segunda-feira, 1 de julho de 2013

Buraco do Patane


Uma tentativa frustrada de tapar um buraco

Em mudança de casa durante os últimos dias, debaixo do sol escaldante e suando em cascata, torna-se necessário comprar esta ou aquela peça de mobília, este ou aquele electrodoméstico, requisitar arranjos domésticos, carregar roupas, livros, loiça, aparelhos elecéctricos, requisitar arranjos, mil e uma coisas. Uma chatice, como muitos dos leitores certamente sabem. No Domingo, dia especialmente quente e cansativo, dei por mim a levar pela rua um daqueles carrinhos mão que transportam objectos mais volumosos e mais pesados, que no meu caso foi uma mesa de computador. Sim, ironia das ironias, o Leocardo que tanto se irrita com os velhotes que andam pela rua ao cartão com esses tais carrinhos, a fazer agora exactamente o mesmo. Bem, não me restou outro meio de transporte, e se me serve de alibi, não andei por aí todo o dia a catar ferro-velho. Na realidade tentei despachar a tarefa o mais rapidamente possível. Mas se há algo que ficou desta experiência, foi um pouco mais de simpatia pelos tais apanhadores de cartão, latas e outro lixo. Não é nada fácil levar um carrinho-de-mão por algumas ruas da zona norte de Macau, que se encontram num estado lastimável.


Altos, baixos, pretos, cinzentos e muitas fendas

Alguns arruamentos da zona do Patane, onde recolhi estas imagens, estão em condições que se assemelham às estradas do Paquistão, ou a alguma cidade-fantasma ou cenário de pós-guerra. Alguns dos buracos visíveis no alcatrão sugerem que rebentaram ali várias granadas de mão, e outros são suficientemente profundos para criar um pequeno lago quando chove. Os pobres moradores destes bairros que tenham um ou dois patos podem aproveitar a ideia, e quem sabe dar um aspecto mais aprazível às a cair de podre, as paredes de chapa ou as placas de plástico a substituir as janelas. Actualmente como se encontra, a estrada que têm à porta de casa combina na perfeição com o retrato. Fica completo o bairro de lata padrão, que nem chega a favela. Pelo menos as favelas do Brasil foram reformadas e pintadas com cores catitas que não ofendem a vista. Não sei se a Associação dos Moradores, os tais “kai-fong”, que aqui têm uma parte do seu eleitorado habitual já identificaram este problema, mas a julgar pelas fotografias dos seus responsáveis a visitar o bairro que se vêem amiúde à porta de algumas associações da vizinhança, julgo que sim. Se calhar acham que não está mal, e “é mesmo assim”, como diria o tuga desenrascado.


Traçado de um circuito de enduro? Pista de ralis? Ou simplesmente uma miséria de estrada?

As rachas no chão, o piso desnivelado, a gravilha, os passeios estreitíssimos e o trânsito constantemente a circular são um pesadelo para quem se vê obrigado a transportar manualmente um volume. O carrinho de mão vai numa tremideira tal que é seguro afirmar que se estivesse a transportar vasilhas de leite fresco, tinha manteiga quando chegasse ao meu destino, e a estridência provocada pelo contacto das pequenas rodas da carripana de metal com a estrada dá cabo dos nervos de qualquer um. Que me desculpem os transeuntes e viaturas que me apanharam pelo caminho, mas eu próprio não ia de sorriso nos lábios enquanto provocava altos decibéis de poluição sonora. Ia pior que estragado, pois além das dificuldades de locomoção, fiz uma figura triste que chega e sobra para os próximos dez anos. Levar um carrinho de bebé já seria complicado neste caminho que nem as cabras aprovariam, quanto mais um carro de metal com um móvel em cima. É mais fácil correr com uma colher na boca com um ovo na ponta, tentando não o deixar cair. E se calhar atraía menos a atenção, também.


Um acesso a pessoas com deficiência motora da era neolítica?

Não entendo muito bem que planos tem o nosso Governo para o urbanismo, ou se pensam que ter acessos nestas condições contribuem para resolver o problema do trânsito. Já nem falo da qualidade de vida dos cidadãos, uma vez que estes não tiveram a sorte de habitar numa área de condomínios de luxo, onde os arruamentos ainda têm um mínimo de qualidade. O bairro do Patane é um dos mais antigos e mais tradicionais de Macau, é também um dos poucos onde se pode olhar para cima e ainda ver o céu sem ter blocos de vinte e trinta andares à frente. Não se pede que se aplique ali a política do camartelo, que se deite tudo a baixo e que se levante de novo e em altura, descarecterizando a zona, mas deixá-lo nestas condições é, resumindo numa palavra, desleixo. Falta de dinheiro não será justificação, certamente, o que existe mesmo é má-vontade e laxismo. É realmente pena que aqui ao lado em Zhuhai se tenha executado um plano urbanístico que tornou a cidade num brinco, onde dá gosto andar na rua. Enquanto isso Macau assemelha-se cada vez mais ao Zhuhai antigo…ao de há vinte anos.

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