sábado, 30 de novembro de 2013

Mais um ano (obrigado a todos)


Hoje termina o sexto ano de emissões do Bairro do Oriente. Passam amanhã seis anos que iniciei este espaço na blogosfera, e desde o dia 1 de Dezembro de 1997 foram publicados 9590 artigos (incluíndo este), foram contadas mais de um milhão de visualizações, e publicados mais de 30 mil comentários. Os números são o que são, e nem sequer são nada de especial, mas o Bairro do Oriente é um blogue com gente lá dentro. Portanto a todos os que por aqui passaram, a bem ou mal, muito obrigado.

Este mês de Novembro deixou-me feliz, pois o sitemeter voltou a registar mais de 10 mil visitas, o que não acontecia desde Maio. De facto este mês que agora finda foi o segundo melhor de 2013, batido apenas por Janeiro. Como já disse repetidamente, escrevia na mesma para um leitor na mesma quantidade e qualidade com que escreveria para um milhão, mas é sempre gratificante saber que não estou a escrever para o boneco. Se alguém tem razões de queixa quanto aos conteúdos ou à qualidade dos mesmos, então por favor aceite as minhas humildes desculpas. Não guardo qualquer rancor a quem me criticou, ou sequer a quem me insultou. Seja qual for a crítica ou a razão da discórdia, por muito injusta que seja, estou sempre disposto a ouvir. Para mim só se esgota a via da diplomacia quando a questão passa a ser unicamente pessoal, sem qualquer relação com a divergência de pontos de vista.

O Bairro do Oriente surgiu no seguimento de um projecto que começou por ser uma simples brincadeira, o infame "Leocardo em Macau", que mantive desde Março de 2006 até Novembro de 2007. Nunca foi minha intenção ofender ou magoar ninguém, mas a exposição a que o blogue foi sujeito, andando de boca em boca, trouxe-me um protagonismo que nunca desejei, e que confesso agora pela primeira vez, chegou a assustar. O novo blogue que nasceu faz amanhã seis anos teve o condão de ser mais generalista, mais moderado e mais sério. Tenho levado este barco a bom porto, e com a excepção daquele "fim-de-semana perdido" entre Agosto de 2011 e Maio de 2012, tem sido regularmente actualizado, sempre atento à actualidade de Macau e do mundo, com ênfase para os artigos de opinião. E repito, esta é a minha opinião, e nunca pedi a ninguém que concordasse com ela.

O regresso em Maio do ano passado trouxe algumas mudanças ao blogue, e desde que a secção de comentários passou a ser moderada, a acção passou toda para o Facebook. Nessa rede social tentei incluir o maior número de leitores possível, bem como amigos comuns e elementos da comunidade lusófona de Macau. Peço desculpa se alguém não gostou que lhe tivesse pedido amizade, ou se omiti alguém que gostaria de ficar informado em tempo real de novos "posts" no blogue. Podem fazer-me o pedido - Leocardo Emmacau, é esse o nome - e eu aceito. São actualmente 1101 amigos virtuais,e quantos mais melhor. Desde que revelei a minha identidade, depois de seis anos de anonimato, recebi um simpático convite do jornal Hoje Macau para assinar uma coluna semanal, o que tenho feito assiduamente todas as quintas-feiras (nunca falhei uma) e considero esse espaço uma extensão do blogue, uma ala nova, mais luxuosa e com mais visibilidade. Obrigado ao Carlos Morais José pelo convite e ao Gonçalo Lobo Pinheiro pela paciência com que tem aturado alguns atrasos - garanto que existe uma boa explicação para todos.

Não recebo um cêntimo pelo trabalho, que muitas vezes é desgastante e me priva de muitas horas de sono e de lazer, nem isto se trata de um exercício de ego. É apenas a vontade de divulgar o nome de Macau, o que se passa nesta ex-colónia portuguesa, facto que tantos teimam em ignorar, e sobretudo entreter os leitores fazendo aquilo que mais gusto desde miúdo: escrever. Noutros tempos passava as ideias para o papel com o auxílio de uma caneta, mas desde então a tecnologia evoluíu à brava, e agora é tudo mais fácil, à distância de um clique. O blogue tem actualmente 120 seguidores e visitantes dos quatro cantos do mundo lusófono e não só, uns que vêm aqui parar por acaso e outros que dispensam algum do seu tempo livre para me aturar. A todos esses, aos amigos do Bairro do Oriente, do Leocardo ou do Luís Crespo, um grande bem-haja, e mais uma vez muito obrigado. Se Deus, o acaso ou outra coisa qualquer que nos guia por esta vida permitir, daqui a um ano estaremos aqui a festejar o 7º aniversário.

Leocardo

PS: Amanhã não vou fazer qualquer edição especial de aniversário, mas o programa será bem mais ligeiro. Além das habituais notícias do desporto, vou abordar o dia mundial da SIDA, que se comemora, e o sr. rato tem uma mensagem para os leitores. Fiquem atentos!

Quem reencontra conta um conto


Isto é que tem sido uma roda-viva aqui no Bairro do Oriente, mas mais tarde vão perceber porquê. Enquanto isso vou cumprindo com o programa, e chega agora a vez do artigo de quinta-feira do Hoje Macau. Até já.

Tem início este Sábado e durante uma semana mais um Encontro das Comunidades Macaenses, uma iniciativa conjunta das associações de macaenses locais e as Casas de Macau no exterior, e que se saúda. O encontro traz ao território macaenses da diáspora vindos dos quatro cantos do mundo, dos países onde estão radicados e seus descendentes, que vêm conhecer ou rever a terra dos seus pais e avós. Mais do que um evento social, cultural ou uma mera curiosidade, é um momento sempre comovente. Aqueles que partiram da casa onde nasceram mas levam-na sempre consigo no coração estarão a contar os dias, as horas e os minutos que lhes faltam para regressar, mesmo que apenas por poucos dias. Eu próprio sinto-me assim quando vou de férias à minha cidade natal, mas não carrego comigo o peso da herança histórica, da singularidade que é ser macaense. Os filhos da terra que vão voltar a ver a sua “mãe”, Macau, sentem-se como eu, mas vezes mil.

Depois de manhã e até ao próximo dia 7, praticamente todos os macaenses a residir em Macau vão ter por cá um primo, um tio, uma tia, um parente afastado, um amigo de infância. Sabe bem reencontrar alguém que não vemos há muito tempo. Há sempre tanta coisa para contar, gente para rever, memórias para recordar, e curiosamente são sempre as mesmas. A seguir a um “lembras-te quando…” vem sempre uma história que já se repetiu centenas de vezes, mas que sempre se renova quando se limpa o pó da saudade e da distância. Entre os abraços e lágrimas, a costumeira “chuchumeca”, o “patuá”, a culinária macaense, e tudo ao som dos clássicos da Tuna Macaense, é nesta altura que letrados, catedráticos e outros curiosos sobre Macau e a sua história fazem o exercício sempre fútil e inconclusivo de explicar o que é quase impossível de explicar: o que é um macaense.

Quando cheguei cá há mais de vinte anos, não tinha conhecido um único macaense em toda a minha vida. Não sabia nada, mesmo nada de Macau, dos macaenses ou do que representou a nossa presença secular durante quatro séculos por estas paragens do Oriente distante. Foi com esta tábua rasa na bagagem que aqui cheguei, e se fosse embora amanhã, podia-me orgulhar de levá-la cheia de marcas, mas sempre incompleta. Há sempre algo que nos surpreende, um detalhe que desconhecíamos por completo, qualquer coisa que não entendemos e nunca vamos entender. Outra das escassas informações que tinha antes de vir para Macau foi que era “um lugar pequeno, onde todos se conhecem”. Com menos de meio milhão de habitantes, pensei que não seria muito diferente de qualquer cidade portuguesa média, como a Amadora ou o Barreiro. Outro engano fruto da presunção e da arrogância. Por mais pequeno que Macau seja, a heterogeneidade das suas gentes fazem dele enorme, o maior do mundo.

Os macaenses são o exemplo acabado dessa diversidade, dessa diferença, do ser e do sentir Macau. Os portugueses chegaram, e depois partiram. Os chineses sentem-se chineses, sejam eles de Macau, Hong Kong, Pequim ou Xangai. Os macaenses são e sempre foram macaenses. São portugueses e são chineses, ou nem sempre, e às vezes nem uma coisa nem outra. São tudo e ao mesmo tempo nada. Nas palavras do poeta, são fogo que arde sem se ver, um contentamento descontente. Parece complicado mas não é. Tentar definir um macaense pela tabela da antropologia, ou com recurso a factores históricos, linguísticos ou étnicos é como tentar dividir o número 10 pelo número 3 e tentar obter um número inteiro. Há quem tenha todos os predicados para se inserir na definição generalista de macaense: sangue português e chinês, bilingue, católico, e não se considere macaense. Há quem não tenha nenhum deles mas que se considere macaense. O único ponto em comum é Macau. Eu próprio naturalizei-me macaense, posso jogar pela selecção do Lilau, mas serei sempre “o estrangeiro”, mas naturalizado. Quando canto o “Assi sã Macau”, sou como o Pepe a cantar o hino da selecção portuguesa. Apreciam o meu esforço, mas nunca serei igual a eles. Já tenho muita sorte se me levarem a sério.

Aprendi muito da comunidade macaense durante todos estes anos, e não me canso de aprender. A diferença entre Macau e o resto do mundo é a mesma diferença entre as telenovelas e a vida real. Ao contrário do resto do mundo e da vida real, em Macau acontece sempre qualquer coisa todos os dias. Por aquilo que me contam, é o que dá a entender e mais uma vez posso estar enganado. Tentar entender Macau e os macaenses é estar constantemente enganado, e se isso parece mau em teoria, no fim a gente adapta-se. Situados entre duas culturas tão distintas como a portuguesa e a chinesa, os macaenses têm as qualidades de ambos, bem como alguns defeitos. A qualidade que mais aprecio é o trato fácil, o à vontade com que abordam um português ou um chinês, com que travam amizade, a facilidade como iniciam uma conversa com a pergunta que é já um clássico: “filo di quêm?”. A esse respeito tenho uma história engraçada para contar. Durante um destes encontros das comunidades, um senhor macaense a residir no Brasil veio até à minha repartição pedir informações. Depois de o atender, já curioso perguntou-me de quem era eu filho – “filo di quêm?” – uma vez que sendo funcionário público, para ele eu só podia ser natural de Macau. Entendi o que quis dizer, e expliquei-lhe que nasci em Portugal. Podia-lhe ter dito simplesmente o nome do meu pai, que nunca esteve por estas bandas, e mesmo assim o senhor dizia-me que eu era parecido com ele: “cara chapada di pai!”. Esta é outra característica que admiro nos macaenses: a sua imensa simpatia.

Dos defeitos, e no fundo todos temos alguns, há um que pode ter feito toda a diferença. Na terça-feira ouvi no programa Paralelo 22, da Rádio Macau, uma jovem macaense a falar da sua experiência como estudante em Portugal, e de como os portugueses “consideravam-na chinesa”, enquanto que em Macau “éramos todos iguais”. Discordo de ambos os pontos de vista, mas foquemo-nos no segundo. Se há algo que se pode apontar aos macaenses é a diferenciação que faziam dentro da sua própria comunidade, um certo elitismo, se quiserem. Distinguiam-se entre os que eram de boas famílias e os “outros”, dos que moravam na Praia Grande e na Penha dos que viviam na zona norte, os que estudavam no Liceu e os da Escola Comercial ou do Colégio Dom Bosco, e até pela percentagem de “sangue português” e do domínio da língua. Tivessem sido os macaenses mais unidos, alheios a todos estes factores, e talvez fossem agora os grandes intérpretes da Macau de hoje, e não apenas o ponto de ligação entre o passado e o presente.

