingo, 2 de março de 2014

Os sons dos 80: girl power


Não, não é da k-pop que vou falar...nem das Spice Girls tão pouco.

Estávamos em finais dos anos 90 quando aparecem as Spice Girls, uma banda inteiramente constituída por elementos do sexo feminino, e onde pontificava Victoria Adams, actualmente a sra. Beckham, após o casamento com o futebolista David Beckham, que era na altura uma jovem estrela do Manchester United. As Spice Girls venderam milhões de discos, mas deram um mau nome às "girls band". Sim, eram todas mulheres, mas não escreviam ou compunham as canções que interpretavam, nem sequer tocavam qualquer instrumento. Limitavam-se a fazer poses de égua amanhada à espera do garanhão e...erm, "cantavam", entoando letras com tanto interesse que mais valia passar uma tarde a olhar para uma parede pintada a secar. No entanto, e muito antes das bimbas, existiam grupos musicais completamente femininos, e que em vez de "pimba" estrangeiro à larga escala, faziam música "pop" digna desse nome, e até "rock", ou em alguns casos, pasme-se, "heavy rock"! Pode parecer chauvinismo tabular um grupo através do género, dando primazia ao masculino. É que ninguém acha nada de extraordinário ver um grupo composto por homens na sua totalidade, mas repara sempre no caso de serem mulheres. Explicação? Não sei...talvez porque para ter uma carreira musical seja preciso demonstrar interesse desde uma tenra idade, e as meninas sejam demasiado delicadas para arranhar as cordas de uma guitarra eléctrica, malhem na bateria feitas malucas e sem camisola, ou toquem piano com um pé no ar e a língua de fora. Mesmo assim os anos 80 foram profícuos neste tipo de bandas, algumas delas com relativo sucesso, e carreiras que se extenderam por um período muito mais longo que esse peido sinfónico que foram as Spice. Vamos então conhecer alguns deles.


E vamos começar logo por aquele que vem à memória de toda a gente quando se fala em "girls bands" dos anos 80: as Bananarama. Apesar de ter obtido mais sucesso em meados da década de 80, este trio de moçoilas londrinas, duas loiras e uma morena, que é tal qual um homem quer, embora muito mais pequena ela é muito mais mulher. (Agora enganei-me no caminho, e a linha cruzou-se com o canal Marco Paulo. Peço desculpa). Assim Siobhan Fahey, Sara Dallin e Keren Woodward formaram em 1979 as Bananarama, na ressaca do "punk-rock". Malcolm McLaren, que tinha sido o manager dos Sex Pistols, aproximou-se delas e propôs os seus serviços, com a promessa de as tornar numa coisa escandalosa, com o auxílio da loja de trapos rotos da sua esposa Vivienne Eastwood. As meninas recusaram, pois achavam que o senhor era um palerma que só as queria explorar (como fez aliás com os próprios Pistols), e resolveram tratar sozinhas da vida. E em boa hora, pois conseguiram ser top-5 no Reino Unido com o tema "T'ain't What You Do (It's the Way That You Do It)", ao lado dos The Fun Boy Three, um grupo de jazz com influências do ska. Já pelo próprio nome obtiveram no ano seguinte outro nº 5 com "Na Na Hey Hey Kiss Him Goodbye" um original dos Steam, e um nº4 com "Shy Boy", uma canção escrita por Steve Jolley e Tony Swain - e tudo isto apenas no primeiro album, "Deep Sea Diving", que as tornou numa banda de referência. Mesmo não escrevendo as próprias canções, as Bananarama iam somando êxito atrás de êxito, como são exemplos "Cruel Summer" ou "Robert de Niro's Waiting", e participaram do single "Do They Know It's Christmas", do projecto Band Aid. O seu single mais vendido seria "Venus", uma versão de um tema dos anos 70, originalmente dos Shocking Blue. Foi também o seu único nº 1 no top britânico. Em 1989 Siobhan Fahey casa com David Stewart, dos Eurythmics, deixa o grupo e forma as Shakespear's Sisters com Marcella Detriot. Jacquie O'Sullivan junta-se às Bananarama, que continuam hoje em actividade, mas com uma presença muito discreta.


