quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

E no fim, foi assim



O BAIRRO DO ORIENTE deseja a todos os seus leitores um feliz ano de 2015. Jocas do Leocas! :***

2014: os menos



O ano de 2014 correu para muita gente, e eu próprio não o vou incluir na minha lista do top-40 - tendo eu a bonita idade de 40 anos, penso que já entenderam onde quero chegar. Para este lote de personagens a que o ano agora findo foi também problemático, só me resta desejar-lhes um próspero 2015. E eles bem que precisam...



O TORQUEMADA

Já sei o que estão a pensar, mas certamente que a culpa não é minha, se o senhor é pouco fotogénico. É que em todo o caso Peter Stilwell tem poucos motivos para sorrir, depois de ter feito história pela negativa, tornando-se o autor do primeiro saneamento político da curta existência da RAEM, bem como o primeiro grande acto de censura e atentado à liberdade académica, ao despedir um professor de Ciência Política por ter feito comentários políticos - de gravidade discutível, diga-se de passagem. Mais grave se torna quando estamos aqui a falar de um sacerdote da Igreja Católica e reitor de uma Universidade que deveria promover o pensamento livre entre os futuros quadros de Macau. Sinceramente não sei quantos pai-nossos e avé-marias são precisos rezar para obter a expiação deste pecado, mas acredito que serão muitos.



UM LOCAL POUCO RECOMENDÁVEL?

E continuando no tópico da liberdade académica, quem também ficou mal no retrato foi a Universidade de Macau, que também foi notícia em afastar o académico Bill Chou, devido à sua alegada afiliação política - e a "política" parece mesmo ser aqui o problema, pois este é também professor de Ciência Política, e actualmente vice-presidente da Associação do Novo Macau. Pouco depois de ter mudado para o seu novo "campus" na Ilha da Montanha, a UMAC voltava a ser notícia pelos piores motivos, quando agiu de forma desproporcionada com uma aluna que durante a cerimónia de graduação em Junho último exibiu um cartaz pedindo que deixassem de perseguir os académicos. Juntamente com Bill Chao, foram alvo de processo disciplinar pelo menos mais três professores. Pouco digno do que se poderia esperar da principal instituição de ensino superior do território.



FALTA DE CHÁ

Se ninguém sabia a razão de Lam Heong Sang ter uma presença discreta no hemiciclo da Praia Grande, ficou completamente esclarecido neste ano de 2014. O vice-presidente da Assembleia Legislativa foi a personificação do "nervoso miudinho" que existiu à volta do polémico diploma que atribui regalias aos detentores de altos cargos públicos. Inquirido por um repórter do canal inglês da TDM, o Vice-Presidente da Federação das Associações dos Operários de Macau e Membro da Comissão de Ética para a Administração Pública (?) ficou irritado, e disse que o profissional da comunicação "tinha baixo nível" - e isto à frente de miríades de câmaras e outro equipamento de recolha de de som e imagem. E falando de "imagem", é a da AL que sai mais manchada do incidente.



CHERCHEZ LA FEMME

Havendo alguém para onde apontar o dedo pela responsabilidade do diploma cuja votação na especialidade seria cancelada após os protestos de 25 e 27 de Maio, esse é Chan Chak Mo, presidente da comissão que elaborou o texto que tanta celeuma provocou. Mas já não é de hoje que o empresário de Hong Kong e gerente da companhia Future Bright anda com a popularidade em baixa - Chan Chak Mo é visto pela opinião pública como um dos "tubarões" do mundo empresarial local, e parcialmente grande responsável pelos problemas ligados à inflação e à especulação imobiliária. Conhecido pela sua postura arrogante, fez beicinho quando se colocou a hipótese do boicote aos restaurantes da cadeia da sua empresa: "O que é que eu fiz para vocês serem assim mauzinhos comigo? Buh uh uh..."



MEA CULPA, MINHA GRANDE CULPA

O referendo civil foi o "happening" deste Verão, e apesar da postura oficial ser a da "desvalorização", muito boa gente "patinou no gelo" feito um iniciante. Um deles foi o deputado e professor de Direito da UMAC, Gabriel Tong, protagonista de uma cena digna dos tempos da Revolução Cultural. Depois de ter afirmado que o referendo "não é ilegal", foi dias depois à AL afirmar que "sim, é ilegal e sempre foi" - só lhe faltava mesmo um cartaz com dizeres insultuosos pendurado ao pescoço.



ACEITAMOS ENCOMENDAS PARA FORA

Em 2014 foram inaugurados conceitos inéditos à escala mundial, e Macau foi o balão de ensaio, tudo por culpa da "bota" do referendo civil, que era difícil de descalçar. Desde o "ilegal porque não é legal", ou "Não é ilegal, mas é mau, e é ilegal ser mau", entre outras pérolas, brincou-se às intepretaç­ões extensivas e abusivas da lei, e o vencedor foi o Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais, que ao estilo da GESTAPO a atirar para a Stasi, desencantou um artigo que serviu para deter os organizadores do referendo. Momento alto: "O BIR é um documento importante para provar a identidade do residente de Macau". Pudera, de tão duro que é, e com todas aquelas arestas, queriam que servisse para....?



EPÁ, PAREM! ASSIM NÃO VALE...

Com tantas voltas e reviravoltas, desde as manifestações até aos atentados às liberdades, passando pelo referendo civil, o trânsito caótico ainda deixava as coisas mais complicadas: demorava-se muito tempo a chegar a parte nenhuma. E assim em 2014 continuou o reinado de terror dos homens do táxi, perante a inoperância do rei Wong Wan, director da DSAT, que é muito pesado para simplesmente pegar nele e atirá-lo pela janela.



O TRUQUE DA INVISIBILIDADE

O Comissariado Contra a Corrupção tem desde o dia 20 um novo comissário. Mas espera lá...tinha algum, antes? Aparentemente tinha, um tal Vasco Fong. Não, também não dei por nada.



AGORA JÁ NÃO QUERO...

Tive uma ideia espectacular: e que tal se Susana Chou mudasse a data daquelas entradas no seu blogue onde demonstra o enorme ressabiamento que sente pela administração que serviu durante dez anos? Podia mudar para...sei lá, 2005? 2006? Quando era relevante falar dos temas que vêm agora na forma de roupa suja? Aquela de "já saber que Ao Man Long era corrupto" foi muito boa. E os números do próximo sorteio do Mark-Six, que tal?

2014: os mais



E neste fim de ano de 2014 começo por falar das dez personalidades de Macau que mais se destacaram este ano pela positiva - para eles, e na minha humilde opinião, é claro. A ordem é aleatória, não tenho qualquer preferência nem ligação emocional ou afectiva a qualquer um deles, mas os fregueses são livres de fazer as leituras que muito bem entenderem. Apesar de ser difícil escolher entre tanta variedade, a seguir vêm os outros, que tiveram menos sorte. Coitados.



THE ENEMY OF THE STATE

Se tivesse que eleger a personalidade de ano, a minha escolha recaíria em Jason Chao, sem qualquer dúvida. Quer se apoie ou não a sua postura de "levar tudo à frente", o seu nome é sinónimo da única forma concreta de oposição que se faz em Macau, quer ao Governo da RAEM, quer ao próprio Governo Central. Ainda jovem, é considerado a face visível da oposição ao regime, causa pela qual está sempre pronto a "obter atenção mediática". Conhecido por prever o futuro, através de cartas que manda a organizações internacionais de direitos humanos - esses malandros - dizendo que foi detido pelas autoridades...antes de ser detido, e para que tal aconteça basta aparecer e ficar de pé em qualquer local ou evento em que estejam ou vão estar presentes figuras ligadas ao Governo local ou de Pequim. O ano de 2013 correu-lhe mal, concorrendo para as eleições legislativas encabeçando uma terceira lista do Novo Macau Democrático, estratégia que se viria a revelar desastrosa, mas em 2014 vingou-se, transformando em notícia praticamente tudo o que fazia. Organizou um referendo civil para a escolha do método de eleição do Chefe do Executivo, e manteve-se inabalável na concretização desse objectivo, indiferente ao verdadeiro circo mediático em que se transformou. Assumiu-se como o líder da oposição extrema à nomenclatura vigente.



DE GUEVARA SE VAI LONGE

Com apenas 24 anos de idade, Sulu Sou Ka Hou tornou-se o presidente mais jovem de sempre do Novo Macau Democrático, substituíndo em Julho último o seu "camarada" Jason Chao no cargo. Em 2013, na altura apenas um recém-licenciado, concorreu à Assembleia Legislativa como nº 2 de Au Kam San, e apesar de não conseguir ser eleito, nunca mais parou a partir de então: foi a cara dos protestos de 25 e 27 de Maio, esteve na frente da organização da vigília do 4 de Junho no Largo do Senado e até publicou um livro. Tem a "escola" da retórica feita em Taiwan e uma forte presença em público, e é adepto do deputado e activista honconguense Leong Kwok Hung, mais conhecido por "long-hair" - o que é preocupante, na minha humilde opinião. Um jovem de fibra a fazer lembrar um Che Guevara, mas noutro contexto, e é de observar a sua evolução.



A ABELHA MESTRA

De Ng Kuok Cheong pode-se dizer o mesmo que o seu "afilhado" Jason Chao, e a palavra fica entre aspas devido aos pólos opostos em que ambos (aparentemente) se colocaram, ainda que no mesmo lado da barricada. E também da mesma forma que saiu prejudicado pela divisao no seio dos democratas em 2013, tambem ele sai deste ano que agora termina com a sua imagem reforçada, ao assumir o apoio incondicional tanto ao referendo público, como na oposição a lei de garantias dos titulares dos principais cargos públicos, que assumiu desde a primeira hora juntamente com o seu colega de bancada Au Kam San. Teve ainda a sensatez de não se aproximar demasiado da "fogueira" acesa pelos seus colegas aqui ao lado em Hong Kong com o movimento Occupy Central, e assim evita queimar-se, o que na ponta final da sua carreira de activista da pró-democracia, seria como uma certidão de óbito.