Mas a partir deste Sábado serão todos um só, e à luz de um passado, de uma história e de uma identidade única que importa mais que nunca preservar, não vão haver mais ricos e pobres, “cara-china”, tancareiras, dom-bosqueiros ou outra qualquer facção dos tempos em que Macau era “a mais pequena das sua família”. O maior paradoxo deste encontro é a forma como Macau é encarado pelas diferentes gerações que participam neste encontro. Para os jovens que já nasceram na diáspora, muitos deles cidadãos de pleno direito do país de acolhimento e já com uma identidade própria, Macau é “fixe”, “muito jóia” ou “very typical”. Para os seus pais e avós, que olham para esta capa de modernidade, luxo e betão armado que cobriu o Macau que eles conheceram, é apenas saudade. Mas para quê explicar isto aos mais novos? A hora é de festa, e tristezas não pagam dívidas.

Motivos de segurança


Foram apresentadas esta quinta e sexta-feira as LAG para a área da Segurança, com a presença do Secretário da tutela, Cheong Kwok Va, bem como da nata dirigente das polícias de Macau. É caso para dizer que foram os dois dias do ano em que o hemiciclo dos Lagos Nam Van estiveram mais seguros. Estas devem ser as LAG mais ingratas para os deputados da AL. O que sabem eles sobre o assunto? O que se passa no submundo do crime organizado? O trabalho que é necessário para que possam circular na via pública em segurança, ou para dormirem descansados à noite? O que sabem eles que qualquer cidadão mais ou menos bem informado não saiba também? Algum deles fez parte da polícia ou do pessoal militarizado? Ironicamente alguns deles teriam mais rapidamente problemas com a polícia do que fazer parte dela.

Cheong Kwok Va é juntamente com Florinda Chan e Francis Tam um dos "resistentes" às alterações do xadrez político da RAEM, desempenhando a mesma função desde Dezembro de 1999, altura da entrega de soberania. Diz quem o conhece que Cheong Kwok Va é um homem honesta, foi um agente policial correcto, honesto, referido como um incorruptível, e que recebeu vários louvores e distinções durante os tempos da administração portuguesa. Era a pessoa indicada para esta tutela, e até agora tem-se pautado pela discrição, sem muita sede de protagonismo. Achei encantadora a forma como o Secretário delegou aos seus subordinados a resposta às perguntas dos deputados. A pergunta é sobre o combate ao tráfico de droga? Passo a palavra ao sr. director da Polícia Judiciária. Crime transfronteiriço? Responde o sr. director dos Serviços de Alfândega. Sobrelotação na prisão? Faça favor, sr. director do Estabelecimento Prisional de Macau. Cada macaco no seu galho. E porque não?

Uma frase que marcou a apresentação destas LAG para a Segurança, e proferida pelo seu próprio responsável máximo: "a polícia limita-se a cumprir as leis que os outros fazem". Isto resume em poucas palavras a função do agente policial: cumprir e fazer cumprir a lei, e pouco importa se pensa que está certa ou errada. Eliot Ness, o agente do Tesouro Americano, o antecessor do FBI, ficou conhecido como o homem que colocou o gangster Al Capone atrás das grades. A sua missão era fazer cumprir a Lei Seca, imposta na América dos anos 20 e que proibiu o consumo de bebidas alcoólicas, e combater o produção e distribuição clandestina de álcool. Quando lhe disseram que a Lei Seca ia ser levantada, e perguntaram o que pensava fazer depois, Ness respondeu: "acho que vou beber um copo". É assim o polícia que se preze. Pode gostar da fruta, mas se for contra a lei que se comprometeu a cumprir e fazer cumprir, não lhe toca com um dedo.

Penso que Cheong Kwok Va tem feito um bom trabalho. Nem mau, nem excelente, vá lá, digamos que tem sido positivo. Macau continua a ser uma cidade segura ao ponto de fazer inveja a outras regiões vizinhas. Estará menos segura que há cinco ou dez anos, mas a cidade cresceu bastante. O aumento da criminalidade tem acompanhado o crescimento de Macau a um ritmo que se pode considerer "normal". Os que se recordam dos tempos do "faroeste", entre 1997 e 1998, altura da guerra das seitas, sabe que estamos mais seguros agora. Mesmo a problemática da droga, o grande cavalo de batalha dos que querem apontar o dedo à segurança mas não têm outros argumentos, não é to grave como nos territórieo ou regiões vizinhas. Não temos por aqui nenhum Casal Ventoso ou algo semelhante, e olhem que já chegamos a ter. A criminalidade informática e a burla, situações que têm sido cada vez mais frequentes, são dificilmente imputáveis ao sr. secretário. Não lhe compete ir educar a população para que não confie nos contos do vigário. Se há gente burra que cai nesses truques, não será por culpa de Cheong Kwok Va.

Não foi um ano fácil para as Forças de Segurança, nomeadamente para a PSP. Tivemos os célebres casos do comandante embriagado que obrigou os seus cadetes a fazer flexões num silo automóvel, ou o comportamento irregular dos agentes da autoridade durante algumas manifestações, nomeadamente o 1º de Maio ou a visita de uma alta individualidade do estado chinês. Responsabilidades que devem ser imputadas ao comandante da PSP, e que resultam de uma certa confusão que existe quanto às directivas a cumprir pela polícia, que também não vê o seu trabalho facilitado pela classe política. Em resumo, a polícia não sabe muito bem como agir no contexto do politicamente correcto. As questões levantadas pelos deputados prendem-se sobretudo com a falta de pessoal, com o aumento residual de certa criminalidade, enfim, tudo "lana caprina". Daquilo que é essencial, ou seja, as medidas que as Forças de Segurança tomam para que fiquemos protegidos de males maiores, os deputados pouco ou nada sabem. Nesse aspecto pode-se dizer que o segredo é a alma do negócio, e os agentes no abrem o jogo. Por motivos de segurança, claro. Compreende-se.

Faz frio no Paraíso


Que dias maravilhosos temos tido em Macau. Depois da chuva e do tempo cinzento no fim-de-semana do Grande Prémio entrámos na época do ano em que o clima atinge o seu ponto de rebuçado. Cai a temperatura, desce a humidade, o solzinho anda por aí, que deleite! O Verão abafado, chuvoso e pegajoso já lá vai, o ar-condicionado fica desligado, voltamos a sentir o ar puro e fresco. Pele seca? Mou man tai, comprem um creme. Cieiro? Ora, já inventaram um baton para isso há séculos, não sabiam? Prefiro mil vezes hidratar artificialmente a pele do que ter o suor a escorrer-me pela cara, com a horta toda empadada lá em baixo, e manchas de sal na roupa. Viva o Outuno de Macau. Que saudades.

É nesta altura que regressam ao território os aposentados que dividem o que lhes resta do seu tempo entre Portugal e Macau. Em Maio partem do Macau do calor para o Portugal em flor, ficam até ao fim do Verão ameno e voltam ao Oriente antes que o velho Inverno os brinde com a sua chuva, vento e neve nas terras altas. Que inveja tenho deles e da sua vida climatizada. De Abril ou Maio até Setembro ou Outubro em Portugal, e no resto do ano em Macau. Quem disse que é impossível atingir a perfeição?

Como dá gosto descer as escadas de manhã, abrir a porta e sentir aquele ar frio e seco, ao mesmo tempo que o sol ilumina o pátio onde moro. Um sorriso depois, respiro fundo,e já com os óculos escuros vou caminhando pela cidade velha, pela Rua da Tercena até à Rua dos Mercadores, passando pela Rua dos Ervanários. A luz do astro-rei dá um outro encanto às casas velhas, que podemos apreciar com calma sem o enfadonho peso da humidade nos ombros. Até a Rua da Palha, esse lugar sitiado onde é quase impossível circular, tem a sua elegância, pelo menos de manhã cedo, quando há menos turistas.

O que não consigo entender muito bem é a reacção da população à mudança de temperatura. O termómetro baixou meia dúzia de graus entre Domingo e segunda, e toca a tirar do armário as botas, os casacos, os cachecóis, os gorros, as luvas. Os mais vaidosos aproveitam logo para exibir o seu novo guarda-roupa Outono/Inverno, e em alguns casos fico a pensar que o foram comprar na Sibéria. Desde quando é que uma mínima de quinze graus e uma máxima de vinte é razão para tanto alarido? Estão com medo de se constipar, os bebés?

Este tempo fresquinho faz-me lembrar as noites de verão em Portugal, quando arrefecia depois de um dia de 40º à sombra, mas bastava apenas um casaquinho leve ou uma camisola para resolver o problema. Para esta gente é pretexto para se vestirem de esquimó: as mulheres com meias de malha grossa e botas de cano alto, os homens com aqueles casacos que mais parecem coletes salva-vidas. Se com este tempo fresquinho é assim, em Janeiro e Fevereiro, quando a temperatura cair para menos de dez graus, vão morar para um iglo e comer peixe cru que apanham de um buraco serrado no chão.

Ainda se compreende que os filipinos e os indonésios tenham mais problemas em adaptar-se ao frio, pois vêm de países onde nunca faz menos de vinte graus, mas vós, gente de fibra nascida na imprevisível Àsia das Monções? Deviam saber tratar o frio por tu, já que se adaptaram tão bem àquele calor insuportável que em 20 anos ainda me causa dissabores. Deixem-se lá de mariquices, pá. Tirem lá os adornos, vão até à beira-mar e gozem aquele ventinho que corta à faca, como se estivessem a testar o chassis num túnel de vento. Aproveitem as contas luz mais baratas. Garanto que em Julho e Agosto vão ter saudades.

Figura da semana: ARTM


Numa semana em que tanta gente burra deu à costa e nos inundou de disparates, há algo de positivo que emerge. A Associação de Reabilitação dos Toxicodependentes de Macau (ARTM) foi agraciada com o prémio de "Outstanding role as a non-profit organization" na edição deste ano do "Macau Business Awards", cerimónia organizada pela revista "Macau Business" e que teve lugar na última quarta-feira. Este prémio é antes de mais um reconhecimento, mais um, pelo papel da ARTM no tratamento dos toxicodependentes, uma tarefa complicada numa sociedade onde ainda reina o preconceito e a indiferença. Ainda há muito boa gente que pensa que "o lugar dos drogados é na prisão", e que quem trabalha com "drogados", ou é drogado também, ou anda a chover no molhado: só na prisão é que se aprende. Em Coloane, sim, mas atrás das grades, isolados da sociedade.

O sistema faz a vontade à sociedade, e trata a toxicodependência como um crime, e os mais moderados defendem que se trata de uma "doença", e ainda pensam que estão a ser bons samaritanos. Considerar a dependência de substâncias como uma "doença" é subjectivar o problema. Não se está doente, está-se dependente. Tratando-se de uma doença, será talvez no sentido de "doença social", um mal, algo que é rejeitado pela sociedade em geral e punido como um ilícito. O toxicodependente é no fundo uma pessoa como nós, que virou numa esquina errada do caminho da vida, e acabou perdido num labirinto. São instituições como a ARTM que ajudam estes seres humanos como nós a encontrar a saída deste labirinto, e cabe-nos a nós, que somos livres, apoiá-la e encorajá-la no seu trabalho. Não são as pessoas más, problemáticas ou fracas que podem cair nas malhas da toxicodependência. É um risco que todos corremos. Apoiem e respeitem a ARTM; dizer que não é nada connosco é como dizer que os bombeiros não têm utilidade porque nunca tivemos um fogo em casa. E já agora muitos parabéns a todos na ARTM, um abraço e um bem-haja ao seu presidente Augusto Nogueira e a toda a sua equipa. Coragem!

Quem tudo quer tudo verde


Um dos "happenings" da semana foram as polémicas declarações do presidente do Sporting, Bruno Carvalho. Esperem, eu disse "polémicas"? Queria dizer "parvas". Desculpem lá isso. Tudo aconteceu no último Domingo durante um almoço com adeptos sportinguistas em Braga, antes do jogo dos leões em Guimarães. Bruno de Carvalho fez um primeiro discurso onde agradeceu a todos, ao seu avôzinho, paizinho e mãezinha por ser do Sporting, enfim, inanidades, e depois disso um grupo de grunhos desatou a berrar no restaurante, ou usando um eufemismo recorrente "entoando cânticos". Posto isto o presidente do Sporting entusiasmou-se (excitou-se?) e disse que a solução para os problemas do país era "tirar o vermelho da bandeira nacional". Os grunhos aplaudiram, lógico.