Se na Inglaterra haviam as Bananarama, nos Estados Unidos tinhamos as The Go-Go's, fundadas em 1978 na Califórnia, e que foram pioneiras nas "girl bands" que escreviam e interpretavam as próprias canções, tocando os seus próprios instrumentos (lógico). Os elementos, ou "as" elementos das Go-Go's eram Belinda Carlisle, Gina Shock, Jane Wiedlin e Charlotte Caffey, que entre 1978 e 1985 gravaram três álbums de originais, e um quarto numa das muitas reuniões do grupo, corria já o ano de 1994. O seu tema mais conhecido será este "Vacation", do LP de 1982 com o mesmo nome, e que foi um dos grandes sucessos desse Verão, atingindo o nº 8 da Billboard. Depois da primeira separação, as Go-Go's partiram para outros projectos e carreiras a solo. A única de que se ouviu falar com alguma notoriedade foi Belinda Carlisle, que logo em 1987 conseguiu atingir o nº 1 da Billboard com o single "Heaven is a Place on Earth".


Com o fim das Go-Go's, o ceptro de rainha das "girl bands" americanas foi para as Bangles, também elas californianas. A lindíssima Susana Hoffs, baixinha mas composta de todos aminoácidos essenciais, roliça mas com tudo no sítio, e nas proporções ideiais, com aqueles olhos que nos pareciam querer comer, junta-se às irmãs Debbie e Vicki Patterson e a Annette Zilinskas em Dezembro de 1980 para formar um grupo que ano e meio depois lança um EP intitulado "The Real World", e grava um ano e meio o primeiro álbum, "All Over the Place". Seria contudo dois anos depois que saltam para os "tops" com o single "Manic Monday", do álbum "A Different Light", que chega a nº 2 tanto no Reino Unido como na Billboard. O tema foi assinado por um tal "Christopher", que mais tarde se veio a saber que era um pseudónimo de Prince. Seguiram-se outros singles que não se deram mal nas "charts", como os casos de "If She Knew What She Wants", "Walk Like an Egyptian" ou "Hazy Shade of Winter", mas o tão ambicionado nº 1 da Billboard só chegaria em 1989 com "Eternal Flame", uma balada que passou a clássico da música "irópita". E foi assim, no auge, que as Bangles se separaram, mas como as contas aparecem para pagar, reuniram-se em 1999, mas ninguém deu muito por isso.


As Salt-N-Pepa eram um trio de afro-americanas de Brooklyn, Nova Iorque, dos primórdios do "hip-hop". Fundadas em 1985, consistiam de Cheryl James, que era a "salt", Sandra Denton, que era "pepa", e o terceiro ingrediente era Deidra Roper, conhecida por "DJ Spinderella". Muito giro, muito original, e apesar de naquela época ninguém saber o que era exactamente "hip-hop", as Salt-N-Pepa iam dando nas vistas, com os seus "remixes" e "samples", e pasme-se, o seu primeiro single "Push It" chegou a nº 2 no Reino Unido. Depois de dois álbums nos anos 80, "Hot, Cool & Vicious" e "Salt with a Deadly Peppa", o reconhecimento pelo esforço chegaria apenas em 1991 com o single "Let's Talk About Sex", que foi nº 1 em vários países europeus, casos da Alemanha, Áustria e Suíça, bem como lá longe na Austrália. No Reino Unido repetiu o nº 2 de "Push It", e na Billboard não passou do nº 13, mas deixou o mundo "talking about the Salt-N-Pepa". O trio duraria até 2002, e regressava cinco anos mais tarde, mantendo-se ainda em actividade. Recordemos "Let's Talk About Sex", e já agora respondendo às meninas, que são um docinho, "let's"!