GOT YOU BY THE BALLS

Num território onde a economia depende quase na totalidade das receitas dos casinos, o que a Macau Frontline Gaming fez durante este ano de 2014 pode-se considerar mais do que apenas "audácia" - há quem relacione mesmo a queda abrupta das receitas do jogo com a actividade deste grupo, braço do Novo Macau Democrático. O movimento optou pelo protesto como meio de negociar melhores condições para os trabalhadores do sector do jogo, e chegou mesmo a deixar no ar o fantasma da greve. Na liderança estava Ieong Man Teng, que concorreu ao lado de Jason Chao nas eleições de 2013 para AL, e o nº 2 era Cloee Chao, que ficou conhecida por aparecer na revista Bloomberg como activista pelo fim do fumo de tabaco nas salas de jogo.



L'ÉTRANGER

Alheio a toda a agitação que se preparava para o Verão de 2014 em Macau estava Éric Sautedé, que protagonizou o primeiro grande caso de atentado à liberdade académica em Macau - e logo numa instituição de ensino superior com ligações à Universidade Católica, em Portugal. Podia ser feito um paralelo com "O Estrangeiro", de Camus, mas o processo que afastou Sautedé da Universidade de S. José teve tudo de "kafkiano", com a notícia de que o contrato não foi renovado pelo facto do professor de Ciência Política ter feito...comentários políticos. Para piorar as coisas, a sua mulher e também professora naquela Universidade foi afastada do cargo de deado na faculdade que lecionava. A reitoria ainda se desfez em justificações pífias, mas o mal estava feito, e sem querer o académico francês residente permanente de Macau tornava-se o símbolo do que pode ter sido o fim da liberdade académica na RAEM. Mesmo assim tem mantido uma firmeza gélida perante uma situação que, como se pode imaginar, não é nada confortável.



BICO DE OBRAS

Figura de proa no departamento de que foi director desde o início da RAEM, Jaime Carion aposentou-se este ano, depois de ter dirigido com mão firme um departamento que andou à deriva desde o caso Ao Man Long, o antigo secretário das das Obras Públicas e Transportes detido em 2007 e mais tarde condenado a 27 anos de prisão por corrupção. Como director das OP, Carion soube ter o sangue frio necessário para evitar a autêntica anarquia que muitos chegaram a prever para aquele departamento governamental. Sai assim pela porta grande.



LIXADA P'RÁ PORRADA

Sobrinha do anterior, Paula Carion foi mais uma vez a figura de maior destaque no desporto da RAEM, o conquistar pela terceira vez a medalha de bronze nos Jogos Asiáticos na modalidade de karaté, repetindo na cidade sul-coreana de Incheon o feito de Doha, no Catar, em 2006, e de Guangzhou em 2010. Sendo o desporto em questão uma modalidade olímpica, e os melhores atletas originários do continente asiático, a atleta de orgiem macaense deixa-nos a pensar como seria se participasse nos Jogos Olímpicos por Portugal, e tivesse as condições necessárias para progredir.



A RAINHA AFRICANA

Outro elemento da comunidade macaense em cessação de funções é Rita Santos, que nos últimos anos tem sido a principal figura do Fórum Macau, que estabelece a ligação institucional entre a RAEM e os países de expressão portuguesa. Pode ser que haja quem a critique, ou aponte para a pouca visibilidade dos resultados da alegada cooperação, mas diz quem trabalha com ela que Rita Santos é um exemplo de abnegação em serviço dos interesses do território. E é também um poço de simpatia, uma comunicadora exímia que vai deixar muitas saudades.



UM JARDIM SEM FLORINDA

Do três secretários que no último dia 20 deixaram o cargo ao fim de longos 15 anos em funções, Florinda Chan terá sido a que provavelmente mais críticas escutou, e dos mais variados sectores da sociedade. De facto fica mais fácil apontar os erros do que procurar os méritos, e se há um mérito que a ex-secretária para a Administração e Justiça teve, foi o de conseguir conciliar a parte administrativa com a da justiça, e sobretudo fazer a "divisão das águas" entre o poder Executivo e o Judicial. Sendo o futuro quanto a este aspecto uma verdadeira incógnita, só espero que Florinda Chan não venha deixar muitas saudades.



O PRÍNCIPE MAIS OU MENOS PERFEITO

Ou em alternativa, "O homem que não queria ser rei", podia ser também o cognome de Chui Sai On, que em "last but not least", entra na lista de personalidades que se destacaram neste ano de 2014 agora findo pela positiva. E porquê, até porque algumas das restantes entradas são de personalidades situadas no extremo oposto do que representa o Chefe do Executivo? Como há gente que se queixa de não ter pedido para nascer, também ele não pediu para ser o nosso "salvador", a única alternativa ao abismo. Deixado com a "bomba" do diploma das regalias que só dão arrelias nas mãos, ficou à mercê dos críticos, ao mesmo tempo que a opinião pública começava a desconfiar das suas intenções e da urgência com que pretendeu fazer passar a lei. Reeleito para o segundo mandato como CE debaixo de um verdadeiro furacão político, é-lhe passado um atestado de confiança, que para bem de todos, ficamos a esperar que o justifique. Força!

Espanta-espíritos 2014







A very slow year, I'll say...



O Macau Daily Times elegeu como personalidade do ano o "Ganda dos táxis". Sim, o "Ganda", não o Gandhi - o "Ganda Maluco". E será graças a ele agora mais fácil apanhar um táxi? Nada disso, os sacanas do carro preto nem sabem quem ele é. É que tratando-se do Macao Daily Times, ganhou este apenas porque o taberneiro escocês de serviço voltou há alguns meses para Dumfries. Foi sorte, só isso...

Se liga, vai...







Afinal parece que por estes dias em Portugal tivemos Taça da Liga, imaginem. Acreditem se quiserem, mas juro que não fazia ideia que tinham interrompido o Natal aos pobres rapazes para se cansarem com futilidades. Apesar de desconhecer o formato da competição, Benfica, Porto e Sporting ganharam os seus jogos, e penso que se continuarem assim pode ser que se encontrem na final - os três. Ou talvez não. Fica então aqui o último vídeo desportivo de 2014. Chamo a vossa atenção para os comentários em inglês no jogo do Benfica, ou melhor do "Ben Ficah", que é treinado por um tal Zoze Zayzus, oh yeah mudafucka!


terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Macau: é melhor que as Caraíbas!



Estou cada vez mais convencido que em Macau se vive uma espécie de vida ao contrário, num mundo ao contrário. Em Macau não se vive, "es-eviv". A TDM passou hoje depois do Telejornal uma reportagem sobre o preço da habitação no território, que pela 1265387ª vez nos diz que "é elevado" e não está ao acesso dos residentes. O surrealismo daquela peça deixou-me tão incrédulo que pensei estar a sonhar, e que tinha simplesmente alucinado tudo aquilo. Já tinha tirado tudo o que era alimento do frigorífico e dos armários para testar se houve alguma contaminação por LSD, quando a TDM repete o mesmo programa, na mesma noite, só para me beliscar e garantir que não estava a sonhar. Este programa devia ser declarado património inlegível pela humidade por parte da GROTESCO, que abriu uma representação dentro da cabeça de cada residente de Macau. Mas e então, o que leva a indignar-me deste jeito com a peça da TDM? Nada, e quem disse que estou "indignado"? A TDM não tem a culpa da distorção da realidade em que alguns daqueles personagens habita. Aquilo é que devia ganhar um prémio qualquer, tipo "jornalismo de alto-risco", ainda mais perigosos que qualquer cenário de guerra.

Esqueçam lá os desgraçados que vivem com menos de 4 mil patacas por mês e dividem a casa à meia dúzia deles de uma vez só, que esses já se habituaram a viver com a miséria que nós lhes pagamos, apenas com "condições mínimas de higiene", todos ali, uns em cima dos outros, que nojo. Mas e nós, que somos ocidentais, brancos e com cursos universitários, e pouco importa que eles também tenham, porque os nossos são melhores porque somos uma raça superior, tolerante e democrática. E se não tivessemos um orçamento familiar de pelo menos 30 mil patacas, como era? Onde é que iamos ter uma casa-de-banho em condições, com banheira ampla para os banhos de espuma e espaço para colocar pelo menos duas flutes de champanhe? Imaginem se não tivessemos entre doze e quinze mil patacas para dar por uma casa só para nós, sozinhos ou com o nosso "companheiro(a)", que não tivesse uma sala ampla e com condições para receber pelo menos meia dúzia de amigos para actividades de elevadíssimo interesse público, como "a prova de vinhos mais aleatória de sempre", por exemplo? É que para os animais que vivem com menos de quatro mil patacas qualquer vão de escada serve, mas e nós, onde é que guardamos as nossas "petit choses"?

Desta nave cheia de bizarras criaturas a caminho de um planeta estranho, numa galáxia distante da nossa, deixem-me primeiro resgatar os humanos. A dra. Ana Soares, por exemplo, demonstrou uma ingenuidade fora de série, característica que evidencia pertencer à nossa espécie. A causídica teve a coragem, imaginem só, de citar a lei com a finalidade de demonstrar que agentes imobiliários e empresários ignoram o cumprimento da mesma em nome do lucro que obtêm através da especulação. Já viram no que estamos metidos? No Irão era tudo enforcado, pá! Grandes homossexuais e apóstatas do imobiliário, é o que eles são. Mas no fim de contas, sendo a senhora umaa advogada, ia falar do quê, que não do cumprimento escrupuloso da lei? Dar dicas de como contornar as obrigações fiscais? De como abrir contas em "offshores" nas Caraíbas? Ui, mas não falemos já das Caraíbas, que têm muito mais que apenas "offshores". É que neste mundo do faz de conta que é Macau, onde tudo é apenas "a brincar", a lei só se aplica a pelintras, que se fazem às economias de uma velhinha tonta qualquer, ou arranjam um esquema para sacar umas massas que implica terem que ser eles a fazer tudo com as mãos e não sei quê, coisas de gente pobre e sem formação nenhuma. Quando os senhores doutores estão a tratar de negócios de centenas de milhões, faz favor de não vir com essa conversa parva de leis, que de fosse assim ainda estava tudo na fila para levar com um carimbo qualquer e não havia cheques de nove mil patacas para ninguém.