Claro que depois disto a grande maioria do país caíu em cima do presidente do Sporting, acusando-o de insultar os símbolos nacionais, exigindo que se demita e seja irradiado do futebol, atirado pela borda do país fora, enfim, um pouco de tudo, e não faltou quem se quisesse rebaixar ao nível das declarações de Bruno Carvalho, ou ainda mais baixo. Entre os sportinguistas, há os (poucos, felizmente) que o apoiam, os outros que o censuram e aqueles mais inteligentes e sensatos que preferem não dizer nada (também poucos, só que aqui infelizmente).

Para quem não percebe nada de futebol ou está-se nas tintas para essas rivalidades da treta, fica sem perceber muito bem o que Bruno Carvalho quis dizer. Sim senhor, a sua ideia é que retiremos o vermelho da bandeira nacional, e depois? Portanto, o senhor dá uma sugestão para resolver os problemas do país, que é uma coisa que nos diz respeito, dava imenso jeito, e a seguir vai embora. "Pintem tudo de verde!", só isso. Bem, a única bandeira completamente verde que conheço é a da Líbia de Gadaffi, entretanto já modificada. Não é lá muito bom exemplo, se querem que vos diga. Mal por mal, antes Portugal.

O presidente do Sporting tem uma forma especial de agitar as hostes do clube que preside. Já tinha feito referência à idade do presidente do FC Porto, Pinto da Costa, sugerindo que estaria a sofrer de demência, o que não é nada elegante. Não sei quem foi que lhe disse que para os adeptos do Sporting gostarem dele era preciso ser malcriado e idiota. Neste caso da bandeira penso que Bruno Carvalho mediu o QI à plateia, e resolveu baixá-lo, para comunicar mais facilmente. É um simples exercício, parecido com o "reiki": inspira-se, expira-se, e zás! o QI cai logo 30 ou 40 pontos. Eu não sei qual é a solução para o país, e se soubesse juro que dizia. No entanto há um grande problema que aqui salta logo à vista: a porra do clubismo. Não sejam trogloditas, pá!

Não vás a Sichuan, sr. rato!


Eu e o sr. rato andamos desencontrados. Vai para uma semana que não vejo, e ainda na quinta-feira cheguei a casa perto das sete da tarde, acendi a luz da sala e ouvi-o a fugir que nem um raio, nem sei bem para onde, levando tudo à sua frente. Se calhar interrompi algum momento de intimidade com alguma rata sua amiga, não sei. Não fosse o sr. rato tão tímido, e demonstrasse alguma disponibilidade para trocar dois dedos da sua pata de conversa, e advertia-o para este grande perigo que chega do continente. Na província de Sichuan, onde quem manda são os pandas, os ratos não são bem vindos.

Pelo menos é o que dá a entender esta imagem publicada na quinta-feira na rede social Weibo, que mostra três camaradas do sr. rato metidos em grandes sarilhos. Reza a história que os ratinhos foram capturados por um funcionário de uma agência de publicidade em Chengdu, onde andavam a roubar comida e a ratar os cabos da aparelhagem de vídeo que faz a segurança do edifício. De seguida, e bem ao estilo da Revolução Cultural, foram amarrados vivos a um poste de electricidade juntamente com uma mensagem em chinês onde se lê: "cometi um erro, e estou arrependido". O tal funcionário, apenas identificado pelo apelido Liu, diz que decidiu torturar os pobres ratinhos para "chamar a atenção para os roubos de fim-de-ano". Liu tranquilizou os defensores dos direitos dos animais, assegurando que os ratos seriam "soltos no campo, onde teriam um gato para cuidar deles". O engraçadinho...


Já em Setembro um homem palestiniano residente em Hebron, na Cisjordânia, amarrou um rato a uma "máquina da tortura" depois deste ter roído parte do seu salário. O homem tinha escondido o dinheiro num casaco que guardou num armário, sem saber que ali morava o seu sr. rato, que lhe ratou algumas notas. O homem publicou a imagem no Facebook, e há quem desconfie que a sua conduta se deveu ao facto do rato ser judeu. Puro engano, pois se fosse esse o caso, o rato tinha levado o dinheiro, e não ratado ☺ Ah estes palestinianos...quando não estão a queimar bandeiras, estão a torturar ratos.

Peyroteo (melhor que Eusébio, entre outros)


Quem foi o goleador mais eficaz de todos os tempos? Pelé? Nem por sombras. Pista: era português. Eusébio? Pff....um amador. C. Ronaldo? Too soon...think again. Sim, agora que o presidente do Sporting, esse bisneto de visconde, chega a Macau e janta com os sobrinhos-netos de visconde na quinta-feira no restaurante Miramar, deixo-vos com um facto que faz qualquer lagarto encher ao ponto de ficar maior que uma iguana. Fernando Peyroteo, velha glória do Sporting, tão velha que morreu há 25 anos, foi o goleador mais eficaz da história do futebol. Xim, xim, em jogos oficiais pelo Sporting, Peyroteo marcou 331 golos em 197 jogos, uma media de 1,67 golos por jogo, que ainda ninguém conseguiu superar - e nos tempos que correm dificilmente alguém conseguirá. E isto foi apenas em jogos oficiais, pois incluíndo amigáveis, o goleador nascido em Angola marcou 554 vezes com a camisola verde-e-branca. Entre 1937 e 1949, o tempo que durou a sua carreira, Peyroteo venceu cinco campeonatos nacionais, outras tantas Taças de Portugal, e um supertaça, sendo o melhor marcador da liga em seis ocasiões. Foi 20 vezes internacional por Portugal e marcou 14 golos, isto num tempo em que a selecção ainda não jogava dez ou mais vezes por ano. Retirou-se aos 31 anos devido a lesão, e viria a falecer em 1978, aos 60. A título de curiosidade, refira-se que José Couceiro, actual treinador do V. Setúbal, é sobrinho-neto de Peyroteo. Isto prova que o talento nem sempre é hereditário.


Vídeo da semana


“Esta é a história do amor de uma mãe pelo seu filho”. É assim que o fotógrafo norte-americano Benjamin Scot Miller apresenta o vídeo que mostra o primeiro ano de vida de seu filho Ward Milles, nascido prematuro com apenas cinco meses e meio. O filme foi uma surpresa do fotógrafo para o aniversário da sua esposa, Lyndsey Miller, de 32 anos. Por coincidência, no mesmo dia o casal comemorava a chegada do bebê em casa, passados 107 dias internado no hospital. Mesmo desesperado, o casal manteve suas esperanças e viu o filho resistir. Hoje com 16 meses de vida, Ward já está a aprender a engatinhar e andar, além de pronunciar algumas palavras.
Um verdadeiro milagre.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Indiferença



Primeiro levaram os comunistas,
Mas não falei, por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,
Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.

Martin Niemoller

As declarações da deputada Song Pek Kei a propósito dos trabalhadores não-residentes proferidas esta semana durante as LAG para a Economia e Finanças foram carne que chegasse para encher os chouriços da imprensa em língua portuguesa de Macau, e ainda sobrou. Eu próprio não me excluo dessa salsicharia, e é o terceiro "post" que dedico ao tema. No momento em que li as legendas em português daquilo que a deputada disse, vi logo ali que tinhamos material para discutir toda a semana, e quem sabe até depois disso - estou curioso para ver as suas intervenções durante as LAG dos Assuntos Sociais e Cultura. Nasceu uma estrela na AL, uma artista da "gaffe". Cuidado, Fong Chi Keong. A diferença é que esta pode ser perigosa. O tio Fong fala, fala, fala mas a gente não liga. O que Song Pek Kei diz e pensa é preocupante.

Praticamente todos os colunistas meteram a colher nas afirmações da jovem deputada, destacando acima o tudo a contradição que representa ter um discurso xenófobo, sendo ela própria filha de imigrantes de Fujian. Paulo Rêgo escreveu assinou uma peça sobre o assunto no Ponto Final de hoje, e chamava a atenção para esta passagem no mínimo interessante: "Se antes dos seus pais terem cá chegado fosse essa a tese dominante a menina teria de viver Fujian – ou talvez nem tivesse nascido, porque no império do filho único as meninas ocupam o espaço do filho varão".

Isto lembra-me de um episódio que aconteceu comigo há três anos. Tenho uma colega que conheço mal, pois trabalha num departamento situado noutro ponto da cidade, mas do pouco que sei dela é que pretence à comunidade de Fujian, tal como o seu marido, e tem 5 (cinco) filhas, todas meninas, portanto. Esta apetência para a procriação não se deve a nenhum tipo de amor pelos pequeninos, ao ponto de querer uma casa cheia deles, mas porque, e tal como o Paulo referiu e bem, queriam um filho varão. Parece que desistiram depois da quinta tentativa, pois haja anca para aguentar tamanha empreitada, e casa para enfiar tanta criançada.

Um dia durante uma acção de formação conjunta, aconteceu termos ficado no mesmo grupo de trabalho, e nunca tendo havido qualquer contacto entre nós, perguntei-lhe se falava português. Abanou a cabeça indicando que não, e repetiu a acção quando lhe perguntei se falava pelo menos inglês. De seguida perguntou-me em cantonense seu eu falava chinês, e depois de lhe ter tido que falava "muito mal", questionou-me "porque tinha optado em ficar cá se não falava chinês", e recordou-me que "aqui é a China". Sorri, consciente de que via da diplomacia tinha acabado de saltar do 15º andar do edifício onde decorria a formação, e disse-lhe com toda a calma do mundo que "resolvi ficar porque tive essa opção, tal como ela fez a opção de ter cinco filhas, enquanto na China arrancavam-lhe os ovários com um alicate depois de ter a segunda". A expressão de soberba transformou-se subitamente em cara de enterro, e raras são as vezes que a encontro, mas quando isso acontece sinto nos ouvidos o assobio das adagas que atira com o olhar.

Como faço normalmente sempre que há notícias destas, que agitam as águas, pergunto a opinião aos meus colegas chineses. Mais uma vez deu para perceber que a imprensa em língua chinesa ignorou por completo o assunto, e mesmo depois de lhes explicar o que passou, os meus ficaram indiferentes, e até um pouco surpresos com a minha indignação. Já me explicaram vezes sem conta que esta reacção se deve ao desinteresse pela política, especialmente a local, mas isto é algo que vai muito além da politica. Imaginem por instantes que a facção que Song representa chega ao poder, e que leva adiante o seu plano quanto aos não-residentes. E depois? Seguem-se os portugueses e restantes estrangeiros, a seguir os macaenses, e finalmente os "ou mun yan", como os meus colegas. Ou será que pensam que aquela malta de Fujian morre de amores por eles?

Não tenho nada contra a malta de Fujian, entenda-se. Conheço alguns elementos dessa comunidade, pode-se dizer que tenho um ou dois amigos entre eles, e agora o mais curioso, e garanto que isto é verdade, verdadinha, tive uma namorada de Fujian! Só não conheço mais fukinenses porque eles próprios são um tanto ou quanto sectários, talvez pelo facto de serem bastante unidos. Aposto que muitos deles não se revêm nas afirmações da deputada Song, mas infelizmente já tivemos no passado exemplos de sobre de como o Homem se pode transformar em contacto com esse doce veneno que é o poder. Há pessoas que até nem se importam de viver numa ditadura, desde que sejam eles a mandar, claro.

O que Macau é hoje deve à sua História de multiculturidade e tolerância. A maioria da população de etnia chinesa é descendente dos refugiados que procuraram abrigo da ocupação japonesa do continente, e mesmo depois disso o fluxo imigratório prosseguiu, sem que se discriminasse alguém pela sua origem ou estatuto. O próprio Chan Meng Kam não caíu do céu há dias trazido por um tufão. Foi graças a um ambiente de competição justa e respeito pelo indivíduo que o vencedor das últimas eleições chegou onde chegou. O fenómeno politico do momento não chegou a Macau com um BIR no bolso preparado para conquistar o mundo. O que seria dele se quando chegou em 1980 tivessemos uma Song Pek Kei no orgão legislativo de Macau a opôr-se ao seu emprego na carpintaria onde começou a ganhar a vida, em nome de uam defesa bacoca da mão-de-obra local? O que difere um não-residente de um residente como ser humano? E os que foram não-residentes e passam a residentes, devem dar graças por terem chegado a "humanos" e começar a ostracizar os seus antigos camaradas de contrato de trabalho?

