sábado, 21 de março de 2015

Futebol europeu: o retrato de um continente decadente


Os países do centro e do norte europeu têm um problema que já não é novo: as baixas taxas de natalidade. Eram baixas há 30 anos, mais baixas ainda há 20, e desde então a situação não teve melhorias visíveis, apesar das campanhas e dos benefícios sociais a atribuir aos casais que tenham mais filhos. Aparentemente os europeus são uns "bon-vivant" e não estão para trocar fraldas e aturar choradeira, e infantil por infantil, preferem ser eles a prolongar a estadia na fonte da juventude. No plano individual parece óptimo, e é um pouco quem diz: "trabalhem vocês", mas o doce ócio amarga no momento em que, helas, se dá a sucessão de gerações e não há gente que "tape os buracos". Pois é meus amigos, lamento se isto que vou dizer é uma novidade para vocês, mas as pessoas envelhecem, entram em decadência, e eventualmente acabam por morrer. Como nos filmes, estão a ver? Pois, agora estão, mas quando chegar a vossa vez são os outros que vão ver, e a este ritmo é possível que vejam enquanto vão mordiscando num "kebab" ou molhando um pedaço de "pita" no "humush". O quê? Eu explico: antes as gerações sucediam-se, ou seja, os nossos avós tiveram os nossos pais, os nossos pais tiveram-nos, e nós tivemos os nossos filhos...os que tiveram, pois outros não se quiseram esse tipo de responsabilidade, ou preferem evitar aborrecimentos, não gostam de crianças, são rabos/fufas/esteréis, escolha uma ou mais destas alternativas para explicar a queda drástica no número de jogadores dos escalões juvenis para suprir o envelhecimento e consequente saída de campo de outros elementos da equipa. E existe uma razão perfeitamente legítima para estar a recorrer a metáforas futebolísticas, como já vamos ver a seguir


Como forma de colmatar a falta de sangue novo, alguns países optaram por alargar o direito à cidadania aos seus imigrantes, sob o risco de sofrerem de escassez de mão-de-obra, ou serem obrigados a adiar drasticamente a idade da reforma dos seus cidadãos - o que só serviria para ganhar algum tempo, não resolvendo o problema nem de perto, nem de longe. Países como a França, Holanda ou o Reino Unido, com um passado histórico imperialista e ex-colónias espalhadas pelos quatro cantos do mundo tiveram mais facilidade em "recrutar" os filhos e netos do antigos servidores do império, enquanto outros países do centro e norte da Europa, com um passado menos expansionista, tiveram que encontrar outras soluções. A Alemanha pode-se orgulhar de ter um registo quase perfeito em termos de integração dos imigrantes, com os filhos e até já os netos desses nascidos no país são cidadãos alemães de pleno direito. O resultado desta política pode ser observado na actual selecção de futebol da Alemanha, onde pontificam estrelas com nomes e aparência que distam de forma considerável dos padrões a que os alemães habituaram o mundo. E no fundo a diversidade da selecção de futebol representa a diversidade étnica e cultural do próprio país, mesmo não sendo isto um método infalível para obter essa percepção - uma selecção de voleibol de praia da Geórgia ou de futsal do Cazaquistão inteiramente compostas por atletas brasileiros são uma corrupção desta lógica, vulgo "batota". Mas outros países com o mesmo problema que os alemães resolveram adoptar a mesma solução, mas só recentemente se começaram a ver resultados concretos no capítulo da integração destes "genes importados". Peguemos nos novos talentos das selecções de futebol de alguns desses países para melhor esta fascinante realidade.


Ah...a Suíça...dos relógios Rolex...dos "chalets", do esqui nos Alpes, de jogadores de futebol do calibre de...Cephas Malele? Kevin M'Babu? Mas...e os suíços-suíços, por onde andam? Bem, talvez  tenham ido todos para guardas do Vaticano. A Federação Helvética começou por introduzir  nos jogadores de origem turca, dos quais se destacaram Kubilay Turkilmaz ou Hakan Yakin, e mais tarde os albaneses e kosovares, que hoje temos como exemplos de sucesso Xerdan Shaqiri e Granit Xhaqa, bem como progressivamente foram sendo introduzidos africanos de várias origens, passando primeiro pela triagem das camadas jovens. Hoje os suíços são cada vez menos selectivos, e basta ter a cidadania deste país para jogar na selecção. Que o diga o nosso compatriota João Pedro Abreu de Oliveira (em baixo, ao centro), que alinha actualmente na equipa "B" do FC Luzern, para onde se transferiu há dois anos do FC Basel. João Abreu joga habitualmente na lado esquerdo do ataque, mas também se adapta ao lado direito e ao lugar de ponta-de-lança. Foi internacional Sub-17 e actualmente joga pelos Sub-19 da selecção helvética, mas na condição de portador da dupla nacionalidade, pode optar também pela selecção portuguesa - se precisar de optar. Podem reparar que fiz uma selecção de onze jogadores, guarda-redes incluído (Yvom N'Vogo), e o mais difícil foi escolher! Um exemplo acabado de uma integração plena dos filhos dos seus imigrantes.


DESTAQUE: MING YANG YANG

Estive indeciso entre este e o jogador de origem vietnamita Phi Nguyen, mas achei que esta é uma pergunta que não pode ficar por responder: como é que aparece um suíço com um nome como Ming Yang Yang (楊明陽)? A resposta é mais simples do que se possa imaginar. O senhor na imagem à direita do atleta é o seu pai, Yan Zhihong (志宏), que deicidiu ficar na Suíça depois de completar o seu curso de Medicina na Universidade de Basileia,  no início dos anos 90, e foi dar aulas na conceituada Universidade de Freiburgo, onde ainda hoje permanece. Ming nasceu em Basileia (outras fontes indicam Paris) no ano de 1995, completando 20 anos no próximo dia 11 de Julho) e iniciou-se no futebol no FC Friburgo, passando depois pelo Neuchatel-Xamax em 2011 e um ano depois foi para o seu clube actual, o RC Lausanne, que disputa a Challenge League, a segunda liga helvética. Internacional pelos Sub-17 e Sub-19, pertence ao plantel principal do Lausanne, onde joga a médio defensivo ou médio-centro. Esta época fez 14 jogos para o campeonato, oito destes como titular, e o único golo que apontou pela sua equipa foi num jogo da Taça da época passada, numa vitória fora por 3-0 frente ao Brühl.


A Bélgica, que detinha muito menos colónias africanas que a sua vizinha França, só nos anos 90 do século passado começou a integrar atletas filhos de imigrantes originários da Zâmbia, República do Congo ou Ruanda. A "revolução" começou com a naturalização do croata Josip Weber a tempo para disputar o mundial dos Estados Unidos 1994, e apesar de não ter sido uma aposta onde acertaram em cheio, teve início uma nova fase para os "diabos vermelhos". A partir daqui os belgas abandonaram definitivamente o puritismo na escolha de jogadores para a selecção, e começaram a apostar nesta "moda" de convocar quem reúna as duas condições essenciais para esse efeito: nacionalidade belga, e claro, qualidade. Exemplos recentes de sucesso, como são os casos do médio do Manchester United de origem marroquina Marouane Fellaini, o avançado de origem zambiana Romelu Lukaku, ou ainda o central do Manchester City filho de pai congolês Vincent Kompany, trouxeram um novo fôlego à Bélgica, que esteve fora dos mundias da FIFA entre 1994 e 2014. Pode ser que o Ahmed seja El Massoud e não Van Massoud, mas faz o trabalho tão bem ou melhor.


DESTAQUE: BERNARD "JUNIOR" MALANDA-EDJE

O início deste ano foi marcado pela tragédia que se abateu sobre a selecção belga, com o desaparecimento de uma das suas estrelas mais promissoras, Junior Malanda, médio-defensivo do VfL Wolfsburgo, da Bundesliga, de apenas 20 anos de idade. Malanda nasceu em Bruxelas de pais belgas com ascendência congolesa, e aos 10 anos já jogava nos infantis do maior clube da capital belga, o Royal Anderlecht. Portador desde muito jovem de um físico notável, assinou em 2007 pelos juniores do RSC Lille, clube francês pelo qual aos 13 anos jogava ao lado de atletas de 17 e 18. Cinco anos mais tarde regressou à Bélgica com a ambição de assinar um contrato profissional, o que veio mesmo a acontecer com o Zulte-Waregen, da divisão principal, fazendo na época de 2012/2013 um total de 35 jogos e apontando 3 golos que ajudaram a sua equipa a terminar num sensacional 2º lugar a apenas dois pontos do campeão, o "seu" Anderlecht - e tudo isto alinhando ora como médio-defensivo ou a defesa lateral-direito. O seu talento não passou despercebido na Alemanha, para onde foi na época seguinte para o Wolfsburg, que pagou ao Waregen 5 milhões de euros pelo seu passe. Depois de um ano de adaptação, que incluiu um curto empréstimo de seis meses à sua ex-equipa, afirmou-se este ano na primeira metade do campeonato alemão, apontando 2 golos em 17 partidas, e ainda fazendo 4 assistências para golo, jogando sempre a titular na posição logo em frente à defesa, no meio campo defensivo. Aproveitando a pausa de Inverno em Janeiro, ia participar de um "campus" para jovens jogadores na África do Sul, mas no dia 10 de Janeiro, a caminho do aeroporto,  sofreu o acidente de viação que lhe custou a vida. Malanda vinha sentado no banco de trás do carro acidentado, e não tinha o cinto de segurança colocado, o que o levou a ser projectado para a frente, batendo com a cabeça no pára-brisas com violência. Desapareceu assim prematuramente uma das maiores promessas do futebol belga, a talvez do futebol mundial. À data da sua morte o seu passe estava avaliado em 7,5 milhões de euros.