Falou ainda aquele senhor português cujo nome não me ocorre neste momento, e por esse facto peço desculpa, e que veio constatar o óbvio no planeta do aleatório e do alienado: as casas que são construídas têm um preço absurdo para o orçamento das famílias de Macau, e por isso "servem outro fim" - lógico, mas ainda há quem as compre, e depois passe o resto da vida a dar 90% do salário para pagar a hipoteca, e é bom que viva até aos 133 anos. Disse ainda uma coisa muito interessante: se o Governo diz que não pode intervir na especulação para "evitar condicionar o mercado", e que sentido isso faz, se os terrenos onde se constrói pertencem ao Governo, que atribui as concessões, aprova os projectos, estabelece os prémios e por ele passam todos os restantes trâmites legais? Pode ser que para nós, terráqueos, seja assim, mas no Macau dessa galáxia tão distante, os prédios são construídos nas nuvens, onde também estão os tais taxistas malandros, à "pesca" dos anjinhos. Outro paradoxo interessante foi abordado no programa por uma residente de Macau de etnia chinesa, e tem a ver com a atribuição de moradias pelo Governo aos residentes com menos rendimentos, funcionando desta forma: quem não tem habitação própria e aufere um rendimento superior a certo montante, não tem direito a essa habitação do Governo, e quem tem direito fica com outro problema, pois estando habilitado, isso significa que praticamente não tem dinheiro para viver na casa que lhe foi atribuída. Sim, eu sei que já foi muito pior, e se bem me recordo em 2008 o valor máximo era de 13 mil patacas por agregado familiar - praticamente o preço de uma renda "numa casa decente", como vamos ver a seguir.

Agora preparem-se para entrar no mundo do irreal e do ilusório. Esqueçam tudo o que haviam aprendido até hoje, pois preparam-se para entrar no planeta Macau. Sim, até o vosso próprio nome, pois no planeta Macau, cada um chama-se aquilo que as pessoas com autoridade para produzir tal afirmação quiserem. Sim, diz-me que é António, Francisco, Joana ou Maria, mas sei lá se não me está a tentar enganar, fazendo-se passar por uma trisavó minha e com isso surrupiar-me um rim para transplante? Acredito ser quem diz que é quando ouvir isso da boca de um juíz de Direito. 2+2=4? Talvez, mas não sendo você um professor de matemática, só acredito quando ouvir isto da boca de um deles, e de preferência Arquimedes, ou Copérnico. É assim Macau, meus caros, e onde as "top-models" não têm dinheiro para comer e quem aufere 400 euros mensais ou menos "não toma banho", há um problema ainda maior. Sim, porque à luz da lógica de Macau, quem ganha 20 mil patacas mensais tem problemas cinco vezes maiores do que quem ganha apenas 4 mil. Vamos lá a falar a sério, então? Mau...

Uma das entrevistadas naquela reportagem vive uma drama terrível, coitada. Chegou a Macau o ano passado, e já mudou de casa umas duzentas vezes, e tal, e tudo porque "uma casa em condições custa os olhos da cara". Por "casa em condições" aqui entende-se um apartamento de um prédio recém-construído, de preferência com três quartos, mas se tiver só dois não faz mal se for para IR VIVER PARA LÁ SOZINHO - mas só desde que a sala tenha as dimensões oficiais de um campo de futebol, caso contrário, isso é viver pior do que um rato. A menina, que juro não conhecer nem nunca lhe ter posto a vista em cima até ontem, veio com o ar mais grave e indignado do mundo afirmar que por causa do preço da habitação ser variável conforme a área onde se pretende residir, sendo o centro da cidade a zona mais cara - algo que também só acontece em Macau, portanto - foi OBRIGADA a ir viver para o gueto da Ilha Verde, onde "não existe nada" - apenas vacuo. Ora, vá você! Para quem não sabe, a Ilha Verde não é uma ilha, e muitos menos é verde. É um dos bairros da zona norte da cidade onde o preço da habitação ainda é mais ou menos acessível, pois há ainda umas caixas de fósforos onde reside o equivalente em número à população de Queluz de Baixo. É uma zona que se desenvolveu exponencialmente nos últimos anos, e está bem melhor que há vinte anos, quando já lá morava muita gente. Dizer que "não há nada" ali só pode ser interpretado de uma forma: não há casas de fado...marisqueiras...praias para se fazer "surf"...castelos e palácios...enfim, não há nada.

Esta Ilha Verde fica situada numa cintura habitacional onde estão ainda os bairros da Areia Preta, T'oi San e Fai Chi Kei, terminando na Praça das Portas do Cerco, perto da fronteira. Existem ali complexos habitacionais com fracções amplas e condomínios bem catitas que ficam por mais de 10 milhões de patacas, e onde vivem muitos destes portugueses. Coitados...a certo ponto a menina faz uma cara como de que acabou de ver a morte à sua frente, e diz que "há casais a viverem juntos, para assim partilhar a renda" - não é bem o mesmo que "I see dead people" mas fica lá perto: "I see couples living together". Há coisas que só têm explicação inseridas no contexto de Macau; nos anos 90 punha-se os tais casais a viverem uns com os outros, uma música de introduação que entrasse logo no ouvido, e um título como "Friends" ou algo que valha, e era só rir e ganhar prémios para melhor tudo e mais alguma coisa. Hoje é uma tragédia pior que um funeral. E já que falei de Portas do Cerco, conhecemos ainda um rapaz que tem um problema ainda maior: vive em Zhuhai, pois só ali pode pagar um apartamento onde dê para jogar ténis na sala de estar, e para vir trabalhar todos os dias para Macau apanha um autocarro que demora meia hora - e ainda se queixam, aqueles sortudos que trabalham em Lisboa e vivem na margem sul, que demoram hora e meia a fazer aquele percurso. Este desgraçado teve que ir morar para a China! Não, não é para perto do restaurante "China" em Alcabideche, é na China mesmo. O tal cavalheiro que antes analisou a situação dos preços disse que "o Governo quer os residentes de Macau a viver do outro lado da fronteira", e transformar o território em "um bairro de Zhuhai onde se pode ir jogar". Eu como tenho casa própria, só estou à espera que venham até aqui a S. Lourenço apontar-me uma pistola à cabeça e obrigar-me a sair.

Mas guardei o melhor para o fim. Um casal que julgo ser norte-americano, não apanhei essa parte, vive em Macau há dois ou três anos, também considera as rendas exorbitantes, mas gostam de viver cá, e até tiveram uma filha para comemorar a integração. Acho bem que gostem, tudo bem, mas a certo ponto a senhora do casal diz que "antes viviam nas Caraíbas", mas em Macau existe "melhor qualidade de vida". Bom, enquanto estou aqui sentado na minha secretária neste último dia do ano em frente ao PC, enquanto escuto o calipso produzido pelo som do camartelo pela minha janela, e depois de ter andado a dançar a versão local do limbo aos encontrões com as pessoas na rua, permita-me que discorde. É que a ideia que tenho das Caraíbas é a de um local idílico, com praias de areia branca e mar a perder de vista, e mesmo que não se tenha dinheiro no bolso basta passar pela beira do mar e apanhar um crustáceo para o jantar. Acredito que em Montego Bay ou em Punta Cana se passa um dia melhor do que em Macau - a não ser que a senhora estivesse a viver no bairro mais problemático de Port-au-Prince, e mesmo aí os motoristas de taxi são mais prestáveis.

O que temos aqui são pessoas gastar balúrdios em algo que não lhes faz falta. Para quê 100 m2 para se ir viver sozinho, ou com o namorado? E no resto do mundo, nas cidades mais caras, não há casais a viverem juntos e a partilhar rendas? Tenho a certeza que em Macau há apartamentos - antigos, é certo - perto do centro cuja renda é inferior aos novos de Zhuhai, e não vão cair em cima da vossa cabecinha, garanto. É claro que o senhorio aumenta a vossa renda de 10 para 15 e depois para 20 - já vos tirou a pinta, e aprecia patos com penas e tudo. Com a facilidade com que as pessoas que chegam a Macau, mesmo as aparentemente mais inteligentes, se prestam a certas figuras com tanta facilidade, ainda me levam a pensar que ainda vão receber uma chamada dos perdidos e achados do terminal do Jetfoil, ou do aeroporto, a pedir que venham reclamar o juízo que lá deixaram quando aqui chegaram. Podem crer, esta foi preciso (re)ver para poder dizer: já vi tudo.

Você disse..."bom senso"???



Existisse uma aplicação no "Blogger" que desse para colocar algumas imagens num altar igual ao dos santinhos e cheio de velinhas com muita gente devota à sua volta, esta era uma delas. E já sei que estão a pensar que já estou a começar a armar-me em parvo, e não respeito ninguém, blá blá blá, mas desta vez juro que estou a ser 100% sincero, genuíno e puro. Se me quiserem beber tenham cuidado, e juntem um galão de água por cada colher de chá de pó de Leocardo, tanta é a pureza que por aqui vai. Mas vejam lá se não é como estou a dizer: na imagem estão duas pessoas boas, que não querem mal nenhum a ninguém, antes pelo contrário, e que batalham com todas as forças para levar a bom termo os seus objectivos - e convido qualquer um a desmentir em parte ou na totalidade isto que estou aqui a dizer. O que torna esta imagem tão especial é o facto de estar alguém tão bom, e que por ser quem é, assim tão bom que até ofusca o sol do meio-dia com os raios de bondade e "recebe aprovação unânime" pela sua capacidade de gestão e resolução de problemas, agracia com o devido reconhecimento outra pessoa que tanto lutou por uma causa tão justa como é a criminalização da violência doméstica. É sempre um pequeno milagre quando nasce um novo crime. Esperem um momento enquanto enxugo uma lágrima em forma de pérola que acabou de descer pelo meu rosto de querubim. Pronto, já está.