Ainda quero acreditar que a jovem deputada não mediu bem as suas palavras, adoptou um discurso populista e demagogo, e depois confrontada com o que disse, precisou de recorrer a um expediente para não se retraír, e dessa forma não perder face perante o seu eleitorado. Sendo uma estreante nestas andanças da política, quis mostrar que tem pêlo na venta, e deu-se mal. Foi infeliz, coitada. É irrealista pensar que territórios pequenos como Macau, Hong Kong, Singapura ou Taiwan, onde os locais optam por profissões liberais ou na área dos serviços, podiamos passar sem a mão-de-obra estrangeira, sem os não-residentes ou sem os imigrantes, como ela preferir. Se Macau começar a dificultar a vida aos não-residentes, estes vão direitinhos para os outros territórios que referi, e são estes que ficam a ganhar, e nós a perder. Foi através da protecção de que aqueles que procuraram Macau como terra prometida que chegaram ao território os pais de Song Pek Kei, e foi às sombra desses direitos que chegou a deputada através do voto popular. São esses mesmos direitos que a mesma coloca agora em cheque. Mais contenção recomenda-se, e uma longa reflexão antes de disparar sem olhar para quem atinge. Pode ser que acerte nos próprios pés.

Tudo Sereno


Não ganharam para o susto, os passageiros de um turbo-jet que fizeram a viagem entre Hong Kong e Macau na madrugada de ontem. Passavam quinze minutos da uma da manhã quando o ferry que transportava 105 passageiros e dez tripulantes embateu com um objecto não identificado à saída do porto de Hong Kong. A força do embate provocou 49 feridos, três deles em situação que inspira mais cuidados, mas mesmo assim livres de perigo. Os feridos foram assistidos num hospital da RAEHK logo após a embarcação ter sido rebocada de volta ao ponto de partida. Este acidente acontece um ano depois da maior tragédia marítima de Hong Kong em décadas, quando um ferry embateu com uma embarcação de pesca, causando 39 mortos.

Entre os passageiros do ferry acidentado encontravam-se 17 residentes de Macau. Dois deles ficaram ligeiramente feridos; um com uma fractura na rótula, e outro com fracturas no pé. Uma passageira portuguesa que estava a bordo escapou apenas com algumas escoriações, mas mereceu a atenção especial do cônsul-geral de Portugal em Macau, Vítor Sereno. A prontidão com que Sereno se inteirou da situação da cidadã portuguesa merece os mais rasgados elogios. Prestou a assistência que muitos de nós gostariamos de ter garantida, e que motivos diversoso nunca foi prestada pelos seus antecessores. No fim o cônsul ainda se referiu à acidentada como "a nossa compatriota". Deu gosto ouvi-lo falar assim. Ficamos todos mais serenos.

Sempre em festa, parte VII: santos populares


Chega o mês de Junho, chega o Verão e o calor, chegam os Santos Populares. Sendo um país católico, Portugal tem uma vasta gama de santos para tudo e mais alguma coisa. Existirão mais de 10 mil santos e beatos nas igrejas católica e ortodoxa, mas o número exacto é impossível de determinar. Fosse a hagiografia compilar todos os santos que existem, e ficava uma lista mais grossa que a lista telefónica da Grande Lisboa e Margem Sul do Tejo. Desconfio mesmo que se "inventam" santos, pois quando escutamos as velhinhas e as sopeiras invocar a Santa Martinha dos Toalhetes Húmidos ou o Santo Manel dos Botões de Punho, ficamos a pensar que se estarão a referir a um personagem imaginário. Nos tempos remotos, os santos eram sobretudo mártires, homens (e apenas homens, curiosamente) que suportaram torturas horríveis e morreram em nome do seu amor a Cristo, mas hoje em dia qualquer um é beatificado/canonizado. Até Karol Wotyla, o antigo Papa João Paulo II, que era tudo menos santo, vai ser canonizado. Mas pronto, fiquemos por aqui que o assunto que aqui me traz é outro.

De todos estes santos que jogam nas divisões secundárias e campeonatos regionais, há os que disputam a superliga: S. Paulo, S. Jorge, S. José, etc., e desses primodivisionários há os três grandes, os que se celebram com pompa e circunstância, e com direito a feriado municipal. São eles Santo António, comemorado a 13 de Junho, S. João, a 24 de Junho, e S. Pedro, a 29. São os tais "santos populares", aqueles que o meu povo mais gosta. Mais do que o carácter religioso destas festividades, os santos populares são sinónimo de festa. Febras, sardinha assada, vinhaça, sangria, alecrim, balões, farra pela noite fora, mesmo quem não faça a minima ideia sobre quem foram estes santos, tem uma boa desculpa para encher a cara e gozar. De preferência com um feriado no dia seguinte, claro, para retemperar as forças.

Como os leitores mais atentos devem saber, nasci em Lisboa, mas foi imediatamente exportado para o outro lado do rio, para o Montijo, onde passei os primeiros 18 anos da minha vida. Conheço bem Lisboa, já andava sozinho pela capital sem me perder quando tinha 12 anos, mas não me sinto alfacinha. Talvez por isso mesmo não me identifique com as festividades de Santo António, com as noivas, as marchas e tudo isso. Nunca festejei o Santo António de Lisboa, um padre franciscano nascido Fernando Martins de Bulhões em Lisboa, e que viria a falecer em Pádova, na Itália, local que o reclama como seu. As marchas, por exemplo, não me dizem grande coisa. Peço desculpa a quem gosta, especialmente aos "alfacinhas de gema" (o que não é o meu caso), mas considero aquilo muito rústico, não me impressiona nem um pouco. É um parente pobre do Carnaval brasileiro. O meu registo de nascimento diz-me que nasci na freguesia de Alvalade, e não sei se esse bairro entra nas marchas, mas não me perguntem qual é o melhor, se Alfama, Moraria, Bica, Castelo ou Marvila, que não faço ideia. Não sou bairrista, esse tipo de coisas incomoda-me, e acho tudo muito suspeito. Já repararam como os padrinhos e as madrinhas dos tais bairros a concurso têm uma relação directa ou indirecta com o teatro de revista e com o Filipe La Féria? João Baião, Miguel Dias, Alexandra, Wanda Stuart, Carlos Quintas, Malato, etc. Mais uma vez, não liguem à minha aversão que nem consigo explicar, e se gostam, façam bom proveito.

O S. João é provavelmente o mais internacional de todos. Canonizado pelas fés católica e Baha'i, referido no Corão, onde é conhecido por Yahya, S. João Baptista, o homem que baptizou Jesus Cristo, terá nascido "seis meses antes dele", de acordo com o evangelho de Lucas, daí ser comemorado a 24 de Junho, seis meses antes do Natal. A data coincide ainda com o Solstício de Verão, pelo que era já celebrado pelas tribos anglo-saxónicas. É santo padroeiro de Porto Rico, das regiões francófonas e católicas do Canadá, desde a Terra Nova ao Quebec, de várias cidades das Filipinas, e ainda de Macau. O dia 24 de Junho foi até ao final da administração portuguesa dia da cidade e feriado municipal, e ainda se comemora de forma não-oficial, sobretudo pelas comunidades portuguesas e macaense. Em Portugal é o padroeiro da cidade do Porto, e o S. João da Invicta é a festa por excelência da segunda maior cidade portuguesa. Fui ao S. João do Porto duas vezes, gostei bastante, e uma tradição que não deixa ninguém indiferente é a dos martelinhos de plástico. Esta é uma tradição mais ou menos recente, reportando-se aos finais dos anos 60, e podem ficar a saber a sua origem aqui (vão ficar surpreendidos). O mais interessante é o desportivismo com que os devotos de S. João recebem as marteladas na tola, desde o mendigo até ao Presidente da República. Isto é algo que noutras circunstâncias poderia ser entendido como um insulto, ou até mesmo uma agressão.

Finalmente o S. Pedro, aquilo que me diz mais. Isto porque trata-se do santo padroeiro dos Pescadores, e comemorado na cidade do Montijo, com um feriado municipal a 29 de Junho. Era sempre o momento alto da nossa cidade, com a feira, os divertimentos, as largadas de toiros, as primeiras bebedeiras, e coincidia sempre com o fim das aulas, portanto era festa a dobrar. S. Pedro é, esse mesmo que estão a pensar, o discípulo de Jesus Cristo, o primeiro Papa da igreja católica, e de acordo com a superstição, o "porteiro" do Céu. Chegadas aos portões do Paraíso, as almas imortais precisam de passar por S. Pedro, que aqui desempenha um papel semelhante ao do porteiro de uma discoteca da moda. Tem uma lista com o nome dos convidados, e todos os outros ficam sujeitos a uma espécie de julgamento instantâneo. Fazendo fé nesta imagem tão pitoresca, àqueles que S. Pedro recusa não resta senão, ahem, sabem bem o quê. É um outro sítio onde faz mais calor, o que até não é mau para quem é friorento. Para os Pescadores do Montijo, que são cada vez menos, infelizmente, celebrar o S. Pedro era essencial para garantir uma temporada de boa pescaria. As festividades terminavam sempre com a queima do batel, um momento sempre espectacular. Daqui de tão longe, de Macau, bate sempre a saudade nesses últimos dias de Junho.

Na próxima entrada desta rubrica vou abordar os outros santos, os mais pequeninos, que animas as festas das localidades um pouco pelo nosso país fora, e vá-se lá saber porquê, são sempre comemorados em Agosto. Fiquem atentos!

Lei e desordem


Uma mulher de 62 anos conduzia o seu carro quando caíu num lago gelado em Val Caron, Ontario, no Canadá. O veículo foi até ao fundo e depois emergiu, e a mulher não conseguiu sair devido ao choque térmico, e também porque não conseguia tirar o cinto de segurança. A ver tudo isto estava um polícia, que não mexeu um dedo para ajudar a idosa, e permanecia imóvel a falar no telemóvel enquanto ela pedia ajuda. Um grupo de civis que por ali passava ajudaram-na, retirando-a do veículo. No final do vídeo é possível ver um dos civis a prestar primeiros socorros à vítima, que se encontra internada em estado crítico no hospital de Health Sciences North. Confrontada com as imagens que não abonam em nada a favor da corporação, a polícia de Sudbury emitiu um comunicado onde elogiou "a prontidão com que os civis ocorreram ao local do acidente e socorreram a sinistrada", e acrescentou que "contribuíu para a sua assistência bloqueando o trânsito na auto-Estrada, permitindo que a ambulância transportasse a vítima com mais celeridade". Pois, pois, e só se meteram com esse trânsito porque estavam a circular no asfalto. Fossem cair no lago gelado e que fossem lá os civis "ocorrer com prontidão". Compreende-se, afinal faz frio, e não dá muito jeito ficar com a farda molhada.

Olá, lembram-se de mim?


Vou fazer uma confissão que é capaz de parecer surpreendente para alguns: nunca gostei da Jennifer Lopez. Quer dizer, "gostar" aqui pode querer dizer muita coisa. Como cantora desconheço por completo o seu trabalho, e como actriz considero-a apenas sofrível. Agora como "sex symbol", a conversa é outra. Uma vez foi considerada a mulher mais "sexy" do mundo. Porquê? Porque se exibe como um leitão premiado, geme aqui e rebola ali, revela as curvas e finge que não é com intenção, "oops! viram-me metade do rabiosque e das mamocas", enfim, poses provocatórias que resultariam muito melhor em milhares de mulheres de origem hispânica como ela, mas que não foram abençoadas pela fada do sucesso.