As irmãs Melanie e Kimberley Appleby formaram em 1986 o duo Mel & Kim, o que foi considerado, na altura, uma lufada de ar fresco. Elas cantavam, elas dançavam, e músia corria-lhes nas veias, filhas de pai jamaicano e de mãe inglesa que eram. O disco de estreia, "F.L.M.", de 1987, foi muito bem recebido, e este single, "Respectable", chegou a nº 1 a vários países, incluíndo o Reino Unido e a tabela de Dança da Billboard. Memorável o sample que fazem da primeira linha do refrão: "Tay, tay, tay, tay, t-t, t-t, t, tay, tay, take or leave us...". Muito bem jogado. Mas o sucesso seria tragicamente interrompido pela morte de Mel; diagnosticada com paraganglioma carotídeo, um tipo de cancro da medula, viria a perder a batalha com a doença em Janeiro de 1990, com apenas 23 anos. Foi pena, muita pena mesmo.


Mas foi na Europa continental que apareceu em 1977 uma das primeiras "girls bands" da história - isto falando do "pop-rock", lógico, pois certamente terão havido inúmeros agrupamentos completamente femininos de música de câmera, vira, fandango, crochê, etc. Eram as Arabesque, originárias da cidade alemã de Frankfurt, e que desde 1979 passaram a ser lideradas por Sandra Lauer - a Sandra de "Maria Magdalena", que já falei aqui a propósito do fenómeno do Eurodisco. Sandra tinha apenas 17 anos, e com as Arabesque gravou nada mais que oito (!) albums de originais em seis anos, partindo de seguida para uma carreira a solo. Curiosamente as Arabesque gozaram de uma tremenda popularidade no Japão, e eram um sucesso na União Soviética, onde o "rock" se vendia no mercado negro até finais da década de 80. Fiquemos então com este "Midnight Dancer", para saber o que tornava tão especiais as Arabesque, que cantavam em ingles. Notem o divertido sotaque de Sandra - you arre a sailorr, a tailorr, a jailerr


E em Portugal, como estávamos em matéria de "girls bands". Bom, como diz o tuga que se preze, "lá haver havia", e eram as Doce. Fá Padinha, Teresa Miguel, Lena Coelho e Laura Diogo, que faziam parte dos coros das bandas Gemini e Coktail, fundaram em 1979 uma das primeiras "girls bands" da Europa, e em boa hora. Apareceram como que por brincadeira na festa de despedida dos Gemini, o grupo de Tozé Brito, que qual visionário, pensou que dali se podia fazer qualquer coisa de interessante. Como o mercado discográfico português só abria a perninha ao que vinha de fora, e o "rock" nacional estava ainda a gatinhar, as Doce iam aproveitando o Festival da Canção para dar um ar da sua graça. Ou das suas graças, que eram muitas. Da mão cheia de vezes que participaram, venceram em 1982 com "Bem Bom", tema composto por Tozé Brito, que se assumiu como uma espécie de Bjorn Ulvaeus, dos ABBA, mas em versão nacional e completamente revista no feminino. Com o surgimento do tal "rock" português, as Doce foram postas na prateleira do "piroso", e do "festivaleiro". Esses gajos andavam todos mas é a tomar Mandrax marado, porque vejam este vídeo, senhores. Isto só me deixa com pena de ainda não ter atingido a puberdade naquele tempo. Mas os mesmos que falavam mal deviam andar a comprar os discos das Doce às escondidas, pois o grupo foi somando sucesso atrás de sucesso até meados dos anos 80, e foi alvo de revivalismo anos depois da dissolução em 1987, que anunciaram num programa de Júlio Isidro. Uma curiosidade: em 1985 Lena Coelho interrompeu a carreira com as Doce por causa da gravidez, e seria substituída por uma ex-colega dos tempos das Cocktail, uma tal Fernanda Sosa. Esta viria anos mais tarde a gozar da sua boa quota parte de popularidade sob o nome artístico de...Ágata.

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