A irmã Juliana Devoy tem sido o rosto dos outros rostos que têm o azar de amiúde fazer de saco de pancada: as vítimas de violência doméstica. Eu até diria que ela é a maior autoridade no assunto, e sabe melhor do que ninguém o que é a violência doméstica, mas não posso, porque se eu mentir o Menino Jesus vai ficar triste, e eu não quero que isso aconteça, e a irmã quererá muito menos que eu (acho...). É que a relação marital da irmã Juliana Devoy não é a mais convencional, a mais comum, aquela que tanto eu como o leitor ou a leitora conhecem, de pessoas com pessoas, entendem onde eu quero chegar? Ainda bem, que não me está a apetecer chamar ao assunto entidades que tanto podem existir, como muito bem serem produto da manipulação dos homens para exercer poder e influência sobre outros homens igual a ele. Adiante. Mas apesar de quem a irmã escolheu amar não ter por hábito chegar-lhe o hábito ao pêlo, reconheço que tem muito mais autoridade para falar no assunto que a maioria de nós, pelo menos em Macau. No centro Bom Pastor, onde auxilia vítimas desta tal violência doméstica que vai agora passar a ser crime público, terá escutado relatos horríveis de combates de boxe conjugal, onde um dos lutadores recebe instruções para deixar o outro ganhar por KO, sem poder sequer levantar um dedo, ou pedir que lhe batam "com jeitinho". Não duvido por um único instante que a irmã Juliana Devoy sabe do que fala, e é pelos caminhos do bem que ela vai, e foi pelo bem das vítimas da violência doméstica que lutou pela criminalização destes actos barbáricos. Ponto assente. A propósito parece que os abusos sexuais a menores foram também criminalizados, e agora só falta castigar os animais irracionais que maltratam os outros da sua espécie, e pode ser que finalmente Macau passe a ter animais mais ou menos racionais.

Mas tanto progresso faz-me doer o cabelo, portanto vamos ficar apenas pela violência doméstica. Já que deixei bem claro que as intenções da irmã Juliana Devoy são as melhores, gostava também de renovar as fortes reservas quanto a esta lei, e que mantenho desde início. Não é tanto pela lei propriamente dita, quinta essência de qualquer sociedade moderna e civilizada. O problema não o objecto, mas o conjunto de abjecções que daí pode resultar, e que me levam à objecção do conceito de "violência doméstica" a que esta lei se aplica. Isto porque seja quem for, onde for e com quem estiver e independente se chove ou faz sol, em Macau "violência doméstica" é aquilo que a irmã Juliana Devoy vê: mulheres que de tanta porrada que levaram são confundidas na rua com imigrantes do Quénia. E "mánada". Se a Mariazinha parte os pratos todos nos cornos do Zezinho é porque "ele andava a pedi-las, o malandro", mas se o Zezinho empurra a Mariazinha para esta não lhe arrancar aquele bocado do braço onde os seus dentes ficaram agarrados, ou que o cegue com as unhas de tigresa-princesa, isto é "violência doméstica". E o que é que tem se a pobre vítima tentou decepar o mangalho daquele bandido com um daqueles facalhões japoneses que com um único golpe cortam ao meio uma lata de polpa de tomate das grandes? Ele que se vá meter com alguém do seu tamanho, pá! Se calhar o safado andava a pedi-las, pois andou com outras lambisgóias, e naqueles dois minutos que foi à rua com o pretexto de comprar cigarros foi fazer uma orgia, e desconfio que até começou a fumar aos 14 anos já com isto em mente, o...o...premeditador da violência doméstica! Depois leva doenças para casa, que passa para a sogra, para a filha e para a empregada, enquanto a coitadinha da mulher anda aí a roçar-se aos cantos, à míngua, a tem que pedir aos amigos que encarecidamente lhe dêm um sushi de pila por trás e à bruta com molho Bachamel na cara toda, para ela não morrer de fome, coitadinha. Monstros! Prisão com eles, já!

Conclusão: a mulher é o "sexo fraco", e nada a fazer. E quem tem a culpa? Bom, eu prometi que não O trazia para este assunto, mas...quem? O, sabem, o "O" e não o "o"? Esse mesmo. É que no livro da Genesis, da compilação dos maiores êxitos do divino a que deram o de Bíblia, diz que o homem dominará a mulher, mas não porque Ele queria assim, que disparate, onde é que já se viu tal coisa? Aconteceu, pronto, foi...hmmm...culpa do outro. Dos outros. Olha, é como em Macau, onde a culpa nunca é de ninguém. A omnipotência é de tal ordem que até na impotência é omni-impotente. Mas já chega de disparate, que este livro já toda a gente leu e releu, e quem não leu viu o filme: "Se nos ama e é todo-poderoso, porque deixa que nos aconteçam coisas horríveis?". A irmã também já leu esse livro e viu o filme, bem como leu muitos outros livros e viu filmes de sobra para saber que o argumento da "mulher submissa e dependente do marido" já não colhe entre as mulheres, e nem sequer em Macau, de tão exigentes que se andama a tornar, as finórias. Por isso, quando lhe falam da eventualidade desta lei dar cocó, opta por outro exemplo: "um pai que dá uma palmadinha no filho que se portou mal, isto não é violência doméstica". Não? Então, no que é que ficamos, é para bater ou não é? Opá já sei, não vamos agora ficar aqui a discutir o que é mais ou menos força, senão já parece um concurso de braço-de-ferro, e não quero que venham para aí aqueles tipos gordos de bigode, cheios de tatuagens, montados numa Harley com casaco de cabedal.

E é então que a luz divina acende a aura angelical da irmã Juliana Davoy, e que a leva a apelar "ao bom senso das autoridades". Ah, irmã, irmã...ponha os olhos que o Criador há-de sentar ao lado dos Seus enquanto os meus são devorados pelos vermes famintos nesse outro anjinho aí ao seu lado. Imagine lá você que aqui há dias ele foi obrigado a apresentar desculpas pelo excesso de "bom senso" que fez com que uma criança de um ano de idade fosse proibida de entrar em Macau por ter o mesmo nome de um conhecido activista, e que consta de uma "lista negra", que ao contrário da lei que criminaliza a violência doméstica, ninguém sabe do que consta, e por isso ainda existe o benefício da dúvida (será?). Agora imagine a irmã que o sacana do puto anda tão mal sintonizado que o pai lhe resolve "endireitar a antena" um bocadinho, para apanhar melhor os canais. Entra a polícia, mas os SAFP, o CCAC, o GPDP e o Santo Ofício por ali dentro, teje preso, e mesmo que o miúdo diga que andava a pedi-las, nada feito: "AHH...LEI DIZELE NÉ? NÃO PODI ENTÃO NÃO PODI. E TU SELE VITIMA, CALALO!".Vai ser bonito, vai. "Bom senso", irmã Juliana Devoy, é uma qualidade das pessoas de bem que merecem coisas boas, como esta lei, que tem por fim a protecção dos mais fracos, portanto é do bem. Mas não sei se estamos preparados para tantas "coisas boas", sabe? Quando Ele lhe pede para ter fé nos homens de boa vontade, se calhar o melhor ver onde põe o pé, que esse caminho é pouco iluminado e as águas por onde se navega são turvas. Só pelo sim, pelo não, entenda-se. Um bom ano para si, e desculpe não dizer aquilo que se diz nestas despedidas, pois tenho a certeza que nem é preciso eu pedir, que Ele a abençoa na mesma. Amen.

Provedor do leitor



Este é possivelmente o último "Provedor do Leitor" deste ano, e deixei-o agora para gastar nos últimos "cartuchos" de 2014, para não chegar a 2015 de consciência...detesto dizer "consciência pesada", pois não sei o que isso é, por isso direi "com a pulga atrás da orelha". Sim, esta é melhor. Não sei porquê mas quando oiço a palavra "pulga" lembro-me de pensões baratas, onde aquelas prostitutas ainda mais baratas andam ao "ataque", e é tanto o dentro-e-fora que nem há tempo para mudar os lençois. Eu gosto de badalhoquice e de pouca vergonha, e a única diferença é que assumo isso. Vamos lá então tratar do prurido anal e vaginal (pode ser "e" ou "ou", conforme o caso) dos autores destes lindíssimos comentários.

A propósito do artigo VRC e os 15 anos de RAEM recebi o seguinte comentário:

"Desculpa lá, Leo, mas o teu amigo é um pulha. Sei do que falo."

Portanto aqui, para quem ainda não retirou a conclusão, "o meu amigo" é Vitório do Rosário Cardoso, que segundo este anónimo, "é um pulha", e nós devemos acreditar nesta elaboradíssima oração acompanhada de provas irrefutáveis, na forma de "sei do que falo". Curvai-vos perante Deus, ó inféis! É uma honra receber o Criador aqui no meu blogue, e logo Ele, que tanto é criticado por estar ausente em momentos mais delicados, onde só Ele nos podia valer. Citando o profeta Isaías depois de ter marcado no antigo estado de Highbury um golo tão importante para o Benfica, e que valeu a primeira presença na actual Liga dos Campeões, "Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade e cujo nome é santo". O leitor sabe quem eu sou, sabe quem é o Vitório, mas não sabe quem é este "artista" que assina apenas por "Dizeur de verdades". Volte amanhã que hoje estamos fechados. Mas deixem que eu faça aqui um "Head and Shoulders" bloguístico, ou seja, "dois em um". Dias depois, no artigo Lembrando o tsunami (e pensando na Mónica) recebo outro comentário, que reza assim:

"ela tinha treze anos, nao frequentava o secundario. para ganhar um concurso que lhe permitia viajar pelo mundo a trabalhar, ela publicou um filme em que contava a sua historia (incluindo e assumindo o tsunami) com o objectivo de obter os votos necessários."

Ora vamos lá a ver uma coisa: se eu fosse um miúdo de três anos, e tivesse acabado agora mesmo de entender a noção de ironia, tinha toda a credibilidade para vos esfregar um pano sujo de hipocrisia na cara, ó tótós - e é claro que falo para os autores dos comentários, senão é a mesma pessoa, o que duvido.

Quando optei por escrever "sob a capa do anonimato", citando os igualmente anónimos que me acusavam desse "atrevimento", o que só por si já é um belo começo, andaram ANOS, ouviram? ANOS moendo-me o juízo por causa disso. Acabei por me identificar, implorei perdão 50 mil vezes por qualquer incofidência que tenha cometido, mas sinceramente não me recordo de cometer esta sujidade, e que aqui acabo de reproduzir. E vejam como na hora de criticar seja quem for por algum comportamento menos correcto ou coerente com posições ou princípios que a pessoa possa representar ou defender, não me inibo de "puxar da moca". Mas nem sempre me apetece, sabem? Estou a ficar velho, pá. Tem havido por aí muito mosca a pousar no pudim e já começo a achar que espantá-la dá mais chatice do que comer o pudim cheio de bactérias de insecto nojento que anda em cima da bosta.

