sexta-feira, 5 de julho de 2013

Demografias

Entrou em vigor na segunda-feira na China uma legislação controversa e que tem gerado coros de protestos, que obriga os familiares com idosos a viver sozinhos ou instituidos a visitá-los pelo menos uma vez cada dois meses. No mesmo dia que a legislação entrou em vigor, uma avó do continente ganhou em tribunal um processo que interpôs contra a filha e o marido desta, porque “não a visitavam”. Esta senhora de 77 anos, de Wuxi, província de Jiangsu, anda com a ajuda de muletas, mas anda aparentemente muito bem informada. A audiência no mesmo dia em que entra em vigor uma lei que decide o caso a seu favor não será mera coincidência. O juíz decidiu a seu favor e a filha é obrigada a visitá-la pelo menos uma vez cada 60 dias, e pelo menos um dos dias festivos. O incumprimento pode levar a multa, que como se sabe na China pode ser mais complicado do que ser preso. Podia ter recomendado que lhe trouxessem também guloseimas, em vez de veneno para os ratos, mas provavelmente deixam isso ao seu critério.

Somos todos sensíveis aos casos de idosos solitários abandonados pelos descendentes, os velhos que morrem em casa e apodrecem até se notar o cheiro, vultos de roupão e cabelos brancos a contemplar uma folha que cai de um carvalho no Outono, com um olhar vazio. Tudo isso, muito triste, muito maricas. Agora que se aproximam as férias muitos agregados familiares começam a pensar em “internar” um idoso a seu cuidado durante trinta dias, dizendo que “amanhã voltam” e vão buscá-los no regresso bronzeados e cheios de saúde, dizendo que se “esqueceram”. Esta baga do arbusto da vida é uma que nos assusta, pois se hoje andamos por aqui na boa vida sem miocárdios ou tromboses, nunca se sabe se amanhã vamos estar de boca aberta a falar com uma parede, sem fazer sentido e requerendo cuidados básicos de higiene. Se a isto juntarmos o efeito “boomerang”, mostrando aos nossos filhos como se deve tratar um velho, temendo que eles nos façam o mesmo. Quem não tem cu não tem medo, mas também morre sozinho quem opta pelo celibato – vai dar ao mesmo. Esta lei que entrou a vigor na China esta semana devia ser implementada em Portugal, e já.

Os asiáticos em geral e os chineses em particular dão um grande valor aos idosos, e respeitam-nos mesmo que estejam gagás e os ameaçem com a bengala. O negócio de lares de idosos existe em Macau também, mas é tão residual que mal se notam. Os velhos que acabam nos lares ou a cargo das instituições são normalmente pobres, de família dispersa. Os residentes do território de idade superior a 70 produziram a geração que tem actualmente entre 30 e 50 anos, e isto são famílias relativamente numerosas. Dos cinco ou seis filhos ficarão sempre dois ou três para garantir que cuidem dos pais na sua velhice, que os assistam na doença e garantam que não perdem a casa num qualquer conto do vigário. Um idoso de uma família de classe média tem normalmente casa própria, são visitados pelos filhos diariamente, e caso estejam sozinhos contrata-se uma empregada que olhe por eles durante o dia. Ser velho em Macau não é tão dramático como tantos pintam no retrato. Até não é um sítio mau para se esperar pela morte.

Na China a coisa muda de figura. Actualmente a população acima dos 60 é de 14%, em 2050 será de 30%, com tendência a subir pelo menos um ponto por ano. Não entendo o motivo da lei, se agrada aos idosos desprezados serem visitados como cumprimento de uma obrigação legal, e se não insulta os filhos que visitam regularmente os pais. Só faltava pendurar na cadeira de rodas um relógio de ponto para registar a entrada. Talvez perante os números acima referidos estejam já a pensar num plano de educação cívica a longo prazo: “Vem visitá-los antes de te juntares a eles”. A verdade é a política do filho único, a panaceia encontrada para travar o ritmo formigueiro do aumento da população, levou a um monte de problemas, e um deles foi este: ficou um “buraco” geracional que deixou mais velhos para tomar conta e pouca gente nova com tempo para isso. Quem sabe se em vez da política do filho único deviam ter pensado antes na “política do número de filhos razoável”? Era só anunciar que depois não ia haver comida para todos, e pedir que tivessem juízo.

Na India foi há alguns anos levado a cabo um programa que visava travar o crescimento populacional e o subsequente empobrecimento. A campanha “two will do” apelava a que os casais tivessem apenas dois filhos, conforme as posses. Mas como nestas coisas a India é uma “democracia”, não se pode obrigar ninguém a nada, e ficou-se pelas boas intenções. A população rural, que representa uma grande parte da India, insiste em ter hordas de filhos, cuidando para que hajam mais braços para trabalhar. Outros ainda argumentam que têm muitos filhos “porque os desastres e as epidemias matam sempre um ou dois”. Quem pode negar que este é um argument de peso? É uma matéria de poucos anos até a India se tornar o país mais populoso do mundo, e se tivermos em conta que o Paquistão, Bangladesh, Nepal, Sri Lanka ou Praça de Espanha são meras fracções alienadas da grande India, então há muito que encontrámos o grupo demográfico dominante neste continente.

Isto dos gráficos de crescimento populacional e o envelhecimento da população apresenta números assustadores, caso lhes validemos com algum crédito. Juntando todos os mapas demográficos actuais e acreditando nas tendências, daqui a 500 anos temos um mundo de 60% indianos, 30% chineses, e os restantes dez de troco em africanos, turcos, árabes, hispânicos e malaios. Por mim tudo bem, que até nem gosto de jogar com as brancas, mas além da probabilidade deste cenário ser mínima (pelo menos tão cedo), é indeferente quem cá anda, desde que se porte bem. Se hoje fosse revelado que os esquimós são a espécie humana que mais se aproxima da perfeição, que tenhamos um mundo apenas com esquimós. Só é preciso é não esquecer os mais velhos, os que nos pavimentaram o caminho, a um custo que só vamos saber quando chega a nossa vez. E enquanto não partirem, usemos o tempo que nos resta com eles para aprender um pouco mais, e reflectir sobre coisas simples, como a natureza que se renova a cada estação, e pensar também em fazer a renovação necessária. Todos queremos viver mais, passar mais tempo junto dos nossos, e de preferência felizes. Porque é que temos que fazer disso um problema?

Sem comentários: