Eleições à porta, candidatos definidos, 22 listas a sufrágio muitas novidades, algumas interessantes, uma campanha que promete. As legislativas de 2013 em Macau prometem agitar a habitualmente amorfa vida política do território, mesmo que depois dos quinze dias que antecedem a votação se volte ao marasmo e à sempre-mesmice do deserto em matéria de debate politico digno desse nome. A segunda-feira depois das eleições é uma longa ressaca depois da farra, que dura mais quatro anos, até às novas eleições. Se dúvidas persistem sobre o desempenho de algumas das listas concorrentes a este sufrágio,existe pelo menos uma certeza: a força mais votada no próximo dia 15 de Setembro será, como sempre, o Novo Macau Democrático (NMD). Foi assim em 2001 e 2005, foi assim em 2009 no total das duas listas que os democratas apresentaram, e vai ser assim no somatório das três listas com que concorrem este ano.
A minha simpatia com o NMD é frequentemente criticada por alguns leitores por razões com as quais discordo, mas já lá vamos. Essa simpatia não passa disso mesmo: apenas simpatia. Não sou militante do NMD, não tenho qualquer relação com os seus elementos, nunca participei de nenhum evento organizado por este grupo (com excepção da vigília de 4 de Junho, cujo significado está acima de qualquer organização que a promova), e posso ir mais longe ao ponto de dizer que nem sempre concordo com a orientação ideological e muitas vezes não me revejo com alguns dos métodos. A razão que me leva a simpatizar com o NMD tem a ver com um facto muito simples. São o que temos de mais próximo com um partido politico em Macau. Quando se trata de eleições e de política nestas bandas, fala-se de NMD. Associações de operários, casineiros, trabalhadores da administração não têm um carácter abrangente que valide a sua existência. A Assembleia Legislativa é, ou devia ser, o orgão legislativo que representa e defende os interesses da população, exercendo uma acção fiscalizadora sobre o poder executivo, de que é, ou devia ser, autónoma. Eleger representantes que defendam apenas os grupos de interesse que os apoiam, ou que pelo menos se apresentam como tal e como tal são eleitos, não é levar a política a sério. Não quero votar em quem defenda os meus interesses em particular. Quero quem defenda os interesses da generalidade da população. Pode ser que tenha sido mal ensinado, tenha percebido mal, ou faltei à aula de Ciência Política nesse dia, mas penso que é assim que funciona a democracia. Ou devia ser.
O NMD surgiu nos anos 90, ainda durante a Administração Portuguesa, e o seu fundador e líder histórico é Ng Kwok Cheong, ou António Ng na versão portuguesa. Ng é um católico que durante os protestos contra o massacre de Tiananmen em 1989 perdeu o seu emprego no Banco da China, e como muita outra gente que não sabe fazer mais nada, dedicou-se à política. O NMD é inspirado nas suas congéneres de Hong Kong, onde o campo pró-democracia tem uma força notável, ocupando 27 dos 70 assentos do LegCo. A existência dos movimentos pró-democracia nas regiões administrativas especiais obedece a um princípio um tanto ou quanto redutor: se não é pró-Pequim, é pró-democrata. A palavra “democratas” é assim usada um tanto ou quanto livremente. Deste lado, o NMD tem crescido, e depois de António Ng surgiram outras caras novas na associação, e muita juventude oriunda da classe media intelectual, que se vem demonstrando especialmente talhada para o activismo. Sejam eles “democratas” ou outra coisa qualquer, é salutar ver a malta jovem a mexer-se, a dizer o que pensa, e caso não esteja satisfeita, que saia à rua e o faça saber. Não há nada que os impeça de fazer, desde que respeitem a lei. A lei, nomeadamente os seus agents, e o NMD nem sempre têm tido uma relação pacífica. Apesar dos evidentes excessos de alguns dos seus elementos, as autoridades têm-se pautado por uma postura que se pode entender como alguma “má vontade”, para ser simpático. Algumas das acções dos agentes da lei chegam a ser discutíveis em termos de legalidade, e algumas segundas leituras causam-me calafrios.
Os críticos do NMD (que se referem ao grupo apenas como “Novo Macau”, não lhes reconhecendo um cariz “democrático”) acusam a associação de ter um discurso “xenófobo”, muito por culpa da pressão que fazem junto do Executivo para que se dê prioridade aos residentes no acesso ao mercado de trabalho. É discutível que se possa considerar lutar pela empregabilidade dos residentes de Macau em deterimento da contratação desenfreada de mão-de-obra não-residente (e mais barata) uma forma de “xenophobia”. Não me recordo do NMD ter feito referências em termos de etnia ou de nacionalidade quando reclamam a prioridade dos residentes ao emprego. Algumas das tiradas contra os pró-democratas partem muitas vezes de gente que está há anos instalada à sombra da grande bananeira da nomenclatura vigente, e não lhes agrada que a abanem. Muitas das vezes as críticas tomam contornos de ridículo, como daquela vez que certo senhor considerou “um atentado à democracia e às suas regras” quando o NMD organizou uma recolha de assinaturas e levou a cabo uma eleição simbólica a propósito da construção de habitação social. Mas aceito que exista uma grande dose de populismo na oratória do grupo, mas também entendo porquê. O NMD não está equipado da mesma máquina associativa que a maioria dos sectores tradicionais, e muito menos com a capacidade financeira – já alguém viu a Fundação Macau ou outra qualquer atribuir verbas ao NMD por dá cá aquela palha? Não tendo os meios para pagar jantaradas, organizar passeatas ou oferecer “lai-si”, precisam de encontrar outra forma de cativar o eleitorado, e apelando aos anseios mais primários – o emprego e a habitação – vão levando a água ao seu moinho. Mesmo que não acreditem na plenitude do discurso que proferem; primeiro é preciso que os ouçam, depois logo se vê. Sem votos é que não dá.