O primeiro diz que fulano "é um pulha", mais nada, e é um pulha "porque sim", e pronto. Era fácil se fosse tudo assim tão claro; o VRC é um pulha e é mesmo um pulha, porque V.Exa. diz que é, e agora é só mandá-lo ir comer...ah deixem lá. Não me vou rebaixar ao mesmo nível.

O segundo, que rebentou com a agulha do meu detector de ressabiamento, tenta desacreditar o que penso ser a atitude humilde e realista de uma pessoa que tinha toda a legitimidade para andar a vida inteira a fazer-se de vítima e à conta disso não precisar de se fazer gente, e pimba! vem o "watchdog" da Barroca dizer que afinal não, e tal, parece que afinal ela ganhou um Oscar e tudo, enfim, sabem uma coisa? O parvo aqui sou eu, que andei à procura de uma pista qualquer que me deixasse saber mais alguma coisa sobre algo que a pessoa que denuncia devia ter ela própria exposto - que é o que eu faço, estão a perceber? Até pode ser que estejam a dizer a verdade, ou que de alguma forma tenham a razão do vosso lado, não sei. E porque não sei? Porque não me dão nenhuma indicação de que não estão apenas a ser sacanas e uns fdp, e que não têm mais nada que fazer. É pena.

Ando a perder tempo a escrever textos maiores que a declaração de rendimentos do mais honesto dos Rockefeller, e afinal parece que a tendência terceiro-quarto milénio é regredir para as meias intenções e deixar bufas no ar a cheirar mal e depois ir embora, e vocês que fiquem a cheiras. Eu até diria que para mim fazer o mesmo era como um "regresso ao passado", ao tempo do anonimato e etcetera. Mas isso seria mentira, pois nunca fui assim, e nem tenho relacionamento de qualquer natureza com pessoas deste tipo. É só, boa noite.

Vou ou não voo?



Foram encontrados os destroços do vôo da Air Asia que estava desaparecido desde Sábado, com 162 passageiros a bordo, e como em qualquer caso destes que siga as regras da lógica, confirmou-se o pior: o avião despenhou-se e não há sobreviventes. As imagens das operações de recolha dos corpos falam por si, e são de uma força que deixa os mais insensíveis a engolir a seco. Foram recolhidos mais de 40 corpos, e podemos ver um deles no início da reportagem, semi-nu e inchado, mas "intacto" - pelo menos se atendermos à imagem que normalmente temos de um acidente destas dimensões - o que reforça a teoria do acidente; já havia sido colocada a hipótese do aparelho sinistrado ter sido atingido por um raio durante uma tempestade, e ter saído do contacto dos radares, assumindo-se de imediato que só um milagre poderia evitar a fatalidade. Pensando bem, este é o tipo de situação ideal para que seja quem for que faz esses "milagres" em que algumas pessoas ainda teima em acreditar aconteça. Devem andar distraídos, os "milagreiros". Nota positiva para o patrão da companhia de baixo custo malaia, Tony Fernandes, que em vez de pôr com merdas, preferiu resolver rapidamente a questão do dinheiro dos seguros a que têm direito os familiares do malogrados passageiros. Tudo bem, não traz aquelas pessoas de volta ao mundo dos vivos, mas sempre ajuda as famílias a não precisarem de se aborrecer com algo que muitas vezes traz consigo situações bastante desagradáveis para quem supostamente devia estar de luto.



Se me perdoaram a "blasfémia" (outra patetice...) ali em cima, chegaram a este parágrafo, e se ainda não sabiam que hoje a Air Asia provocou mais um susto aos seus passageiros, ficam agora a saber. Um avião com 159 pessoas a bordo foi aterrar num lamaçal junto ao aeroporto de Kalibo, nas Filipinas, perto da famosa estância de férias de Boracay, na província de Vissayas. Aparentemente o problema foi causado pelo trem de aterragem, que demorou a sair e fez com o que piloto não tivesse tempo suficiente para acertar na pista. Curiosamente estive lá há 3 anos e achei tanto o aeroporto como a própria bastante além do que seria de esperar de um aeroporto internacional, mas isso é secundário, apenas um "fair-divers", até porque neste pequeno acidente não houve a lamentar mortes, nem houve feridos com gravidade. O que é uma certeza é a Air Asia andar numa onda de azar, e se também acreditam nos contos da carochinha, o melhor é irem à bruxa: nunca haviam sofrido qualquer acidente nos 13 anos de operações em que serviram mais de 200 milhões de viajantes a preços mais acessíveis que as companhias convencionais. Mais caro ou mais barato, não há uma garantia de 100% de segurança - estas coisas acontecem. Pouco adianta vir com estatísticas que provam para além de qualquer dúvida que é mais seguro viajar de avião do que de automóvel, por exemplo, pois dificilmente se convence seja quem for que é menos perigoso andar nas núvens do que ter os pés (ou os pneus) bem assentes na terra. Não serve de consolo nenhum para os que sofreram com mais esta tragédia, mas pelo menos uma coisa ficaram cm a certeza: que foi um acidente. Já quando se metem americanos e russos ao barulho...

Premier League - 19ª jornada



E mesmo em quadra natalícia, o futebol em Inglaterra não pára, e entre as já tradicionais jornada de "Boxing Day" e de Ano Novo, realizou-se mais uma, a 19ª, dividida entre Domingo à tarde e ontem à noite. Talvez com a economia de esforços em mente, as partidas foram mais modestas em matéria de golos marcados, com três partidas a terminar como começaram: zero a zero. Um destes nulos verificou-se no jogo de abertura da ronda, em White Hart Lane, onde o Tottenham interrompeu mais uma vez a marcha vitoriosa do Manchester United, que não perde desde 2 de Novembro. Quem também "tropeçou", mas no reduto do Southampton, foi o Chelsea do português José Mourinho, que se ficou a queixar da arbitragem depois do empate a um golo contra a equipa treinada por Ronald Koeman. Penalty que fica por assinalar ou não, a equipa da casa adiantou-se no marcador aos 17 minutos por Sadio Mané, e só uma obra de arte assinada pelo belga Eden Hazard impediu que os londrinos fossem para o descanso em vantagem. E nem mais 45 minutos chegaram para o Chelsea desfazer o desempate, e o líder arriscava-se a ficar com a concorrência mais próxima, só que...




No City Ground, casa do campeão Manchester City, os adeptos locais apanharam o maior "melão de inverno" deste ano - futebolisticamente falando, obviamente. O jogo do Chelsea tinha começado uma hora antes, e terminou quando o City vencia ao intervalo o modesto Burnley por duas bolas a zero, como golos de David Silva e Fernandinho, e os "citizens" já contavam ficar a um ponto da liderança. Só que o penúltimo classificado não quis fazer de "perú de Natal", e conseguiu chegar ao empate, com George Boyd a marcar logo no recomeço da partida, e Ashley Barnes a apontar a dez minutos do fim o golo que valeu à sua equipa um precioso ponto. E desta forma o Chelsea chega a meio do campeonato e ao fim de 2014 em primeiro lugar com mais três pontos que a equipa de Manuel Pellegrini.



Quem aproveitou bem os pontos perdidos pela concorrência foi o Arsenal, que dos oito primeiros foi a única equipa que venceu, e logo no reduto do West Ham, um concorrente directo. Santi Cazorla aos 41 de "penalty", e Danny Welbeck três minutos depois levaram o Arsenal para o intervalo com uma vantagem de dois golos, um tanto ou quanto inesperadamente, pois o West Ham ocupava o 5º lugar, descendo uma posição depois da derrota sofrida na casa do Chelsea dois dias antes. O melhor que a equipa de Sam Allardyce conseguiu foi reduzir para 1-2 por Cheikou Kouyaté, aos 54 minutos. Os arsenalistas igualaram o Southampton no quarto posto, o último que dá acesso a um lugar na próxima edição da Champions League, e agora a 3 pontos do Manchester United.



Nos outros resultados de Domingo, e além do já referido Tottenham-ManU, também as partidas Queens Park Rangers-Crystal Palace e Aston Villa-Sunderland terminaram sem golos, enquanto que em Hull um só golo do argelino Rayid Mahrez bastou para o lanterna-vermelha Leicester interromper um ciclo de 13 jogos sem vencer. O Stoke City venceu em casa o West Bromwich Albion por 2-0, e na partida com mais golos do dia o Newcastle bateu em St. James Park o Everton por 3-2. Podia também ser o jogo com mais golos da jornada, não fosse pela súbita inspiração do Liverpool, que ontem fechou as contas da primeira metade da Premier League com uma goleada por 4-1 sobre o Swansea. O resultado valeu à equipa de Brendan Rodgers, que na época passada discutiu o título até ao fim, subir ao 8º lugar, e por troca exactamente com o Swansea. No primeiro dia de 2015 há mais!

Classificação (dez primeiros):

1 Chelsea 19 46
2 Manchester City 19 43
3 Manchester United 19 36
4 Southampton 19 33
5 Arsenal 19 33
6 West Ham 19 31
7 Tottenham 19 31
8 Liverpool 19 28
9 Swansea City 19 28
10 Newcastle 19 26

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Polícia XXX



Ao ponto que o mundo chegou, minha gente. Um agente da PSP, de 22 anos - ainda uma jovem promessa, portanto - fez-se passar por mulher para contactar mais de uma centena e meia de jovens do sexo feminino, a maioria das quais menores de idade, e agora está metido numa carga de trabalhos. O polícia contactava as suas "presas" através das redes sociais, fazendo-se passar por mulher "com ligações ao trabalha no mundo da moda, e pediu às meninas que lhe enviasse fotos como referência, e de preferência "íntimas". Ora para as garotas daquela idade isto é o mesmo que pescar peixe num barril, porque 1) ou têm a mania que são "princesas" ou 2) se têm algum complexo de inferioridade, isto para elas cai do céu. Mais tarde o suspeito combinou encontros com as "vítimas", revelando então a sua verdadeira identidade e procedendo a um jogo de chantagem, através do qual conseguiu abusar sexualmente de várias delas. Segundo a Polícia Judiciária, o suspeito terá "partilhado intimidades" com seis delas, e conseguido a penetração total do seu pénis na vagina de outras três - deste total de nove vítimas a mais nova tem 14 anos, não se especificando se foi uma das primeiras, ou das outras. Além disso a PJ encontrou ainda fotografias de 160 raparigas, tendo já conseguido identificar 78, todas residentes de Macau. Ora aqui está um dos "talentos" que o nosso chefe tanto procura. Se com esta cabecinha consegue passar nas provas psicotécnicas das Forças de Segurança e tudo, só pode ser um génio, porque burros é que os outros não são nada, não senhora!

