"Ao longo dos quase três anos à frente da Universidade de São José (USJ), Peter Stilwell reduziu o corpo de docentes, cortou do currículo cerca de 30 cursos, relançou a construção do futuro campus da instituição, tomando decisões que admite poderem ter “ferido” algumas pessoas". É assim que o Jornal Tribuna de Macau apresenta o
entrevistado da sua edição desta segunda-feira, o Pe. Peter Stilwell, célebre por ter introduzido - ou revelado - a versão da Santa Inquisição do século XXI, com uma versão muito própria do infame Index, que de diferente do original tem a inclinação mais para o
Verbatum Proihibitorum do que propriamente para o
Librorium - é que aqui as pessoas lêem pouco, e isso dá para perceber ao fim de alguns meses depois de se chegar ao território. Só que ao mesmo tempo existe uma tendência para acreditar em quase tudo, e não raras vezes a populaça vai na conversa fiada de um qualquer finório. Só na deste é que não vai, por mais que ele estrebuche, e nem esta entrevista o safa em termos de cosmética, tão perdido que ele anda, coitado.
O Pe. Stilwell fez imenso, sem margem para dúvidas. Fez imenso pela Universidade de São José, de que é reitor, e se fez bem ou mal, isso é deveras discutível. Para mim e para uns 99% da população do território, seguramente, não fez nem trouxe nada de positivo para Macau, antes pelo contrário. Sim senhor, obrinha feita, cursos e não sei quê, um "campus" para a Universidade, que brinquinho, trá-lá-á, mas e eu com isso? Não vou tirar lá nenhum curso nem me deixam dormir lá no "campus", portanto, que bom para eles - mas à custa do quê, exactamente? Achei interessante a faceta de mártir voluntário expressa por Stilwell na entrevista, quando diz que "foi chamado pelo Patriarca de Lisboa", que lhe disse "haver uma crise em Macau", e que ele "tinha 15 dias para fazer as malas". Não sei depois disse-lhe "esta mensagem vai-se auto-destruir em dez segundos", ao estilo da "Missão Impossível", ou se de seguida entrou o tema dos "Ghostbusters" ou do "Mighty Mouse", mas...crise? Vocês deram por alguma crise na USJ? Eu também não, pelo menos até o Pe. Stilwell se lembrar de criar uma, aqui há uns 9 meses. Se calhar é essa a razão da entrevista: passaram nove meses, e acabou de nascer. É feia, feia, mas tão feiazinha que mete dó, a crisezinha. Sai ao pai, não ha que enganar.
A USJ não é aquilo tudo que o Pe. Stilwell pinta. A USJ é uma instituição que emite diplomas e certificados, não é uma "fábrica" de talentos, e muito menos um ninho de virtudes. Corriam rumores de que facilitava nas avaliações para deixar alguns alunos passar, "so what"? Não seria a primeira nem a última, e não é à toa que as universidades no estrangeiro continuam a ser vistas pelos encarregados de educação como a única alternativa viável para quem quer realmente obter uma formação digna desse nome. Honra seja feita ao Instituto de Formação Turística (IFT), que num território com a oferta turística que Macau tem (e podia ter mais, e melhor) sempre vai formando alguns quadros nessa perspectiva, e sem grandes ambições - têm tanto de "no nonsense" bem como de "no bullshit", com uma grande dose de "get real". O que Stilwell poderia ter feito em matéria da recuperação de uma eventual credibilidade perdida daquela instituição não fez, e ainda deixou as coisas piores que antes. Depois daquilo que se sabe - e que no fundo é o princípio, meio e fim de tudo isto - a USJ juntou à imagem de laxismo que já ostentava uma outra de materialismo sem escrúpulos, dando a entender que se verga e se submete ao poder político, mesmo na forma de sermões que não lhe foram encomendados, e tudo no sentido de lhe ser facilitado uma espaço para construir o campus - juro que é isto que praticamente toda a gente ficou a pensar, e nem eu teria capacidade para produzir tão elaborado raciocínio (primariamente porque me estou nas tintas).
E estamos quase a chegar à "piece de resistance", e nem podia escolher idioma melhor para exprimir esta oração. Quando lhe perguntam sobre os despedimentos na USJ durante o seu consulado, Stilwell passa uma imagem de cínico, frio e insensível. Não sei se sou eu que sou mal intencionado, ou se estou a fazer segundas leituras ou a distorcer as afirmações do senhor, mas se é esse o caso, juro que é completamente involuntário. É que tenho como princípio que alguém a quem perguntam se "estava nos seus planos fazer tantos cortes", começa por responder "não foi pessoal nem conhecia as pessoas", dá-se um nome que seria impróprio dizer aqui, tratando-se (apesar de tudo) de um sacerdote católico. E paulatinamente se vai chegando ao ponto essencial, ta-ta-ta os cursos (como se interessasse para alguma coisa), ta-ta-ti os professores...espera lá, os cortes? Os professores? USJ? Stilwell?
What's the password? Se respondeu Eric Sautedé acertou! E não era difícil, já que todos os caminhos vão dar a Paris, e foi graças ao académico francês que Stilwell ganhou um protagonismo que não tinha, e que certamente não desejaria. Mas já lá vamos.