Posto isto, o NMD vence sempre as eleições, pois conta com o voto dos eleitores independentes, os não-alinhados ou que não se revêm nas associações a que pertencem. A julgar pelo crescimento do NMD as urnas, é cada vez mais gente: 17 mil votos em 2001, 23 mil em 2005, 27 mil em 2009. A oscilação percentual em termos de eleitorado tem-se mantido entre os 18 e os 20 pontos, o que significa que entre os novos eleitores existem muitos que votam no NMD. Há quatro anos a associação dividiu-se em duas listas, uma estratégia pensada para contrariar a corrupção do método de Hondt praticada na atribuição do número de mandatos. Uma estratégia arriscada mas que se revelou frutífera, pois os pró-democratas elegeram pela primeira vez um terceiro deputado. Alguns comentadores de pacotilha atribuíram a vitória há quatro à União para o Desenvolvimento (UPD), os “operários”, que obtiveram 22 mil votos. As duas listas do NMD obtiveram 16 e 11 mil votos, que somados dão 27 mil. Ora 27 é mais que 22. E três deputados são mais que dois. Quem ganhou as eleições, mesmo? Os mesmos comentadores consideraram “desonesta” a estratégia do NMD para eleger um terceiro deputado. Se a honestidade fosse praticada em todo o seu explendor, o triplo dos votos necessários para um mandato dariam direito a três mandatos, e não é isto que acontece. A razão deste método de Hondt adulterado é a mesma razão que o NMD se dividiu em duas listas. É uma das leis mais básicas da natureza: para cada reacção existe uma reacção oposta. Em qualquer dos casos os números falam por si, e quanto a isto estamos conversados.
Para as eleições deste ano o NMD divide-se em três listas: as mesmas duas de 2009, encabeçadas por António Ng e Au Kam San, e uma terceira que se pode considerar uma lufada de ar fresco. Jason Chao, que muitos analistas consideram a grande revelação da política local nos últimos anos (não é difícil, atendendo à mumificação da política de Macau), concorre com uma plataforma que pela primeira vez representa a comunidade gay do território, mas muito mais do que isso. O seu nº 2 é Scott Chiang, que apesar da sua juventude tem sido uma das caras do NMD mais habitualmente vistas nos media. A terceira lista dos democratas tem uma forte conotação com a juventude de Macau, da classe média e intelectual, e pode captar muitos dos votos dos estudantes universitários e jovens profissionais liberais, além da comunidade “gay”, como já referi. É curioso como nenhuma lista se tenha lembrada da comunidade homossexual, que não é assim tão residual como alguns pensam, e, “surprise, surprise”, também vota. É quase certo que António Ng, Au Kam San e Paul Chan Wai Chi serão reeleitos, e a eles se juntará Jason Chao. O NMD apresentou a sua nova estratégia da divisão tripartidária das listas com o ambicioso objectivo de “eleger 5 ou 6 deputados”. Alguns riram do que consideram uma audácia, mas ao apontar alto, os democratas garantem pelo menos um quarto deputado, o que seria um resultado muito positivo. Gostaria de ver lá também Scott Chiang, na eventualidade do resultado ser acima das expectativas. Tudo dependerá da forma como o NMD conseguir distribuir o seu eleitorado pelas três listas.
Agrada-me sobretudo ver sangue novo interessado na política de Macau, e interessado em contribuir civicamente participando nas eleições. Não sou partidário da ideia de que a experiência ou a idade são factores determinantes para fazer um bom politico, e o que não falta são exemplos de gente que apesar da idade tem menos juízo que uma criança de dez anos. Alguns pioram à medida que os anos avançam. Olhando para o mapa politico da actual RAEM e verificando uma certa tendência para a eternização nos altos cargos públicos – quase os mesmos secretaries-adjuntos desde 1999, deputados “ad eternum”, curadores, presidentes de Institutos e directores de serviços acomodados ou já além da idade da reforma – penso que é altura de aparecer uma nova geração que conduza os destinos de Macau nas próximas décadas. Pelo menos até 2049, data de validade do segundo sistema, e mesmo além desse prazo, integrados na grande China, que será então diferente, com toda a certeza. Se há algo em que o NMD é pioneiro é na criação desta “escola” de política. Ninguém os pode censurar se os sectores tradicionais estão a tal ponto apegados ao poder que não consigam perceber que depois deles o vazio não é alternativa. Em Setembro o eleitorado voltará a mostrar a força dos que remam contra a maré do comodismo e da ditadura da sempre-mesmice, em nome da estabilidade e da “harmonia”. Os senhores que estão à sombra da tal bananeira que se cuidem.
Lá Lá Cardo
Há 8 anos
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