Gente que enfia o dedo e roda



O leitor Feliciano Generoso mandou para GENTE QUE ENFIA O DEDO E RODA este bonito momento que captou num belo dia de Domingo que foi fazer "hiking" em Ká-Ho, na companhia de um amigo. Este sentiu-se indisposto e a meio do percurso teve uma aflição, e precisou de se aliviar no meio dos arbustos. Feliciano diz que foi um momento algo delicado, uma vez que nenhum dos amigos tinha guardanapos de papel, mas felizmente ia a passar ali um esquilo que deu conta do recado. Como é linda a amizade!



Condesso Leitão teve a melhor prenda que alguém podia desejar neste Natal: o seu pai teve alta do hospital, e passou a Consoada em família! Segundo o nosso leitor, o sr. Leitão sofreu um AVC triplo no início do ano, ficando incapacitado em 80% das funções neuro-motoras, e não se lembra como se chama, ou que dia é hoje. Olhe, meu amigo, foi Natal na semana passada, está bem? As melhoras, e um abraço!



Rui Palanca foi passar um dia à China, onde capturou este momento curioso. Um pequeno chimpanzé atacou o tratador como paga de anos de chicotadas, clausura e ser obrigado a dormir no esterco. Inicialmente parece divertido - olhem só como o macaco se diverte aos ombros do senhor! O Rui contou-nos que o homem acabou no hospital em situação crítica depois do animal lhe ter mordido a cabeça, arrancando parte do escalpe e causando traumatismo craniano, além da perda total uma das vistas. Ora essa, o que o Rui queria dizer foi que passou uma tarde fantástica!



A nossa amiga Joana Caramujo enviou-nos uma foto do seu Natal, que como se pode ver foi bastante animado. Depois do seu divórcio, Joana vive com o filho Adérito, que às vezes traz um amigo para jantar lá em casa - e o Natal não é mesmo tempo de partilhar e amar o próximo? Vejam como os três se divertem!

Buh, uh, coitadinha da Fu Xizinha



Esta cadelinha da provínciazinha de Henan, na Chininha, chama-se Fu Xi. Que bonitinha. Mas a Fu Xi está muito tristinha nesta quadrinha natalícia, coitadinha. Sabem porquê? Porque o doninho dela, buh, uh...MORREU! Buáááááá!!! Pois é, chuif, chuif, a cadelinha ficou semanas sem comer, pobrezinha, tantas eram as saudadinhas do doninho agora cadaverzinho - quem o diz são os vizos, perdão, os vizinhos, que nunca viram uma coisinha assim, imaginem. Também, não devem sair muito da casinha, os pobrezinhos. Mas a doninha, viuvinha do doninho, diz que em breve uma grande benção vai inundar a sua casinha de chichizinho e de cocózinho: a cadelinha...está grávida! Aleluiazinho! O piorzinho vai ser quando a Fu Xizinha der à luz os cachorrinhos, e estes tiverem o focinhinho do doninho. Aí é que vão ser elas, oralilas, com a doninha a fazer Fu Xizinha refugadinha para a Ceia do Dia dos Reizinhos. A propósito, os chineses comemoram o dia dos reizinhos? Acho que não, coitadinhos, isso seria tão imperialistazinho e tão anti-revolucionáriozinho, benza-os Deus...

domingo, 28 de dezembro de 2014

O pidezinho que há dentro de nós



Estava hoje a acabar de jantar enquanto esperava pelo programa "Contraponto" da TDM, e antes deste e logo após o Telejornal deu o programa "Ler +", que pela enésima vez foi dedicado ao trabalho da poetisa Maria Teresa Horta. Admiro muito a senhora, e a coragem que teve, desafiando o Estado Novo e a censura, e tudo isso, mas não sou grande adepto de poesia portuguesa contemporânea - acho mesmo que a poesia como género literário esgotou-se, e vai havendo cada vez menos espaço para sonhar acordado, e a realidade é demasiado dura para servir de travesseiro. Contudo o que mais admiro na senhora foi a sua resiliência, a sua força de vontade própria de quem se quer libertar das correntes da ignorância e do seguidismo acrítico, indo contra as convenções da época. Além da própria PIDE, a "auto-intitulada" polícia a que foi confiada a aplicação da tal censura, tinha contra si todos os outros que achavam que as coisas estavam muito bem como estavam, e que mudar só ia tornar tudo muito pior. Uns, poucos, pensavam desta forma porque o regime lhes servia às mil maravilhas, e os outros, a grande maioria, por cobardia; mas não só: o processo de brutificação que os boçais do poder tinham engendrado para tornar o povo ainda mais boçal que eles teve o efeito desejado. Com este cenário não me surpreende que a única saída fosse a revolução, o que veio a acontecer, efectivamente - em retrospectiva, tivemos sorte de ter sido uma revolução relativamente pacífica. É que para grandes males, já se sabe, e este era um mal enorme; e feio, mas o pior é que ainda resiste, o cabrão do carbúnculo pidesco. Só aquele pequeno excerto do programa dedicado à luta da Maria Teresa Horta pela liberdade de pensar, dizer e escrever o que muito bem lhe apetece dentro do respeito pela individualidade alheia já era suficiente para me fazer lembrar de outra realidade, geograficamente distante daquela, mas tão actual que parecia que a estavam a descrever naquele preciso momento.

O trabalho de Maria Teresa Horta foi censurado na base do "porque sim, porque nos apetece e isto não se diz" - típico de gente bacoca. O mais notável foram as "Novas Cartas Portuguesas", e num processo célebre na época foi acusada juntamente com as duas outras autoras da obra, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (também elas "Maria" de nome, ficando o grupo conhecido por "Três Marias") de atentado ao pudor, pois o conteúdo abordava o amor do ponto de vista da mulher e o próprio prazer feminino, não tanto o sexual, mas o da paixão em geral, com "prazer" aqui a ser sinónimo de satisfação, de bem estar. Mas não, não pode ser, e por isso o livro foi considerado "imoral" e "pornográfico", e isto com a benção adivinhem de quem? Pois, quem mais dá bençãos a não ser esses? Quando me vêm chatear os cornos a propósito da minha aversão às religiões em geral e à Igreja Católica em particular - "perguntar" ou "querer saber" não implica os julgamentos de valor que são feitos logo na hora em relação à minha pessoa - podia muito bem citar este exemplo. O que mais querem que eu pense a esse respeito quando em pleno século XXI ainda há pessoas que manda calar outra que diz algo que só eles interpretam como blasfémia, e depois olham para cima enquanto se benzem e pedem desculpa? Mas está tudo maluco ou quê? Estão a falar com os passarinhos, é? Ou será a uma mosca que está pousada no tecto? Mas isto tinha tudo um fim, é lógico. Ninguém se arma em maluquinho e tenta fazer os outros ainda mais maluquinhos por diversão.

Mas voltando ao assunto que aqui me traz. A certo ponto, a escritora fala dos canais que então utilizou para difundir a sua obra, uma vez que estava na lista negra das editoras e das livrarias, e como não podia deixar de ser, naquele tempo os únicos que se dispunham a ajudá-la eram os que optaram por se colocar no lado da oposição extrema ao regime: os comunistas. Aqui era esta a oposição, mas podia ser outra qualquer, bastava ser "contra". Se fosse um regime comunista a mandar, se calhar chamavam-se "democratas" - já estão a ver onde quero chegar, certo? Diz ainda que na altura em que a PIDE a pressionava mais, "ligavam-lhe para casa de madrugada", e "para os seus familiares", e quando havia uma voz, esta "dizia obscenidades, fazia ameaças ou insultos". Epá com um raio que o parta! Isto não vos faz lembrar nada? Todo este "quem não está connosco está contra nós, e se não gostar da alternativa, então está contra os dois"? O dramatismo do tipo "amor ou morte", com pessoas a serem seguidas e a ligarem-lhe para casa de madrugada? É verdade, meus amigos: quase meio século depois, Macau é em tudo parecido com Portugal no tempo da PIDE. Não? E não devia estar a dizer isto? Ah então, isso é o melhor que conseguem? E que tal chamarem-me à parte, insinuar que me vão lixar enquanto me tentam fazer ver que "gostam muito de mim, e é por isso estão preocupados comigo"? Ou se estiverem com muita pressa, podem sempre sentar-me à vossa frente e perguntarem-me "o que é que eu quero". Olha, e que tal "quero que vocês se lixem"? Mas já lá vamos, passemos agora à segunda metade deste "romance policial".

Veio a seguir o programa "Contraponto", que concluíu o tema da semana passada: os 15 anos desde a criacção da RAEM. Para este epílogo os convidados foram Carlos Morais José (CMJ), Miguel Senna Fernandes (MSF) e Emanuel Graça, e o que só por esse facto já prometia ser no mínimo interessante. O moderador do debate, o jornalista Gilberto Lopes, começou com uma pergunta forte: o que está melhor e o que está pior desde 1999. Aqui quem ficou um pouco de fora do fogo cruzado que se seguiu foi Emanuel Graça, que deve ter ficado um pouco baralhado. Claro que não tem a culpa de ter chegado (julgo que) apenas em 2005, e não ter essa referência do pré e após 99, pelo que ficou complicado entender o que movia a discussão entre os outros dois elementos do painel. De um lado tinhamos CMJ a dizer que Macau tornou-se uma cidade "desconfortável", que perdeu bastante em termos de qualidade de vida - nem era preciso acrescentar mais nada em frente do "qualidade", se bem que o conceito mais abrangente de "vida" também assenta como uma luva a este diagnóstico. Do outro lado tinhamo MSF a dizer maravilhas da RAEM, e de como há quinze anos "não tinhamos as coisas que temos hoje". De La Palisse, bien sûr, mas mesmo assim questionável. O que mais me assusta é que não só não tinhamos "o que temos hoje", como ainda esse era o nosso maior receio. E parece que se concretizou, para mal dos nossos pecados.