Actualmente com 44 anos, e três casamentos falhados depois, Lopez acusa a idade, como qualquer outro mortal, e começam a aparecer as rugas, os sacos de gordura, os pés-de-galinha, onde antes só existia material que convidava qualquer "macho" da confissão heterosexual à auto-gratificação. Naquilo que se pode considerar um golpe publicitário, apareceram estas fotografias na internet, tiradas em 2005 por altura da promoção do seu álbum "Rebirth". Os fotógrafos foram Mert Alas e Marcus Piggot, e a cantora/actriz não terá gostado do resultado, pois é possível ver alguma celulite e dobras na pele. Mas numa era em que a photoshop dita as regras, os retoques são o pão nosso de cada dia, e os apreciadores da boa chicha já não sabem em que mais acreditar, um pouco de honestidade é sempre bem recebida. Segundo Jennifer Lopez as imagens foram pirateadas, encontradas no "fundo do baú". Mas a menina pensa que a gente acredita?

Angola não é halal


Uma notícia no mínimo curiosa que marcou a semana na actualidade informativa: Angola ter-se-á tornado no primeiro país do mundo a banir o Islão! Ouviram bem, baniram o Islão. Um país islâmico que decide banir as outras religiões já nem chega a ser notícia, mas isto é uma novidade de deixar qualquer um de boca aberta. Segundo a Comunidade Islâmica de Angola (CIA, curiosamente), foram destruídas no país oito mesquitas, os fiéis têm sido impedidos de orar, e as mulheres que usem o véu islâmico são perseguidas. Há ainda notícias que dão conta de agressões a muçulmanos, e durante a destruição de uma mesquita em Luanda no início do mês foram queimadas 120 cópias do Corão. Organizações de direitos humanos condenaram o sucedido, naquilo que consideram um "acesso de loucura" por parte do regime angolano. O governo de Luanda diz que tudo não passa de um exagero, mas a CIA garante que só não foram destruídas mais mesquitas devido ao mediatismo dado a estas notícias.

Angola é o maior país católico da África austral, e esta proibição do Islão deve-se a um detalhe meramente técnico. De acordo com a lei angolana, uma religião só é reconhecida se tiver um mínimo de 100 mil fiéis em pelo menos 12 das 18 províncias do país, uma medida que visa combater a proliferação de seitas com intenções duvidosas. Acontece que existem apenas 90 mil islâmicos numa população de 18 milhões, e o pedido de reconhecimento foi rejeitado juntamente com o de outras 193 organizações religiosas que não cumpriam os requisitos. Actualmente existem apenas 83 confissões religiosas reconhecidas em Angola, todas elas cristãs. David Já, president da CIA e líder da comunidade islâmica em Angola, diz que a falta de reconhecimento da crença impede-os de rezar nas 78 mesquitas que existem um pouco por todo o país.

A notícia espalhou-se como fogo em palha seca, e causou a ira de muçulmanos um pouco por todo o mundo. Na imagem em cima vemos um grupo de palestinianos a queimar uma bandeira de Angola - queimar bandeiras é o passatempo favorito dos palestinianos, uma espécie de desporto nacional. O regime de José Eduardo dos Santos, que se encontra actualmente hospitalizado e suspeita-se que esteja a sofrer de cancro, tem adoptado recente uma postura de confrontação a roçar a arrogância. Basta recordar o recente mau-estar em os governos português e angolano devido aos processos judiciais a correr na justiça em Portugal contra altas individualidades do governo daquela ex-colónia portuguesa, que levaram o próprio José Eduardo dos Santos a anunciar o fim da cooperação estratégica entre os dois países. Só que desta vez estão a comprar uma briga contra um inimigo perigoso, o Islão, e é bom que tenham a consciência de que estão a mexer num vespeiro.

A confirmarem-se os factos, não posso senão condenar a atitude do governo angolano, que demonstra assim intolerância com as minorias religiosas, mas não deixa de ser irónico que o Islão se venha agora queixar de...intolerância. Quer dizer, quando um país islâmico proíbe todas as outras confissões, é "normal", mas agora que provam do seu próprio remédio, vão a correr queixar-se ao tio. Uma religião que nega às mulheres os mais básicos direitos civis queixar-se do facto de não deixarem mulheres noutros países usar o véu é risível, e não me recordo de ver as tais organizações de direitos humanos se insurgirem com tanta veemência contra os ataques a igrejas católicas na Indonésia, ou igrejas coptas no Cairo. É caso para dizer que um dia é da caça, o outro é do caçador. E que outro sítio melhor para ir a caça que Angola?

O Eanes existe


O General António Ramalho Eanes foi homenageado na última segunda-feira a propósito da passagem de mais um aniversário do golpe militar de 25 de Novembro de 1975, que colocou um ponto final ao PREC e livrou Portugal do risco de se tornar um estado socialista da esfera soviete, podendo consequentemente sofrer retaliações da parte dos seus vizinhos da NATO, especialmente dos Estados Unidos. O clima que se vivia era de pré-guerra civil, e foi o General Eanes que liderou o contra-golpe que fez cair por terra as intenções da ala de esquerda mais radical do MFA. Quem mais senão Eanes para nos salvar dos radicais, ele que sempre se pautou pela moderação e pela procura dos consensos.

Passados 38 anos desde essa data e à distância de 26 desde que o General deixou Belém, após cumprir o segundo mandato como Chefe de Estado, os portugueses lembram-se dele. Olhando para a classe política que temos hoje, batem com a mão na testa e dizem: "pois é, afinal havia ali um gajo que não andava a gozar connosco e a mamar às custas das tetas do povo". Mais vale tarde que nunca. Mas não é por acaso que o General Eanes é de outra talha que não a dos chuchalistas, os trocas, os santananazes, os cavaquinhos e companhia. Não é um político. Foi obrigado a ser, a dado momento, quando achou que era a altura certa. Voltou a tentarm, deu-se mal, e virou as costas à política. Ficava-lhe mal. Não queria sujar mais as mãos.

Educado dentro de um sistema rígido, o militar, serviu na Guerra do Ultramar, chegou a General, depois a presidente, nem por isso deixou de ser quem era. Os seus opositores políticos e inimigos - e é isso que se leva da política, inimigos, e ainda mais do que na guerra - apontavam-lhe o dedo, por ser militar: "O tempo dos generais já acabou!". Para nós na verdade nunca chegou. Muita sorte a nossa em termos um Eanes, em vez de um Pinochet e derivados. Não me surpreende que os políticos olhem desconfiados para Eanes. No ofício da vilanagem a gente honesta normalmente atrapalha. Esses precisavam de um general que os metesse na linha, isso sim. E não seria Eanes, que eles não merecem.

Homem humilde, de família humilde, mas inteligente, que sabia ouvir, que foi conhecendo os homens e as mulheres da terra enquanto crescia na Beira Interior, no Portugal profundo. Diz o povo e bem: "Quem não sente não é filho de boa gente". E o General Ramalho Eanes sentia. A decisão de recusar promoções, homenagens, milhões em retroactivos que lhe eram legalmente devidos mas para ele eticamente indevidos, a sua genuína preocupação com o estado do país, com os mais pobres, e todos os sacrifícios que fez e ainda se diz disposto a fazer não são nenhuma operação de charme. Não o vamos ver por aí em campanha, às beijocas nas peixeiras ou nas bochechas dos petizes. O sua missão, que cumpriu e bem, resume-se numa frase da sua própria autoria: "fiz o meu dever como patriota e como cidadão".

Aquele homem elegante, com um ar muito sério, suíças iguais ao do meu pai e uns óculos que lhe ficavam a matar, e cuja fotografia vinha nos meus livros da escola primária na parte dedicada aos orgãos de soberania, foi alguém que sempre soube medir o tempo, agir em prol do interesse comum e nunca dos seus próprios interesses. Foi o nosso comandante, que se nos via atrapalhados na linha da frente era capaz de se chegar ao inimigo e dar o peito às balas. Sorri quando mostraram imagens de arquivo onde se via ele, de fato azul escuro, a apagar um pequeno foco de incêndio juntamente com um agricultor, os dois munidos com ramas de árvore. Era o "presidente de todos os portugueses" (outra frase da sua autoria), e naquele momento havia ali um português a precisar do seu presidente, e lá estava ele pronto a ajudar.

Gostamos dele agora mais que nunca porque nos faz acreditar que ainda é possível encontrar no seio da sociedade civil alguém sério, que leve a política a sério e que, pasme-se, queira o nosso bem e o bem do seu país. E quando falo de "sociedade civil" não estou a falar de Fernando Nobre e outros que tais. Cuidado com as imitações. O nosso General, o bom General, como no nome da marca de atum, merece todas as homenagens que se lhe possam fazer. Ele vai recusar, depois aparece para não nos fazer a desfeita, e se insistimos que faça um discurso, comove-se, fica reduzido à condição de homem, de português como nós. A tropa ensinou-o a sofrer, a ser duro, a não sorrir, mas não conseguiu ensiná-lo a não chorar. Obrigado por tudo, General Eanes. E desculpe lá os que os vetaram ao esquecimento, dos que nunca o compreenderam. E eu sei que você os desculpa, como é do seu timbre.

Liga dos empatas


Portugal ficou sem equipas na Liga Europa, pelo menos temporariamente, depois de Estoril e V. Guimarães terem sido eliminados após empates nas suas partidas de ontem. Os estorilistas foram os únicos a marcar, conseguindo um positivo 1-1 em Sevilha, no difícil estádio Sanchez Pijuan. Os andaluzes marcaram aos sete minutos por intermédio do luso-francês Kevin Gameiro, e os canarinhos empataram já no minuto 90 por Ruben Fernandes. Na outra partida do grupo H o Freiburgo foi à Rep. Checa vencer o Slovan Liberec por 2-1, e deixou a equipa da linha eliminada; mesmo que os canarinhos vençam o Slovan na última jornada e o Freiburgo perca em casa com o Sevilha, têm desvantagem no somatório de pontos com checos e alemães.

O V. Guimarães, a única equipa portuguesa que conseguiu até ao momento obter uma vitória na competição, não fez melhor que 0-0 no terreno do Rijeka, quando estava obrigada a vencer os croatas. No outro jogo do grupo I o Lyon venceu o Betis por 1-0, e passou para o primeiro lugar com 9 pontos, mais um que os espanhóis e mais quatro que os vimarenenses. O P. Ferreira, que já tinha ficado eliminado na última ronda empatou sem golos em casa com a Fiorentina, e ocupa o penúltimo lugar do grupo E com dois pontos.

Em termos da ranking da UEFA, esta jornada correu menos mal que as três anteriores, onde as equipas portuguesas só tinham conseguido dois pontos. Desta vez foram seis, resultado de uma vitória e quatro empates, o que valeu a subida ao 12º lugar esta época, logo atrás da Bélgica e da Rep. Checa.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Imigrantes sim, TNR não


A deputada Song Pek Kei, autora do discurso mais xenófobo, racista e nazi de que há memória na História da Assembleia Legislativa, não retira uma palavra ao que disse, mas explica melhor, porque nós na verdade somos é muito estúpidos, porque teimamos em não concordar com a sua retórica fascizóide. Começa por dizer que "não é xenófoba". Pois não. A xenofobia é para principiantes. Genocida, é o que ela queria ser. No quartinho da menina, que ao contrário dos residentes com que tanto se preocupa, deve ter casa própria, estão posters do führer, do Il Duce e do general Ratko Mladic. Foi de AK47 em punho que foi à agência imobiliária com o porquinho onde guardava as suas economias que foi comprar uma casinha, não fosse algum não-residente atravessar-se no caminho e inflacionar em 2000% o preço da casa de sonho da menina.