Isto, meus amigos, é a futura selecção da Áustria - ou pelo menos parte dela. Isso mesmo, o país onde nasceu Adolf Hitler resolveu dar o braço a torcer, e quando se apercebeu que nos últimos 30 anos só teve um jogador interessante, Toni Polster, adoptou a política integracionista que os seus vizinhos alemães já vinham praticando há alguns anos com relativo sucesso. Também como os alemães a Áustria não foi uma potência colonizadora, pelo que foi preciso recorrer a outros expedientes para soltar o rígido futebol pela qual a selecção era conhecida, e com resultados pobres - desde 1998 só participaram no Euro 2008, e na qualidade de país organizador, a par com a Suíça. Sinan Bytyky (ou Bytyqi), por exemplo, é originário da ex-república jugoslava do Kosovo, enquanto Samuel Oppong nasceu no Gana e Seifedin Chabbi é de ascendência tunisina. Já Valentino Lazaro deve o seu curioso nome ao facto de ter nascido em Viena filho de mãe grega e pai angolano. Apesar das refrescantes novidades, os austríacos ainda vão precisar de esperar alguns anos até que estes jogadores completem os seus percursos pelos escalões mais jovens, mas os bons resultados obtidos a esse nível permitem encarar o futuro da "Mannschafft em miniatura" com algum optimismo.


DESTAQUE: DAVID ALABA

David Olutokunbo Alaba junta à sua aparência algo exótica um nome não menos fora do usual para um austríaco. Mas peçam-lhe o bilhete de identidade se não acreditam que este rapaz de 22 anos nasceu em Viena, filho de Gina Alaba, um enfermeira filipina (tinha que haver filipinos algures nesta "caldeirada"), e George Olutokunbo, um DJ originário da Nigéria, de etnia Yoruba, que alega ser um príncipe da sua tribo - não faz a coisa por menos. Além do filho pródigo, o casal tem ainda uma filha. David demonstrou desde muito cedo uma queda para o futebol, e aos 9 anos foi dar os primeiros pontapés numa pequena equipa dos arredores de Viena, o SV Aspern, e não foi preciso um ano para que fosse para o mais prestigiado FK Austria Wien, onde seis anos mais tarde captou a atenção dos olheiros do gigante Bayern de Munique, que o levaram para a equipa "B" em 2008, aos 16 anos. Foi um ápice até o pequeno David passar a treinar com a equipa principal, e para garantir que não lhe arranjavam um casamento bávaro, a federação austríaca convocou-o de imediato para a selecção "A", tornando-se assim aos 17 anos o mais jovem internacional de sempre pela Áustria. Depois de um ano por empréstimo no Hoffenheim, regressou ao Bayern onde assumiu a titularidade como dono e senhor do lado esquerdo, quer ofensivo, quer defensivo. Actualmente com 22 anos, soma já 33 internacionalizações nas quais apontou oito golos, e o seu passe está avaliado em 40 milhões de euros. Os portugueses vão ter oportunidade de o ver em acção no próximo dia 15, quando o Bayern jogar no Estádio do Dragão com o FC Porto a primeira mão dos quartos-de-final da Liga dos Campeões.

Há algo de novo no reino da Dinamarca. Tradicionalmente uma selecção de "altos e loiros", os dinamarqueses tiveram no trinco John Jensen, da selecção campeã da Europa em 1992 a única excepção a esta regra digna de algum destaque. Também uma nação sem um passado colonialista, os dinamarqueses precisaram de aproveitar os seus "turistas acidentais" para dar mais "calor" ao seu  futebol muitas vezes demasiado "frio". Olhando para os internacionais das selecções mais jovens e de entre os quais escolhi aqueles 6, dá para perceber que têm feito um trabalho notável. Quem ia imaginar um dia ter um Ramjavatar Yogathas com a camisola do país da Dan Cake?


DESTAQUE: EMILIANO MARCONDES

Emiliano de Camargo Marcondes Hansen nasceu há 20 anos em Hvidovre, filho de pai dinamarquês e de mãe brasileira, de quem herdou não só o nome e as feições latinas, mas também os genes "bons de bola" com que os brasileiros parecem vir ao mundo dotados - só lhe falta mesmo saber falar português. Marcondes é jogador do Nordsjaelland, da primeira liga dinamarquesa, onde joga na posição de médio-ofensivo, normalmente na função de armador, no apoio ao ponta-de-lança. Foi durante a sua passagem pela selecção de sub-19 saíu do anonimato ao apontar seis golos em 11 jogos entre 2013 e 2014, e actualmente faz parte do plantel dos sub-21. Ambidestro, com preferência pelo lado canhoto, é um jogador veloz, de finta curta e raciocínio rápido, com um visão de jogo e bom passe que lhe valeram além dos já referidos seis golos, mais quatro assistências para golo. A sua polivalência no último terço do terreno despertou o interesses de grandes clubes, estando já  referenciado pelo Inter de Milão, que tem seguido a sua evolução. No ano passado regressou  ao Brasil de férias para visitar a família do lado materno, e aproveitou para assistir "in loco" ao mundial de futebol. Quem sabe se não vai ajudar a Dinamarca a qualificar-se para o próximo, já que só com loirinhos parace que não chegam lá.



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