Não posso acusar nenhum deles de coisa nenhuma. O Miguel Senna Fernandes é possivelmente uma das pessoas mais pacíficas, conciliadoras e acessíveis que já conheci - pelo menos tendo em conta o seu estatuto, e há outros que com muito menos julgam ter o rei na barriga. Este é o tipo de pessoa que vê outras duas a discutir, ou ao estalo uma na outra, vai separá-los com um ar preocupado e diz: "shh...então o que é isso?". Não o faz por querer saber mesmo o motivo do desaguisado, mas apenas para que toda a gente se dê bem e não haja chatices para ninguém. A sua motivação é nobre, e estou aqui a falar de uma das poucas pessoas que ainda faz qualquer coisa na área da cultura e das artes, e ainda o faz despretenciosamente e sem ganhar bateladas de dinheiro com isso. O problema é que nem uns dão descanso aos outros, nem os outros são feitos de ferro, e um dia a casa vem abaixo. Carlos Morais José fez-me lembrar a selecção portuguesa, numa versão a que nos temos habituado a ver nos últimos anos: joga bonito, desenha jogadas fabulosas, faz passes de morte, mas falha no capítulo da concretização. O que eu quero dizer é que ele andou ali à volta da ferida e na hora de tocar nela fê-lo apenas de leve, ou nem isso. E isto tanto se consegue entender, como se aceita e ainda se receita: todos sabemos de coisas que se passaram ou que se vão passando, que só de mexer rebentam logo, e estando nós mais perto, o grosso dos estilhaços acaba enfiado na nossa cara, ficando o destinatário da nossa denúncia delatória a rir do nosso acto de heroísmo a atirar para a estupidez: "Mais um herói caído em combate" - diriam depois do pobre pateta.

As "coisas boas" que MSF referia tinham aparentemente a ver com alguns dos progressos na área da tecnologia, mas aí temos que ver que o resto do mundo está igual ou melhor que Macau, e havendo corporações multinacionais com sentido empresarial a lucrar com o negócio, porreiro, o Tio Patinhas dorme descansado e não chateia ninguém. No "quanto" parece que está tudo bem, mas no "como" é que nem por isso. A CTM, helas, cherchez la femme, a única operadora da rede móvel, uma situação de monopólio no sector das comunicaç§es que nesta região só encontra paralelo na Coreia do Norte. A questão não se prende tanto com a lentidão, ou coma a viabilidade de mercado desta ou daquela tecnologia, mas com antes com o fim. E com que "fim" temos uma ligação medíocre e apenas uma companhia encarregada de todas as contas da rede móvel e internet? Sendo que fica assim mais fácil controlar essa rede e essas contas e identificar os seus clientes caso seja necessário, quem é que lucra com isso?

Quanto à possibilidade que o MSF levantou, de "não se investir por não existir um mercado que o justifique", acho isto uma mentira em que nem as próprias pessoas que acreditam nela estão plenamente muito convencidas - se há algo aqui em que as pessoas normalmente investem sem pestanejar é em tecnologia, pois trata-se de investir nelas próprias, o que lhes parece sempre um investimento acertado. Idiotas. Sei que o MSF não injha nenhuma intenção maldosa, e estaria apenas a recitar a justificação padrão mais "apaziguadora", mas eu costumo dar o exemplo dos Donuts. Quais Donuts? Estes:



Estes donuts. Cada vez que digo que aqui no território não temos uma loja de donuts como outras cidades e territórios aqui à volta, a resposta que mais obtenho é: "as pessoas de Macau não gostam". Reparem na subtileza desta humilde presunção: "as pessoas de Macau" - uma única pessoa a declarar o que meio milhão de outras gosta ou não. Se "apertarem" com o tema, ainda conseguem ouvir qualquer coisa como: "as companhias não investem por causa dos preços das rendas das lojas". Ah aqui parece que já nos estamos a entender. Agora é só acrescentar o miserabilismo dos consumidores de Macau, que dão milhares por um telemóvel de última geraçÒio que daqui a seis meses "nem para partir nozes serve" (isto segundo eles), mas quase que se mijam todas quand o lhes pedem 10 ou 15 patacas por um bolo, e atiram de imediato com o facto de "no Maxim's um 'po lo bao' custar quatro patacas e meia". Olha, tomem lá dez patacas, comprem dois desses e metam-os pelo cu acima. E podem ficar com o troco.

Depois há outra curiosidade fascinante que observo cada vez que dou este exemplo - há sempre um chico-esperto qualquer que insinua que "é tudo o que eu quero: donuts" e ainda acrescenta "Só isso? Ohohohoho". O estimado leitor honesto, bem formado e com dois palmos de testa entende que este é um exemplo como outro qualquer; faltam donuts e faltam outras coisas, e mesmo que sejam apenas produtos de consumo imediato e até fúteis, como donuts ou "fast-food", a falta deles em Macau deixa-nos sem entender muito bem o que temos nós aqui se tão bom, afinal. Anos a fio a convencer as pessoas de que aqui temos uma sorte do caraças, e que lá fora andam todos a comerem-se uns aos outros deu origem não só a pessoas sem horizonte, mas também alimentou um monstro cujos filhos aprenderam que "pensar muito faz mal". Dizer que "eu quero é donuts" é pegar no acessório para desviar a conversa do essencial, mas eu até compreendo que prefiram assim do que a dizer que não têm resposta para me dar quando pergunto "onde estão essas coisas maravilhosas" que dizem por aí que temos em Macau, mas sejam honestos. Não me ofende que não me queiram dar razão, nem preciso da vossa anuência para coisa nenhuma, mas por favor abstenham-se de me tratar como um atrasadinho mental, que eu nao vou na conversa. Mas o que nao falta por ai e quem se lambuse com a banha da cobra, e isto leva-me ao ponto que nao sendo o essencial, e o mais triste, de dar pena aos frangos carecas: a comunidade portuguesa.

Tanto CMJ como MSF não conseguiram encontrar palavras para descrever a comunidade portuguesa em Macau, e um deles - julgo que MSF - disse mesmo que que "em vez de comunidade talvez devessemos dizer comunidades", referindo-se certamente à desunião, individualismo, pedantismo, narcisismo, autismo e cabotinagem que caracterizam em traços largos a nossa comunidade. Reparem que me estou a incluir neste lote, e mesmo sem me identificar com qualquer destes atributos, sinto-me parcialmente responsável. Desunida ou não, equipa é equipa, e quando ganha ganham todos, e quando se perde não interessa de quem foi a culpa nem há "ses" ou "mas": todos carregam consigo uma parte do peso da derrota. Já agora, inclui-se neste lote o sub-grupo dos macaenses, que o MSF tão bem conhece, e que neste anti-jogo "contra" tem uma característica fenomenal, invejada pelos treinadores mais masoquistas, para quem a derrota é praticamente o ar que respiram: consegue dividir-se, e desta divisão acaba por sair outra divisão, e depois mais outras, até que chegamos a ter grupos compostos por apenas um indivíduo. Quando alguém nota que este anda muito calado ultimamente, responde que "se chateou com ele próprio e deixou de falar consigo mesmo". O mais engraçado é o facto des dizerem mal de si mesmo, mas não gostam de ouvir a mesma coisa da boca de outros. Mas neste "abacaxi" estamos todos juntos, por isso tanto me faz que se cosam ou que se cozam.

A respeito deste tema, CMJ foi buscar a questão da língua portuguesa, e talvez eu esteja a fazer uma interpretação errada associando as duas coisas, mas aqui o nosso problema tem mais a ver com o fígado do que com a língua. Depois de 99 notou-se um certo apaziguar de alguns ânimos mais agitados, e agora dá para entender melhor o porquê desse fenómeno: andou-se a "apalpar terreno", a ver o que é que isto ia dar. Uma vez convictos de que não ia existir problema de maior, deram à costa alguns galifões, uns que acabavam de despertar da hibernação sabática a que se sujeitaram, e outros completamente novos, cheios de garra e pêlo na venta, chegados com as baterias por estrear. Aqueles mais "old school" aprenderam a movimentar-se nas sombras, pautando-se pela discrição, desferindo sempre que necessário golpes singulares, mas sempre certeiros e letais. Um truque que aprenderam com os novos senhorios foi o da "invisibilidade", optando agora por atingir os seus fins com recurso a intermediários, evitando uma exposição possivelmente danosa em termos de imagem. Os mais novos, por outro lado, são uns tipos e umas tipas que mal vieram, logo viram e finalmente perguntaram: "aceito o cargo de rei desta merda toda; agora levem-me ao trono". O que é mesmo de lamentar não é tanto a cagança desta gentinha, mas o facto de não usarem para o bem toda aquela experiência, sabedoria, dinâmica e conhecimentos técnicos. Em vez disso convenceram-se que isto eram favas contadas, estes gajos não me chegam aos calcanhares, e como de burros não passarão e as suas vozes aos céus não chegarão, toca a tomar toda a gente por parva, agradar só a este e àquele por motivos "estratégicos", e toca a capitalizar, já que isto perdido por cem, que perca por mil, e já que alguns desses golos sejam da minha autoria.

De facto em termos estruturais o território peca pelo baixo nível de quase tudo em termos de material humano: qualificações, capacidade de liderança e de decisão, ou de lidar com situações novas, perícia, ou "talento", o que lhe quiserem chamar, e é de notar o desinteresse pela aquisição de valências que permitam aos residentes maior competitividade. Há um problema? Chama-se alguém de fora para de resolver. E que tal formarmos a malta de cá? Na...isso demora tempo e a solução era para ontem, e além disso "dá trabalho" - aqui está uma coisa a que o pessoal de cá é alérgico, o trabalho. O que eles querem é emprego, de preferência sentados, bem remunerados e sem ninguém ou nada que lhes dê chatices. E entretanto nós, comunidade portuguesa, gente com horizontes largos e escolaridade de aprendizagem diversa, adquirida em plena liberdade, em vez de "puxarmos" por eles andamos mais preocupados em "fazer a folha" uns aos outros, ocupados com a masturbação mental que tem sido patente estes últimos anos. Andamos perdidos em exercícios fúteis de nos convencermos que somos os maiores da nossa rua, e nem damos pelo papel ridículo que estamos a fazer.