O problema é que nem todos os residentes tiveram a mesma sorte. Por causa daqueles malditos não-residentes, que ocupam apartamentos com mais de 30 anos aos sete ou oito de cada vez, há por aí apartamentos novos com 100 metros quadrados que custam dez milhões de patacas, ou mais. Fora com essa escumalha não-residente! Valham-nos os nossos "tios" do continente que compram essas habitações super-inflacionadas, impedindo que fiquem às moscas e a acumular pó, e no fim vai ser preciso contratar uma trabalhadora não-residente para limpá-la. Estão a ver como ela tem razão? É um ciclo vicioso. Um esquema demoníaco desses não-residentes que vêm para cá ganhar quatro ou cinco mil patacas, e com isso inflacionar o preço de tudo, desde a habitação aos bens de primeira necessidade, pois fartam-se de gastar, os malandros.

"Não sou xenófoba", diz a menina Song, com a mesma calma que o tio Adolfo disse ao PM britânico Neville Chamberlain em vésperas do início da II Guerra Mundial: "fique descansado amigo, que eu não quero a Polónia para nada". É como certos tipos brancos que até não se importam que um preto chegue a presidente...desde que seja num país africano. Segundo Song, essa jovem idealista com os sonho de mudar o mundo - para pior - os imigrantes são diferentes dos não-residentes, porque são residentes, e...esperem lá, o quê? Os imigrantes e os não-residentes são diferentes? De que país é que precisa um imigrante de chegar para obter imediatamente a residência? E um não-residente nunca pode chegar a residente? Porquê, marcam-no com um ferro em brasa, como fazem com o gado bovino?

"Os turistas e os não-residentes são um problema, porque ocupam o espaço dos residentes", diz ela. Sim, eu que o diga, pelo menos quanto a essa parte dos turistas. Todos os dias passo pela Rua da Palha e quase preciso de andar por cima da cabeça dos turistas, mas nem por isso lhes ponho correntes ao pescoço e os arrasto até às Portas do Cerco. Quanto aos não-residentes, não sei, não frequento as Ruínas de S. Paulo à noite nem tenho por hábito sentar-me naqueles bancos de pedra junto aos correios. Ou fico em casa, onde a entrada de turistas e de TNRs depende apenas de mim, ou vou a sítios onde toda a gente pode ir, desde que pague pelo serviço, e para os proprietários o dinheiro é igual, venha de onde vier.

"Os direitos e obrigações dos residentes e dos não-residentes são diferentes", palavras da profeta Song. No shit, Sherlock. A sério? Mecanismo para recambiar os não-residentes quando acabem o seu contrato de trabalho? Outra vez: e que tal marcá-los com um ferro em brasa na testa? E se terminarem o contrato de trabalho mas ainda tiverem visto de permanência? Devemos obrigá-los a bazar? Deve ser nisto que os imigrantes são diferentes dos TNR: mesmo em situação ilegal, os primeiros devem ser perdoados, e os segundos, mesmo em situação legal, deviam ser recambiados. Terminaram o contrato de trabalho e procuram outro emprego? Na, na, nada disso. Rua, que os residentes querem ter a opção de não ocupar essas vagas deixadas por eles. Com esses TNR a chegarem aí a um ritmo desenfreado, qualquer dia ainda temos uma taxa de desemprego acima dos 2%! Os imigrantes são outra coisa, porque não ocupam o lugar de ninguém: flutuam.

Chan Meng Kam concorda com a sua delfina. De facto os não-residentes inflacionam os preços das rendas em Macau. Tem lógica, pois os residentes não precisam de alugar, têm todos casa própria - 75% deles, segundo o Executivo. Então qual é o problema se aumentam o preço das rendas? Ah, já sei: por causa dos imigrantes, os tais que não sei quem são e ainda estou à espera que a senhorita Song me explique. Chan Meng Kam apresenta provas e tudo, alegando que existem TNR que vivem em Zhuhai, e não será por causa destes que as casas em Macau são tão caras. Ele deve saber melhor que eu do que fala, e quanto a TNRs a viver em Zhuhai, que los hay, hay, mas também há residentes de Macau a viver em Zhuhai. E esta, hein? Será que ali ao lado também se queixam que estes andam a fazer subir o preço das rendas e querem mandá-los embora?

Como se o circo não tivesse já palhaços de sobra, junta-se o cônsul-geral das Filipinas, Danilo T. Ibayan, que está muito preocupado com os seus compatriotas: "se não têm emprego, como vão viver em Macau, onde é tudo tão caro, coitaditos?". Olhe, e que tal convidá-los a comer na sua casa? O cônsul filipino enuncia ainda a lei da oferta e da procura: menos estrangeiros, menos procura, habitação menos cara. Se calhar o senhor anda cansado de não fazer nada, e quer ainda menos estrangeiros para atingir o "karma" da inutilidade. Queriam um TNR que anda por aí sem fazer nenhum? Olha aí o Danilo T. Ibayan. E ainda por cima não é "imigrante".

O que é comum a estas três aves-raras é a solução que apresentam para diminuir a procura pela habitação e assim diminuir os preços: ir viver em Zhuhai. É só atravessar a fronteira, e tal, porque não? Para quê ir dez ou quinze minutos a pé para o trabalho se podem muito bem apanhar dois ou três autocarros que demoram uma hora e pouco na totalidade? E ainda vão viver na China continental, o que torna essa experiência que é trabalhar em Macau ainda mais misteriosa, mais fascinante. Já agora, se nos últimos dois anos há cada vez mais gente e trabalhar em Macau a viver em Zhuhai, porque é que o preço da habitação continua a subir? Já sei: estão à espera que os TNR desocupem aquelas mansões caríssimas onde moram. E já agora, o que é um imigrante?

A propósito da toponímia...


Em primeiro lugar gostaria de saudar o meu colega de blogosfera João Botas, cujo seu "Macau Antigo" sigo desde a primeira hora, e da minha humilde biblioteca consta o seu "Macau em tempo de Guerra 1937-45". Em comum temos o amor por Macau e a sua história, e o interesse pelas curiosidades sobre esta terra que adoptámos como casa - ou segunda casa, no caso do João, não sei ao certo. Gostava ainda de lhe dar os parabéns pela coluna seminal que assina no Jornal Tribuna de Macau, onde refere algumas dessas curiosidades. É um espaço que fazia falta, e é preciso lembrar sempre que Macau é mais do que a cidade dos casinos e do património classificado; cada rua, cada canto, cada viela contam uma história. Posto isto, deparei hoje com o seu artigo sobre a toponímia, e com a devida vénia gostaria de lhe apontar algumas imprecisões.

O tema da toponímia de Macau é-me (é-nos) bastante querido, e eu próprio já dediquei vários "posts" ao assunto, o último deles o mês passado, que pode ser revisto aqui, e que é mais ou menos do mesmo teor deste que o João assina nas páginas de hoje do JTM. Sem querer parecer arrogante, ou ensinar ao padre a missa, pois o João é jornalista e investigador, gostava de lembrar que este tema tão interessante requer mais do que simples consulta do cadastro ou de outra literatura. Requer conhecimentos sobre a língua chinesa, e muita curiosidade, perguntar muito a chineses e macaenses, ser "chatinho", por assim dizer. Como muita gente sabe, trabalho no Registo Predial, e tenho a vantagem de poder aceder ao cadastro dos nomes das ruas em português e em chinês, quer em caracteres, quer romanizado. Mas vamos lá então esmiuçar o artigo em causa.

Começemos pela Av. Almeida Ribeiro, ou "San Ma Lou", como tão bem referiu. De facto a empreitada autorizada pelo ministro das colónias Almeida Ribeiro tem uma história interessante, e apesar da utilidade da ligação entre o Porto da Barra e o Porto Exterior, a população local opunha-se. Para os chineses a península de Macau tinha a forma de um dragão, e fazer ali aquela rua era "cortar o dragão", o que para uma gente tão supersticiosa, constituía uma ousadia enorme. Quanto à tradução deste arruamento para chinês, "San Ma Lou", permita-me que refute a sua tese da "Rua Nova dos Cavalos". De facto "Ma" (馬) é cavalo, mas "ma lou" (馬路) é a via, o caminho, "por onde passam os cavalos", ou seja, a estrada. Aquilo que designamos por rua propriamente dita em chinês diz-se "kai" (街), mas mais no sentido de uma rua situada numa zona habitacional. Portanto "ma lou" traduz-se simplesmente para rua, caminho ou estrada, sendo avenida "tai ma lou" (大馬路), ou "rua grande". Por essa lógica da "rua dos cavalos", a Estrada do Repouso ("Kiang Wu Ma Lou", baptizada com o nome do hospital, sendo que "kiang wu" significa "espelho do lago", um dos nomes antigos de Macau, e não "repouso") seria "Estrada do Repouso dos Cavalos", e o Caminho dos Artilheiros (Pau Peng Ma Lou), seria "Caminho dos Cavalos Artilheiros"? Portanto Sam Ma Lou é apenas "Rua Nova".

Contudo na imagem que ilustra o seu artigo, vemos uma placa toponímica onde se lê Largo do Senado, e ao lado os caracteres chineses que designam esse arruamento. Mais uma vez peço desculpa pelo atrevimento, mas um leigo nesta matéria que leia este artigo vai pensar que estando nós aqui a falar da Av. Almeida Ribeiro, onde fica situado o edifício do Leal Senado, poderá pensar que os caracteres terão alguma coisa a ver com "San Ma Lou". Na realidade o que lá está escrito é "Yí si t'eng chin tei" (議事亭前地). Os três primeiros significam exactamente "senado"; "yí si" (議事) é "discussão", ou "debate", e "t'eng" (亭) é "pavilhão", ou "câmara". Quanto ao "chin tei", significa exactamente Largo, ou Praça. Refere mais à frente que o Largo Luís de Camões é conhecido por "pak kap chau" (白鴿巢), nem mais, mas o nome completo é exactamente "pak kap chau chin tei" (白鴿巢前地).

A questão da Rua Nova à Guia é deveras interessante, mas peca por uma imprecisão no local exacto a que o João se refere. A "Rua dos Turbantes Brancos" fica localizada na área dos Parses, onde se encontra o cemitério da fé parsi, e moravam os parses oriundos de Bombaim (eram zoroastras, e não "sikh"), na sua maioria polícias e guardas do exército, que pelo turbante que ostentavam eram chamados de "cabeças brancas", em chinês "pak tao" (白頭), e não "turbantes brancos". Gostava de o remeter a este artigo do blogue Existir em Macau, que fala disso mesmo. Existe sim um arruamento ali próximo do Cemitério dos Parses que se chama Calçada Nova, que em chinês se diz "Pak tau che lou". Talvez daí a confusão?

A Guia é conhecida na comunidade chinesa por "tong mong ieong" (東望洋). Portanto este "tong" é o leste, neste caso o nascente, "mong" significa "ver", ou "olhar", e "ieong" é o mar, ou oceano. Portugal, por exemplo, é conhecido também por "sai ieong" (西洋), e a título de curiosidade, refira-se que uma das primeiras peças do grupo Doçi Papiaçam era exactamente "Mano Beto vai saiông", ou seja, o mano Beto vai a Portugal. Mesmo o nosso BNU em chinês diz-se "tai sai ieong", ou "grande oceano". Posto isto, "tong mong ieong" significa "olhar o nascente". Por outro lado a Penha é "sai mong ieong" (西望洋), ou "olhar o poente". Pode-se concluir portanto que em Macau o sol nasce na Guia, e põe-se na Penha.

A Rua Nova à Guia é "tong mong ieong san kai" (東望洋新街), que se pode traduzir à letra por "Rua nova a Nascente", mas se existe uma nova, existirá certamente uma antiga, e de facto a rua que os chineses chamam de "tong mong ieong kai" (東望洋街) nós conhecemos por Rua de Ferreira do Amaral, que vai da Avenida Sidónio Pais até à Calçada da Vitória, passando pelo Jardim Vasco da Gama e terminando no Hotel Royal.

A Rua de Pedro Nolasco da Silva, que os portugueses conhecem por "Mariazinhas", é de facto "Pak Ma Hong" (白馬行), "pak" é branco, "ma" é cavalo, mas já agora este "hong" (行) não quer dizer bem caminho; pode traduzir-se mais no sentido de "fila". Seria ali que os cavalos brancos "passavam em fila". Penso que será preciso uma investigação histórica mais aprofundada para entender bem isto.