Achei piada à sua reacção, tratando o despedimento de Sautedé como "mais um caso, como tantos outros", chegando mesmo a referir-se a este como um "caso individual". Quem não esteja par dos acontecimentos, vai pensar que o senhor despede 3 ou 4 professores ainda antes do almoço, antes dos 10 ou 20 com que completa depois mais um dia de "põe-te a andar e dá de frosques". Na verdade tenho um "feeling", e agora sim, isto é pessoal, que não passa um dia que Stilwell não pense em Sautedé. Talvez uma hora, quando consciente, e quiçá às vezes em sonhos. Correcção: pesadelos. Não seria nada de extraordinário, uma vez que ao contrário do que muita gente pensa, o sr. Stilwell é padre mas também é um ser humano como outro qualquer, e foi aliás na qualidade de reitor da USJ e não de sacerdote que cometeu o maior atentado à liberdade académica da história da RAEM. Porque o fez, e não me surpreende que reafirme tudo o que disse até hoje, nunca se saberá ao certo, e duvido que o "livro de memórias" que diz ir escrever quando terminar a sua "missão" pelo Oriente traga toda a verdade, verdadinha. Não estou com isto a insinuar o que quer que seja, ou dar a entender que sei mais do que qualquer um dos leitores, mas duvido que o Pe. Stilwell tivesse o carácter (isto dando-lhe o benefício da dúvida) ou até o poder para tomar uma decisão deste calibre, com o impacto que com toda a certeza ele sabia que viria a ter.
Tenho uma teoria que nem é nada de especial, e já deve haver quem a tenha cogitado antes de mim: o Pe. Stilwell terá medido mal o salto, e espalhou-se ao comprido, pensando que em Macau se presta a mesma reverência ao clero católico que em Portugal. Ou pelo menos nos meios onde habitualmente se movimentava. Fiz esta dedução depois de visionar
esta conferência dada pelo próprio ainda antes de vir para Macau, onde fala de uma cumplicidade ou "simbiose" entre a Igreja e o Estado, com primazia para a primeira, devido ao enraizamento junto das populações, sem que para isso precise de se adaptar ou sofrer mutações, ao contrário dos Estados, que se sucedem, sempre com diferentes intérpretes. Outra vez, pode ser a minha desconfiança pelo indivíduo ou pela Igreja no seu todo que me leva a pensar desta forma - e o problema, se o há, é meu e apenas meu, e não me reconheço poderes hipnóticos para influenciar a opinião de ninguém. Talvez seja pela "má vontade" que me move que interpreto afirmações como "o caso Sautedé já correu muita tinta...tinta demais" como sendo intimidatórias, ou que no fim da entrevista venha num tom resignado tentar explicar-nos que no mundo actual quem tiver a ousadia de desafiar ou ir contra os governos "está feito ao bife", e que procure redimir-se com o facto de que estava como que "programado" para fazer aquele trabalho, e que em nome do seu dever poderá ter lesado este e aquele, mas que nunca com más intenções, tretas, tretas, tretas. Ficou mais uma vez por explicar a razão de ter despromovido a mulher de Sautedé, retirando-lhe do Deado da sua faculdade logo após o despedimento do marido - era também uma das directivas, ó São Robocop?
Mas isto tudo para dizer que o Pe. Stilwell poderá ter sido mais uma vítima de um certo relaxamento que certas pessoas têm quando vêm para Macau e julgam que "a sabem toda", acabando mais tarde por dar um tiro no próprio pé. Insistir que o despedimento de Sautedé é "mais um caso", e recordo mais uma vez que o académico foi demitido por ter feito comentários de índole política na esfera da sua profissão de professor de Ciência Política, e nem foram nada de especial, é dar dois tiros no pé, decepá-lo, e depois de reimplantado, arrancá-lo outra vez. Pode ser ainda, e isto continuando na onda da mera especulação, que lhe tenham convencido a cometer o golpe garantido que o aparavam, ou que o caso seria rapidamente esquecido, como tanta outra coisa em Macau. Pode ser verdade, mas depende do tempo e do modo, e não podia ter escolhido pior altura para mexer num vespeiro, crendo tratar-se de uma inofensiva colmeia. Talvez tenha sido um assomo de quixotismo, e que Stilwell tenha visto em Sautedé um moinho que pensou ser um gigante - aqui um "Moulin Rouge", adaptado às circunstâncias. Até porque uma explicação com fundamento no lado romântico da loucura ainda poderia convencer alguém, ou pelo menos fazê-lo subir uns pontos na consideração alheia, mas só isto? Novamente, nada de pessoal contra o indivíduo, e muito menos contra o sua vertente sacerdotal, da qual desconheço o conteúdo e nem foi para aqui chamada, mas este sr. Stilwell passava tão despercebido antes de todo este vendaval, e assim devia ter continuado. Ah, e quanto ao efeito que a entrevista pode ter, cada um pensará o que quiser, mas se a ideia era dar ao entrevistado uma oportunidade para convencer a opinião pública de que é um tipo porreiro, foi pior a emenda que o soneto. Outra vez, falo apenas por mim.
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