Estou convencido que se amanhã chegasse aqui um famoso ornitólogo qualquer para dar uma conferência, levasse consigo um papagaio e anunciasse alto e bom som à sala completamente cheia: "Isto é uma galinha". Depois pairava o silêncio, pontuado por algumas risadas tímidas, mas depois de repetir, desta vez mais alto e com um ar mais sério que tinha ali uma galinha, não se ouvia uma nem uma mosca. Se estivesse lá um Leocardo ou outro maluco qualquer e dissesse: "desculpe, mas qualquer pessoa consegue ver que isso é um papagaio, ou uma arara, ou o raio que parte, e vá gozar com a cara da sua tia, ó palhaço", era mandado calar, ou pediam-lhe mesmo para sair. Motivo: "o homem é o especialista, e sabe do que fala". É neste ponto que nós estamos, meus amigos; às vezes pensamos que estamos a lidar com atrasadinhos mentais, e de facto estamos, mas a esses interessa permanecer na condição de "atrasadinhos mentais", pois vão retirando aqui e ali alguns dividendos disso. Um dia cansam-se do tratamento, digamos, a atirar para o humilhante, e o que fazem? Procuram melhorar? Nada disso, vão procurar outros ainda mais atrasadinhos que eles para poder também fazer deles gato sapato. E é assim, "and so on, and so on, and so on", até à estuporização total. Claro que enquanto ficam entretidos nesta espécie de versão do concurso "Acha-se mais esperto que uma amoeba?", há quem vá capitalizando, gozando da imunidade que lhe dá a falta de fiscalização da parte da sociedade civil.

A tal reportagem premiada que ANTES de o ser chamei a atenção para aquela falha, e além de ter sido completamente ignorado ainda se seguiu uma orgia de bajulação e as palmadinhas nas costas do costume, como se quem dá força aos pobrezinhos miseráveis para que não desistam de vir a ser alguém um dia. O que queria eu com aquilo? Sei lá, e que tal admitir o lapso - e nem digo "fraude", que é o nome correcto - e ter mais cuidado da próxima vez? Não, deixa lá o maluquinho a falar para as as paredes, que a peça "está ao nível do que se faz nas melhores televisões do mundo". Sim, senhor. Sendo assim já sei agora o que a casa gasta, mas olhe que o rei vai nu. É tudo a brincar, não é mesmo? É no reino do faz de conta que nós estamos, não é mesmo? Ainda bem que avisaram, que vou já pôr os meus óculos cor-de-rosa. Já não bastava a alguns destes patetas alegres não ter conseguido singrar onde queriam e na área que pretendiam, como ainda não contentes com o cabotino sucesso que aqui obtêm, ladram cada vez que alguém chama a atenção para a enorme bosta que fizeram. Agora que sei com quem estou a lidar, não vale a pena explicar o que eu queria com aquele alerta. Tornou-se impossível tentar explicar que não ganho nada em criticar, e que tudo o que pretendo é que tenham um ponto de referência, qualquer coisa para motivar, e a partir daí levá-los a tentar fazer melhor. Mas não, nada disso. Se critico é porque sou um fdp de um ressabiado, artista frustrado blá, blá, blá. Olhem lá ó pázinhos, e se em vez de estarem aí com merdas, respondessem à crítica abordando as causas porque algo correu menos bem ou explicando aquilo que ficou menos claro? Ai não sou crítico encartado? Nem são os que vos dão palmadinhas nas costas e vos chamam de maiores do mundo da vossa rua e arredores.

A frase que tanto MSF como CMJ procuravam para definir a comunidade portuguesa em Macau era esta: "a pior inimiga de si prória". E quanto ao último, o meu mentor, guru e líder espiritual e director da única voz da liberdade, queria dizer-lhe que já há muito que o bom senso que o meu caro quer que prevaleça saltou pela janela e estatelou-se no chão. Ao assistir a tudo por que a Maria Teresa Horta passou, cheguei à conclusão que afinal não aprendemos mesmo nada. Aquele pidezinho que todos temos dentro de nós mas graças à cultura democrática que fomos adquirindo permite-nos tolerar o que consideramos intolerável, afinal tem um campo de erva a perder de vista em Macau, onde pode pastar e correr à vontade. Quanto ao meu caro amigo a que fiz referência um pouco mais acima nesta longa missiva, gostaria de me despedir dizendo que lhe dou razão quando me diz que "fica-me mal" dizer que escrevemos "para o boneco". Ao contrário de outros menos humildes, fa♪o aqui a devida retracção. De facto não andamos a escrever "para o boneco"; andamos sim a escrever para o fantoche.

Pêl-droed Wyddelig! Arrrhh!



Vi hoje no Telejornal da TDM que os Rangers, clube de futebol com sede em Glasgow, na Escócia, perdeu por 4-0 numa partida do Championship, a segunda divisão escocesa, e que esta foi "a maior derrota em 102 anos" dos 142 de história daquele emblema. Ssssiiiimm...bem, se não contarmos os resultados nas competições europeias, acredito, mas também diga-se em abono da verdade que até aí a última vez que tinham perdido por estes números foi em 96 na Liga dos Campeões, em Itália frente à Juventus. O futebol escocês é deprimente, mas tem uma ou outra particularidade engraçada. Em termos competitivos tudo se resume à rivalidade entre os Rangers, 54 vezes campeão e 33 vezes vencedor da Taça da Escócia, e o Celtic, também de Glasgow, campeão 45 vezes mas com mais taças conquistadas: 36. A rivalidade entre os dois clubes tem um significado que vai muito além do futebol, pois o Rangers é o clube dos "unionistas", leais à coroa britânica de confissão protestante-anglicana, e o Celtic é o clube dos católicos; os primeiros têm um quadro da rainha na sala e uma carpete à entrada com a cara do Papa, e os outros vice-versa - isto às vezes dá porrada, não tivesse religião metida pelo meio.



Rangers e Celtic têm dominado o panorama futebolístico nas terras altas da Grã-Bretanha desde sempre, mas com maior incidência nos últimos 30 anos. É preciso recuar até 1985 para encontrar outro campeão que não estes dois, o Aberdeen, orientado então por sir Alex Ferguson, antes de ser "sir". Recorde-se que o mítico treinador do Manchester United é escocês, e no seu país natal treinou, além do Aberdeen, o St. Mirren e a selecção - nunca um dos clubes da "old firm", que é também o nome que se dá ao "derby" que põe frente a frente Celtic e Rangers. Contudo fica por explicar a razão dos Rangers estarem numa divisão secundária, o que tem deixado os seus rivais católicos à vontade e sem oposição, a vencer campeonatos uns atrás dos outros. Ora isto deve-se ao facto do Rangers ter falido em 2012, ficado sobre administração da Federação, e rebaixado à Segunda divisão, o quarto nível da pirâmide do futebol escocês. Mas quem sabe nunca esquece, e agora sob a presidência de Ally McCoist, antiga glória do clube, o clube subiu ao segundo nível em dois anos, mas está mais difícil regressar à divisão principal. A principal razão prende-se com a concorrência, pois a liderança pertence a outro respeitável emblema das Highlands a passar por um momento difícil, o Hearts de Edimburgo, que lidera com quinze pontos de vantagem sobre o Rangers e dezanove sobre o Hibernian, também de Edinburgo, também com pergaminhos e também em crise. Só o primeiro sobe directamente, e os quatro seguintes jogam um "play-off".



Mas serão só católicos e protestantes que têm direito a torcer por um clube em Glasgow? E se eu fosse "Glasguense" (glasgonês? glasganete?) e não tivesse qualquer simpatia política e religiosa? Ora, para mim há o Partick Thistle F.C., o clube para escoceses de "kilt" encardido e barba rija e ruiva, que bebem uma ou duas garrafas de "scotch" depois de acordar e em cada duas palavras que dizem soltam um "arrrhhh!" - é o clube do Groundskeeper Willie dos Simpsons, mesmo que ele diga que apoia o Aberdeen. Partick (ou "partaig" ou "pairtick") é um distrito de Glasgow a norte do rio Clyde, e "thistle" é um cardo, uma planta que só um bom escocês compreende. Portanto estes são os "cardos" de Partick, e como o nome indica, quem se mete com eles, leva! Não confundir com os outros cardos, o Inverness Caledonian Thistle, que são da cidade de Inverness, como o nome indica, e o nome também dá outras pistas: é à beira do célebre lago Ness (não, o monstro não joga na equipa da terra). Ao contrário do Rangers e dos dois fanfarrões de Edimburgo, ambos estes cardos jogam na divisão principal, com o de Glasgow actualmente em nono lugar, e o de Inverness em quinto (estava em segundo à três semanas), numa liga que tem 12 equipas.



Mas para mim os escoceses estão é a perder tempo com isto do futebol, que é um desporto para meninas. A Escócia, com grandes tradições noutros desportos menos convencionais mas mais apaixonantes, casos da bebedeira, da porrada ou da cárie dentária, devia imitar os seus irmãos irlandeses e adoptar o Futebol Gaélico, que vemos ali explicado no vídeo. Os escoceses chamam-lhe Pêl-droed Wyddelig (fácil de pronunciar), e têm clubes respeitáveis na modalidade, como o Dún Deagh Dálriada, de Dundee, ou o Tír Conaill Harps, este de Glasgow, de que todos já ouvimos falar (eu já, pronto, agora mesmo). É que ficar pelo futebol como o conhecemos é uma merda para os escoceses, pá, e para aquilo ser minimamente digerível é preciso recrutar jogadores ingleses, e estrangeiros e o camano. Assim com este futebol gaélico dava para chutar a bola, ou em alternativa pegar nela com as mãos, e no evento de haver caldeirada, distribuir uma boa meia dúzia de socos e outro tanto de biqueirada. Não se esqueçam que isto são tipos que quase nunca vêem o sol. Arrrhh!