Mas isto é apenas um preciosismo perante a parte final do artigo onde se faz referência à Travessa do Abreu como sendo em chinês. "Viela torta do grande edifício". Temos aqui portanto "tai lau ch'e hong" (大樓斜巷). Esta travessa que refere fica perto da Rua da Praia do Manduco, em um pouco mais em cima temos a Rua do Padre António, onde morei mais de dez anos, e que em chinês se chama "kou lau kai" (高樓街), literalmente "rua das casas altas". Portanto para a população local nada têm estes dois arruamentos qualquer coisa a ver com algum Abreu ou com o Padre António. No tempo em que a comunidade chinesa deu os nomes a estas ruas, não se falaria em Macau de "edifícios" ou "prédios", portanto "tai lau" seria "casa(s) grande(s)", e kou lau "casa(s) alta(s). Temos ainda outro exemplo, a Calçada do Embaixador, em chinês "cheong lau ch'e lou" (長樓斜路), sendo "cheong lau" traduzido para "casa(s) comprida(s)" ou "longa(s)".

Portanto quanto a isto estamos conversados, mas e quanto a isto da "viela torta". Bem, "ch'e hong" (斜巷) é uma travessa inclinada, algo que podemos traduzir para "calçada", "hong" é travessa, e "ch'e" quer dizer "inclinada", e não "torta". No máximo poderá querer dizer também "oblíqua". É comum a confusão entre "ch'e hong", "ch'e lou" (斜路) e "ch'e pou" (斜坡), mas tudo significa "plano inclinado", que poderá ser uma calçada, praceta, rampa ou ladeira. "Viela torta", peço desculpa, mas é uma tradução aberrante; seria o mesmo que dizer que a Calçada do Tronco Velho ( 東方斜巷) quer dizer em chinês "Viela torta do leste".

Mais uma vez, não é por arrogância ou despeito que faço estes reparos, mas se como o próprio João diz, "a toponímia é também uma fonte da história e por isso tem vindo a ser aproveitada como forma de promover o turismo cultural", convém que a história seja bem contada para que a água que jorra da sua fonte seja o mais pura possível. Continuação de um bom trabalho, e já agora que prossiga com essa rubrica tão interessante do JTM, mas sempre com mais atenção ao detalhe. Cumprimentos cordiais,

Leocardo

Aos 90 acendeu-se a Luz


O Benfica continua a sonhar com a passagem aoso otavos-de-final da Liga dos Campeões, ao vencer em Bruxelas o Anderlecht por 3-2, mas em cima dos 90 minutos das duas partidas do grupo C, os encarnados estavam fora da prova. No estádio Constant Vanden Stock foram os belgas a adiantarem-se no marcador logo aos 18 minutos, com um golo do defesa-central internacional congolês Chancel Mbemba, mas o sérvio Nemanja Matic, que tem andado com apetite para o golo, empataria aos 34, resultado com que se chegaria ao intervalo. No segundo tempo Mbemba passou de herói a vilão, ao marcar um autogolo aos 52 que colocava o Benfica em vantagem, e aos 77 Massimo Bruno voltava a empatar o encontro. Estávamos em cima dos noventa, e no Parque dos Príncipes, PSG e Olympiakos estavam também empatados a uma bola, e o Benfica estava relegado para a Liga Europa, quando se dá o golpe de teatro: Rodrigo dá a vitória ao Benfica, e Cavani marca para os franceses. O PSG garantiu para já o primeiro lugar do grupo com 13 pontos, enquanto Olympiakos e Benfica estão em igualdade pontual com 7, mas com vantagem para os gregos no confront directo. A equipa portuguesa está obrigada a vencer o PSG e esperar que o Olympiakos não vença na recepção ao Anderlecht. Os belgas são últimos com apenas 1 ponto, e estão afastados das competições europeias.


Noutros grupos, destaque para a goleada do Manchester United em Leverkusen, por esclarecedores 5-0, resultado que catapulta a equipa de David Moyes para os oitavos-de-final. o equatoriano Antonio Valencia abriu as hostilidades aos 22 minutos, e oito minutos depois o defesa bósnio Emir Spahic marcou na baliza errada, mandando as equipas para o descanso com 2-0 para os campeões ingleses. Na etapa complementar mais três para os endiabrados "reds", por Jonathan Evans, Chris Smalling e o português Nani. Entretanto na Ucrânia o Shaktar Donetsk goleou os espanhóis da Real Sociedad por 4-0, com os golos a falar português com sotaque: Luiz Adriano, Alex Teixeira e dois de Douglas Costa. O Manchester United lidera o grupo A com 11 pontos, seguido do Shaktar com 8, Leverkusen com 7 e Real Sociedad com 1. Na última ronda há um Bayer Leverkusen-Shaktar Donetsk que decide quem vai acompanhar os ingleses na fase seguinte.

No grupo B o Real Madrid goleou os turcos do Galatasaray por 4-1 no Bernabéu, mesmo sem C. Ronaldo, lesionado, e a jogar com dez unidades desde os 26 minutos, por expulsão de Sergio Ramos. Gareth Bale marcou aos 37 minutos, mas nem deu tempo para festejar, pois no minuto seguinte Umut Bulut empatou para os turcos. Na segunda parte os merengues puxaram dos galões, e marcaram mais três vezes, por Arbeloa, Dí Maria e Isco. Em Turim a Juventus obteve a primeira vitória do grupo, batendo o FC Copenhaga por 3-1, e subiu ao 2º lugar. O defesa chileno Arturo Vidal foi o herói da partida ao apontar os três golos, dois deles de grande penalidade, enquanto o veteran sueco Olof Mellberg marcou o ponto do honra dos dinamarqueses. Real Madrid lidera destacado com 13 pontos, Juventus tem 6, FC Copenhaga e Galatasaray têm 4. Basta à Juventus um empate na Turquia na última ronda para seguir em frente.

Finalmente no grupo D, Bayern de Munique e Manchester City já tinham garantido o apuramento, mas não deixaram os seus créditos por mãos alheias. Os campeões europeus foram à Rússia vencer o CSKA por 3-1, com golos de Robben, Götze e Thomas Muller, este de grande penalidade, e Keisuke Honda para a equipa da casa, também de "penalty". O Manchester City recebeu e venceu o Viktoria Plzen por 4-2, com o golos de Agüero (penalty), Nasri, Negredo e Dzeko para os da casa, Horava e Tecl para os visitantes. Bayern lidera com 15 pontos, Manchester City 12, CSKA 3 e Plzen 0. Na última ronda, o City precisa de ir vencer a Munique por três golos para vencer o grupo, enquanto ao Plzen basta vencer por 1-0 em casa para seguir para a Liga Europa.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Francis Tam e a porta aberta


Dos cinco secretários que apresentam anualmente as Linhas de Acção Governativa (LAG), sempre considerei que Francis Tam é aquele com a vida mais facilitada. Florinda Chan, a mártir, e Lau Sio Io, que não tem sido poupado ao efeito avalanche que foi Ao Man Long, têm tido a tarefa mais complicada, enquanto Cheong Kwok Wa e Cheong U encontram um caminho mais ou menos sinuoso, mas saem menos chamuscados. A secretaria para a Economia e Finanças é aquela que aparece sempre de fato novo e sorriso de orelha a orelha exibindo os dentes brancos. As contas do território são sempre feitas por cima, e Francis Tam dirige a tutela praticamente em piloto automático. E olhando para o Relatório das LAG para o Ano Financeiro de 2014, entendemos porquê. Caso se concretizem os objectivos propostos, a população de Macau vai ter uma vida óptima. Vai ser bestial. Mas este ano a bela trouxe consigo um senão. Com as folhas lisas e brancas, vieram uma série de cotovelos para esbarrar no tinteiro. Francis Tam teve uma tarefa mais complicada do que o habitual.

O secretário que se mantém encarregado das contas desde 20 de Dezembro de 1999 parece cansado, com a imagem gasta. São já 13 LAG, a parecendo que não, isso cansa. É certo que é apenas uma vez por ano que Francis Tam aparece no hemiciclo para dar o peito às balas, mas vai sendo difícil inovar, apresentar um discurso diferente. Se ouvirmos a apresentação das LAG para a Economia de 2002, 2006 ou do ano passado, não encontrariamos grandes diferenças. A novidade este ano foi a legislatura, a quinta desde a criação da RAEM. A composição da AL resultante das eleições de Setembro trouxe algumas caras novas, e para quem pensou que isso é bom, ou que a predominância do sector empresarial podia significar mais harmonia, e que se falasse sobretudo de negócios, enganou-se. Sem poder questionar os números apresentados por Francis Tam, da generosidade dos subsídios ou da saúde da reserva financeira, as baterias foram apontadas para o mais evidente: a inflação, a habitação, os salários, a qualidade de vida da população em geral. No centro deste fogo cerrado estiveram sobretudo os trabalhadores não-residentes (TNR). Os franco-atiradores mais activos foram duas novas deputadas.

Já falei aqui na segunda-feira de Song Pek Kei, a terceira deputada da lista da Associação dos Cidadãos Unidos de Macau, de Chan Meng Kam. A reacção às declarações da deputada partiram de toda a parte menos de onde realmente importa: da população de Macau residente no território há duas ou três gerações, dos "ou mun ian". Os portugueses e macaenses ficaram chocados com a demonstração de racismo, xenofobia e intolerância da parte da deputada, e suponho que a comunidade de Fujian, de onde a família de Song é originária, terá aplaudido e pedido bis. Sugerir que os TNR não têm direito de frequentar os mesmos locais que os residentes é digno da introdução de algum plano de genocídio a longo prazo, da "solução final" do Terceiro Reich quanto ao problema dos judeus. Deixar Song Pek Kei proferir declarações desta gravidade sem a devida censura diz tudo da nossa classe política: amorfa, impotente, flácida, inexistente. Onde estavam Leonel Alves e Pereira Coutinho, que gritaram aqui d'el-Rei quando em 2007 Au Kam San sugeriu que os portugueses "foram ladrões"? Porque não censurou Francis Tam estas afirmações feitas contra quem contribuiu com o seu esforço para o desenvolvimento de Macau nos últimos 14 anos? Porque optou pelo silêncio a "vox populi" da RAEM quando atacaram as suas empregadas domésticas, as suas assistentes, as suas enfermeiras? Porque não saíu Angela Leong em defesa das centenas - senão milhares - de TNR que trabalham nos seus hotéis e casinos?

Mak Soi Kun, que não é um estreante mas também não é nenhum anjinho, propôs uma ideia revolucionária: mandar os TNR para a Ilha da Montanha, onde não chateassem os residentes. Isto sem os TNR e apenas com os residentes ia ser divertido, sem dúvida. Já agora permitam-me que vá mais longe; penso que deviamos criar "ghettos" um pouco por todo o território, para evitar conflitos culturais ou atritos derivados das diferenças étnicas. Assim tinhamos os chineses de Macau na zona norte da península, os macaenses na zona sul, os portugueses e outros "kwai-lous", bem como os "hak-kwai" na Taipa, e as aves-raras de Fujian, Jiangmen e do raio-que-os-parta, como Song Pek Kei e Mak Soi Kun, em Coloane, de preferência na praia de Hac-Sá, à beira-mar, à espera da maré cheia. Outra intervenção do mesmo calibre foi a da deputada Lei Cheng I, outra das novidades deste hemiciclo para o quadrénio de 2013/2017. Esta jovem promessa da parvoíce e da estupidez afirmou que "com salários de 4000 patacas, estão-se a atrair os TNR". Jura, sra. deputada? Que maldade. Vêm esses "estrangeiros" para aí comer do prato onde os outros residentes cuspiram, e que lhes foi posto na mesa por outros residentes ainda, estes mais endinheirados. Uma curiosidade interessante sobre esta deputada eleita pela via indirecta: é dos quadros da Associação Geral dos Operários, e membro da União para o Progresso e Desenvolvimento (UPD), da também deputada Kwan Tsui Hang, a grande derrotada das últimas eleições. Então foi para isto que serviu o tal 2+2, que permitiu mais dois deputados eleitos pela via directa, bem como pela indirecta? Para se fazerem estes "remendos"? Para se "cozinharem" estes empoleiramentos?

Das outras declarações dignas de constar do anedotário oficial destas LAG destaca-se Tsui Wai Kwan, um dos "meninos" da poderosa Associação Comercial de Macau, deputado nomeado pelo Chefe do Executivo, um daqueles que se é deixado de fora desta "brincadeira" chora e faz birra. O ilustre presidente da Associação dos Exportadores e Importadores de Macau e da Associação dos Fretadores de Macau, e que fez parte do Conselho Consultivo da Lei Básica, tudo isto apesar de ter apenas o ensino secundário, diz que a população de Macau "tem muita sorte", e que "devia-se queixar menos". Para ilustrar esta ideia, apresentou números: em 1999 o salário médio era 5000 patacas, e actualmente é de 15000 - o triplo. Esqueceu-se de referir que o preço da habitação é actualmente 10 ou 20 vezes superior ao praticado em 1999, mas isso também não interessa. O que eu gostava de ver era o sr. Tsui a viver em Macau com 15 mil patacas. Por dia? - perguntaria ele. É fácil! Pois pois. Está bem abelha. Estranhamente discreto esteve o nosso "tio" Fong Chi Keong, provavelmente preocupado com esta "caça aos TNR", e de como seria se precisasse de depender apenas da mão-de-obra local para realizar as empreitadas da sua empresa de construção Man Kan. Deve ter levado as mãos à cabeça quando o seu "pang-iao" Mak Soi Kun abriu a boca para dizer aquelas asneiras, mas desculpou-o, pois já tinha passado da hora de almoço do companheiro de armas, que tinha sido bem regado, como sempre.

Quanto aos restantes, Kwan Tsui Hang colocou o dedo na ferida, de grosso modo, sugerindo que os salários em Macau "são baixos". Não só concordo como acho um acto de coragem que alguém tenha finalmente apontado esse facto. É verdade que a media anda pelos 15 mil, alguns ganham 20 ou 25 mil, há agregados familiares que levam para casa 40, 50 mil ou mais, temos cheques aqui, subsídios ali, mas e o resto? O custo de vida é o de uma cidade moderna e desenvolvida, o que não é o caso de Macau. Um milhão de patacas chegam para uma mansão na maioria dos países da Ásia-Pacífico, mas em Macau não compram um rectângulo desenhado no chão a que depois chamam de "estacionamento". Habitações que em muitos países civilizados seriam condenadas e demolidas andam a ser vendidas em Macau por dois ou três milhões de patacas. Sim, estou com a senhora deputada. Os salários são baixos, incluíndo o meu. O sector pró-democrata, reduzido agora a Ng Kwok Cheong e Au Kam San, focou também a questão dos TNR, mas num quadro que comparado com as intervenções radicais dos que referi acima, faz com que pareça que os estão a convidar para dormir na sua sala. Outro tema que esteve na ordem do dia foi o das empregadas domésticas da China continental, que chegarão ao território em número de trezentas, a título experimental. Este é um tema que espero abordar num futuro próximo, quando tiver mais informação e uma opinião formada sobre o assunto.

Quero acreditar que a vaga populista que tomou de assalto a AL na segunda e terça-feira foi nada mais do que isso: populismo. Não faz sentido pensar que podiamos mandar embora os TNR do dia para a noite, ou impedir que se contratem mais, uma vez que o mercado de trabalho mete água por todos os lados com a falta de mã-de-obra, e afecta sobretudo as pequenas e médias empresas. Só faltava os "radicais" anti-TNR terem afirmado que os residentes não têm direito ao empreendedorismo, e que deviam deixar isso ao cargo das grandes marcas, dos monopólios e das empresas familiares que vão ditando quem pode e quem não pode ter direito a contratar mão-de-obra estrangeira. Song Pek Kei, Mak Soi Kun e Lei Cheng I falam assim porque sabem que não é possível realizar os seus loucos intentos - nem lhes interessa tal coisa - mas assim ganham a simpatia da franja do eleitorado que confiou neles. Gente ignorante é eleita por gente ainda mais ignorante. Francis Tam, que tem "calos" e já aturou tudo e mais alguma coisa, deve ter respirado fundo quando encerrou a apresentação das LAG da sua tutela no final da tarde de terça-feira. Estas serão muito provavelmente as suas últimas, e neste momento estará a pensar: "ao que estamos entregues". Quem vier atrás que feche a porta.

Pressa


A pressa é inimiga da perfeição, diz-se. Gosto da variante "Se a pressa é inimiga da perfeição, porque é que os momentos perfeitos passam tão depressa?". E de facto é verdade. Quantas vezes demoramos horas, dias ou meses para produzir algo que disfrutamos apenas por alguns segundos? Dizem ainda que "depressa e bem, não há quem". Isto pode-se aplicar a quase tudo, talvez com excepção da reprodução entre os coelhos, ou no desporto automóvel. Imaginem que agora o Sebastian Vettel começava a conduzir o seu potente Red Bull a 50 km/h, e quando lhe perguntassem o que se passa, ele respondesse "calma...mais vale perder um minuto na vida do que a vida num minuto", enquanto os restantes carros o dobravam a cada volta.

A pressa tem normalmente uma conotação negativa, como uma doença contagiosa, mas só quem tem pressa sabe o que isso custa. É mais ou menos como a gripe: quando um colega nosso está com gripe enquanto gozamos de plena saúde, queremo-lo o mais longe possível de nós, que vá tossir, espirrar, espalhar o ranho e os vírus para bem longe. Quando chega a nossa vez sentimo-nos molinhos, a precisar de um carinho, e somos enxotados e vetados ao abandono como reles leprosos. Os sintomas da pressa são facilmente detectáveis: passo apressado, olhar vidrado, tendência em olhar a toda a hora para o relógio, andar impacientemente de um lado para o outro, bater ritmadamente com um dos pés, entre outros. Quando duas pessoas avistam alguém com pressa aguda, diz uma à outra: "epá sai da frente que aquele gajo está cheio de pressa".

A única prevenção para a pressa é o tempo. O tempo está para a pressa como a vitamina C está para a gripe. Os médicos recomendam uma dieta rica em tempo de maneira a evitar a pressa. Uma vez infectado, o antibiótico é o descanso, e nos casos extremos, quando a pressa pode resultar em doenças mais graves, como o "stress", usa-se uma terapia de choque: as férias. É tiro e queda. Nunca vi ninguém dizer "olha, desculpa lá mas estou de férias, portanto tenho imensa pressa". As praias, os "resorts", as termas, as casas de campo e todo o resto são os sanatórios para os doentes de pressa.

A pressa é um mal típico das grandes cidades. O ar do campo faz bem à pressa. Eu próprio sofro de pressa, pode-se dizer que sou um "junkie" da pressa, e numa cidade como Macau, a pressa apanha-se facilmente, bastando um simples contacto com o ar. É o miasma da pressa que por aí se respira. Tomo com regularidade doses de tempo quanto baste, mas o virus da pressa desenvolveu uma resistência ao tempo. Chego a sair de casa com tempo de sobra, mas a quantidade de gente que encontro pela frente a pisar ovos e a dormir na forma provocam-me logo pressa. Se vou apanhar um autocarro que devia supostamente passar de dez em dez minutos, e já estou à espera há mais de vinte, sou logo acometido com um ataque de pressa. No fundo a culpa é de toda a gente menos minha. Passamos um terço da nossa vida a dormir, e não me apetece perder parte dos dois terços que me restam porque anda alguém constantemente a pisar na bola. Tenho pressa de viver.

Em Portugal não é muito melhor. Pode ser que tenha escolhido viver numa terra onde a pressa se apanha facilmente, mas nasci num país onde a pressa é agravada pelo seu estigma. Ter pressa em Portugal é pior que ter SIDA. Antes existiam uns cartazes muito giraços que os funcionários públicos penduravam na parede da sua repartição onde se lia "Tem pressa? Vá à merda!". Um pobre diabo que chegue a uma dessas repartições e encontre a recepcionista ao telefone com outra desocupada a discutirem as páginas cor-de-rosa da revista Maria enquanto lima as unhas, encosta-se ao balcão, e dois minutos depois de estar a ser completamente ignorado, começa a limpar a garganta: "Ahem". A tipa estende-lhe a palma direita da mão sem olhar para ele, e continua a tagarelar. O indivíduo insiste, e produz um "ahem" ainda mais alto, e depois outro. A recepcionista interrompe a conversa com a amiga tapando o telefone com a mão:
- "Desculpa Lurdes, está aqui um chato. Alguma coisinha?"
- "Sim, por acaso...importa-se de me atender?"
- "Porquê? Está com muita pressa?"
- "Por acaso estou, mas só estou a pedir-lhe que faça o seu trabalho, que é para isso que lhe pagam".
- "O quê? Que descaramento" - tira a mão do telefone - "Estás a ouvir isto Lurdes? Este gajo está a dizer-me como devo trabalhar...sim, sim...pois, estás a ver? É com cada cabrão..."
O cliente, já embaraçado, acaba por pedir desculpa, quando tudo o que pedia era ser atendido.

Quem não tem pressa, tem a mania de educar os apressados, com se fossem uns viciados - "larga a pressa que te vai matar, desgraçado". Outra situação. Um indivíduo vai buscar o fato à lavandaria logo pela hora da abertura, às 9 da manhã, pois tem um vôo para o Canada às 11 horas. Já são 9:05, e o cliente começa a ficar impaciente, espreitando através do portão semi-aberto. O proprietário inquire:
- "Alguma coisinha, amigo?"
- "Sim, por acaso, vinha aqui buscar o meu fato"
- "Ai sim? Então é só um bocadinho que eu já o atendo"
- "Demora muito?"
- "Porquê? Está com pressa?"
- "Por acaso...tenho um vôo daqui a uma hora e pouco"
- "Mas porque é que não disse logo? Peço desculpa! Entre, entre, vou já atendê-lo".

Isto seria o ideal, mas raramente acontece, porque depois da confissão de pressa, é isto que acontece:

- "Porquê? Está com pressa?"
- "Por acaso...tenho um vôo daqui a uma hora e pouco"
- "Ai sim? Então vá andando"
- "Bem gostava, se me entregasse o fato..."

Ou ainda:

- "Porquê? Está com pressa?"
- "Por acaso...tenho um vôo daqui a uma hora e pouco"
- "Ah bem, uma hora, tem tempo".
- "Não está a perceber, vou perder o avião"
- "Como é que vai perder uma coisa tão grande? Ra ra ra!"

E já agora:

- "Porquê? Está com pressa?"
- "Sim! Estou com muita pressa!"
- "Então beba uma cervejinha que isso passa"
- "Às nove da manhã !?"

A alergia à pressa pode mesmo originar situações surrealistas. Por exemplo, um indivíduo chega a um banco por volta das nove e meia, e precisa de fazer um depósito urgente, e de seguida tem uma reunião não menos importante às onze. Tira a senha de espera, que é o nº 45, e estão a atender o nº 3, e estão abertos dois balcões. O tipo aproxima-se de um deles:
- "Desculpe, seria possível depositar este cheque com alguma urgência? É que não tenho tempo, e..."
- "Espere lá, por acaso está com...pressa?"
- "Sim, sim. Ainda bem que percebeu, pode-me ajudar?"
O empregado bancário levanta-se, abre os braços e começa a gritar:
- "Atenção senhores clientes, podem ir todos para casa, que nós vamos fechar por hoje. É que chegou aqui o rei da Tailândia, e está cheeeeiiio de pressa!"
O cliente, confuso e atrapalhado, sussurra:
- "Shhh...o que está a fazer, homem? É louco?"
- "Oh sua majestade, peço imensa desculpa, meu rei. Vamos largar tudo o que estamos a fazer e chamar os elefantes para lhe trazerem o tesouro, alteza".
- "Oh homem, por acaso está a ser sarcástico?"
- "Por acaso sim, nota-se muito?"

Sarcasmo...isso sai com água da torneira. Agora a pressa...